22 maio 2007

ELAS DERAM UM “SHOW” NO DESFILE




Sempre aos domingos pela manhã, me dirijo ao centro da cidade, para pegar a minha “VEJA” na principal banca de Revista. Para surpresa minha, no exato momento em que ali chegava, dei de cara com o desfile da Igreja "Assembléia de Deus" local. Por sinal, um desfile bem organizado.

Logo ali a minha frente estava o pelotão de homens (obreiros) impecavelmente uniformizados de ternos pretos. Em seguida vinham os pelotões das mulheres ─, todas esfuziantes e alegres, colorindo majestosamente o ambiente com suas garbosas vestimentas, dando vida e alma a festividade.

Senti que o pelotão de homens marchava de uma maneira fria e sem emoção, o que me fez logo tirar a seguinte conclusão: “acho que desfile de homens devia ser sempre feito em quartéis”. Digo isso, porque ali, as mulheres, donas que são da mais fina sensibilidade, deram um banho de emoção contagiante, com seus lenços brancos acenando para o alto. Todas sorridentes, sem demonstrar frieza ou cansaço. Ali estavam meninas, moças, esposas, viúvas, gordas e magras, algumas claudicando pelo reumatismo e pelo peso da idade, outras mancando, devido os calos formados pelos sapatos apertados nos pés. Porém, o importante, é que elas marchavam de uma maneira alegre e fagueira com a ginga tradicional que faz da mulher brasileira, a mais festiva do mundo. Todas numa espontaneidade nunca vista, bradando para o alto com suas vozes agudas e estridentes o estribilho: “Jesus ─ Rei dos Reis e Senhor dos Senhores”.

Eu acho que o tema deste congresso das mulheres, devia ter sido: “A Noiva de Cristo”, de tão intensa que era a empolgação delas. Não tenho dúvida, que ali, os homens deram as mãos à palmatória, reconhecendo o brilhantismo das servas do Senhor.

Pensando bem, qual o homem que teria a coragem de quebrar um vidro de perfume caríssimo, e derramar sobre os pés de Cristo, como fez Maria Madalena, e depois enxugá-los meigamente com os seus longos cabelos? Os marmanjos daquela época, não gostaram da espontaneidade da atitude feminina, mas Cristo aprovou o ato daquela mulher. É! Realmente há coisas, que só a mulher sabe fazer muito bem...

Ali mesmo eu cheguei a pensar: bem que poderia estar lá em cima, no carro do trio elétrico, uma, como Miriam, irmã de Arão, que com um tamborim nas mãos, dançou, exultando a passagem pelo mar vermelho, à pés secos. Isto, numa analogia ao que está escrito no livro de Êxodo 15, 20: "Então Miriã, a profetisa, irmã de Arão, tomou um tamborim e todas as mulheres saíram atrás dela com tamborins e com danças".

Naquela manhã ensolarada de domingo, sob um céu azul de brigadeiro, o centro, as praças e principais avenidas, foram delas.

Parabéns para estas valorosas mulheres, no seu congresso. Evento este em que eu tomei a liberdade e audácia de mudar o tema da festa para: “A NOIVA DE CRISTO”.

Por acaso, não foi para Ele (O esposo-espiritual), que elas tão bem se apresentaram ali em praça pública?

19 maio 2007

ANALISANDO O PASSADO PARA ENTENDER O PRESENTE





Ultimamente, tenho conversado bastante com minha mãe, sobre o tema: “separação” entre entes queridos do mesmo núcleo familiar. O momento se tornou propício, pois nossa irmã Leni está iniciando a arrumação das malas para residir na Bolívia.

O meu sogro tinha partido dessa para uma melhor, há mais ou menos um mês, quando eu dizia para Bazinha, que a minha sogra vinha se recuperando bem da morte de seu querido esposo, pois começara a enfrentar a vida sem lastimações e depressão, que tanto caracterizam a insegurança humana em dissabores, como é o sentimento de perda ao contemplar de perto a finitude humana aqui na terra. Sabemos que esse é um acontecimento que nos está reservado, mas tememos em abordar essa verdade dolorosa que mais cedo ou mais tarde nos acolherá.

Mamãe ao ouvir o relato que fiz sobre minha sogra Percides, respondeu sem hesitação:

─ É! Mas você sabe muito bem que meu caso é muito diferente do de Percides. Sua sogra tem quem cuide dela. Tem Albanize, tem Alda, tem Joelma. E eu não tenho ninguém para me socorrer aqui em casa.

Interpretei a sua resposta como uma racionalização de desamparo, que ao meu ver, colocava sobre os ombros dos filhos que aqui ficariam, a responsabilidade ou incumbência de satisfazê-la em seus ANSEIOS E DESEJOS.

Porém, uma frase sua dita com tanta ênfase me tirou do sério. Às vezes sentimos em nosso relacionamento quando as coisas são ditas da boca para fora, e quando elas partem lá do mais recôndito da alma. O que ela me disse em seguida, merece registro, pois se reveste de profunda significação:

─ É meu filho ─ disse ela demonstrando tristeza. Você sabe que meu caso é diferente. Eu perdi seu pai muito cedo. Cuidar de vocês passou a ser o meu consolo.

Agora, ali, eu estava entendendo toda a sua linguagem. Com a morte de meu pai e seu esposo a projeção dos seus desejos e satisfações, passaram a ser dirigidas aos filhos. Era nos filhos que ela agora investia o melhor dela. A razão maior do seu viver estava doravante representada neles.

No fundo de tudo isso, existe uma explicação de natureza religiosa, pois, muita coisa da tradição judaica foi incorporada inconscientemente por todos nós, herdeiros do Cristianismo (filho do Judaísmo). No bem ilustrado livro: “Uso e Costumes dos Tempos Bíblicos de Ralph Gower, publicado pela CPAD, na página 61 está escrito o seguinte: “Visto que os pais acreditavam que continuavam vivendo nos filhos, estes eram considerados uma grande bênção”. Segundo este escritor do Velho Testamento, a família era, portanto, um “pequeno reino” governado pelo pai. Ele tinha autoridade sobre esposa, filhos, netos e servos. Uma quebra dessa segurança ameaçaria a unidade familiar.

Antes da morte de seu marido e “senhor”, mamãe passou por um grande estágio de aprendizado: Ele desaparecera instantaneamente de A. Grande em direção ao sul do País, sem que ninguém soubesse, deixando muitas dívidas. Mamãe era realmente muito jovem nessa época, quando sofreu o golpe do abandono. Acho que foi por volta de 1955. Porém, o que se viu após esse desfecho não foi desespero, nem lamentações, e sim uma jovem mulher de pulso firme, tomando a frente do comércio de vendas de tecidos e confecções, com tamanha determinação, que conseguiu em pouco tempo, o respeito e admiração de grande parte dos habitantes da cidade. Foi por esse tempo, que ela de ponta a ponta da cidade, ficou conhecida como a mulher chamada: Dona Bazinha (a vendedora de roupas). Nessa mesma época eu tive um sonho emblemático: “Um Senhor todo de branco aparecia na porta de entrada de nossa casa, dizendo: ‘Não te atemorizes, que ele voltará’ Este sonho foi uma espécie de reforço para mamãe suportar a longa espera do seu marido, que mais tarde apareceria com uma grande mala recheada de presentes para todos de casa”.

A chegada de meu pai à sua terra natal foi motivo de muitas comemorações, envolvendo até o prefeito da cidade, O Sr, Telésforo Onofre e o seu filho, o ex- Deputado Estadual Raimundo Onofre. Este último como superintendente da C.E.F nos idos de l969 me ofereceu todo o apoio econômico para montar uma clínica, em deferência ao meu pai, que tinha sido no dizer dele, o seu melhor amigo.

Naturalmente, após o reaparecimento de Moisés, e o seu novo encontro com a linda e ansiosa Aldamira ( apelidada carinhosamente por ele de “ôme”), deve ter havido naquela ocasião, uma nova lua de mel, com novas promessas e juras de amor eterno. O certo é que após algum tempo nasceu Neli, que na pressa, meu pai registrou-a como Leni, cujo nome, muito bem poderia significar: “a filha do pai pródigo que voltara ao lar”.

A partir dessa época, Davi e eu passamos a ficar em um segundo plano de atenção. Ficamos no “canto”, como se dizia comumente, por ocasião do nascimento de uma nova criança no seio da família. Bazinha tinha recebido como prêmio, o seu espelho para se ver refletida. A nova rainha do Lar seria criada, educada segundo os seus preceitos e “a sua imagem e semelhança” como diz o Livro de Gênesis. Ali ela deve ter imaginado: “vou formá-la com os atributos que eu tenho de melhor, porém, sem os meus defeitos”. Procuraria protegê-la das incompreensões masculinas que ela vivenciara no próprio esposo.

Veio a fase de namoro de Leni, sob uma forte fiscalização feita nos mínimos detalhes, por parte da protetora mãe. Bazinha, à maneira judaico-cristã, aprovara a escolha de João Camilo para ser seu genro. Assim como a tradição dos Judeus, a filha não casaria com um “gentio” e sim com um casto rapaz, filho de um “pai sacerdote” (Pastor da igreja local).

Passado muitos anos, Leni, a filha única, já mãe pela terceira vez, tendo a sua primogênita já casada, decide-se viajar para um lugar distante, para servir aos gentios, estrangeiros, de outras raças, justamente àquele tipo de pessoas de que tanto nossa mãe relutara em entregar a sua filha. Aí, é que entra o fator que fez brotar em Bazinha, todos os sintomas que nos faz apegar uns com os outros, e que tem por base a tradição religiosa judaizante que se enraíza em nossas mentes de uma maneira tal, que fica difícil para nós, aceitarmos um dos pressupostos básicos do cristianismo: “Quem não deixar pai e mãe por amor de mim, não é digno de mim”. O que não podemos deixar de lembrar, é que Jesus ao atingir a sua maioridade, que naquela época era aos treze anos, subiu a Jerusalém, deixando os seus pais “a ver navios”. Só depois de três dias é que o encontraram, e nesta oportunidade Maria, sua mãe o repreendeu dizendo: “Filho, por que fizeste isso conosco? ─ deixasse eu e teu pai deveras ansiosos”. Para o povo mais cheio de tradição e de ritos cerimonialistas da face da terra, como era o povo Judeu, a resposta de Jesus foi bastante dura: “Porque estavam me procurando? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?”.

Às vésperas da partida de Lena e João para a Bolívia, gostaria que ficasse sempre na memória da minha velha mãe, o inusitado encontro que tivemos há algumas semanas na casa de Tia Olívia. Ela me disse depois, que saiu revigorada após aquela visita.

Luza, Bazinha e eu, ao chegarmos à casa da minha velha e lúcida tia, encontramos as portas e janelas fechadas. Coloquei o ouvido colado na janela por vários minutos e não ouvi nenhum barulho. “Vamos bater mais na porta, ela pode está dormindo ou adoentada” ─ insisti. As duas que me acompanhavam alegaram que uma pessoa não poderia estar só, num calor daquele com as portas todas fechadas.

Saímos à procura da sua nora, vagueando pelas ruelas da famosa “engenhoca”, como era denominada àquela parte da cidade.

No caminho, pelas ruas estreitas de casas humildes, finalmente encontramos a nora de tia Olívia, a qual, fez esta revelação para nós: “ela é assim mesmo fica sozinha por dias e noites, nem se incomoda. A gente deixa a comida dela na sala e volta para casa”.

De volta a sua residência, bateu-se na porta com mais força, e após dois ou três minutos, tia Olívia apareceu com cara de doente, abrindo a porta de sua casa. Mesmo dizendo que estava acamada com uma virose, a sua face não deixou de irradiar aquela alegria contagiante que lhe é sempre peculiar. Após conversa vai, conversa vem, se perguntou:

─ “Como é que a Sra. consegue ficar numa solidão dessas por tantas horas, sem ninguém a lhe fazer companhia em casa?

Ela respondeu cheia de fé: ─ “ Meus filhos! Eu tenho um General aqui comigo toda a hora. Eu converso com ele, canto com ele o dia inteiro. Não sinto falta de ninguém. Quando estou já sem forças para andar, sem ter, às vezes, nem o que comer, eu peço, e o meu general me manda na hora. Graças a Deus não tem me faltado nada.

A esta altura, Bazinha e Luza estavam completamente abismadas e ao mesmo tempo felizes, vendo aquela demonstração de firmeza, que parecia não ser desse mundo nosso de valores fúteis.

Eu saí dali calado, forçando a minha mente, a fim de me lembrar de um versículo do Novo Testamento que dizia mais ou menos assim: “(...) e Ele vos dará um consolador para que esteja convosco para sempre”.

No caminho, de volta para Guarabira, perguntava para mim mesmo: “Como fazer com que a minha velha mãe entenda e sinta que, mesmo na nossa ausência, ela não se encontra só?”

Crônica: por Levi B. Santos. Guarabira, l8 de Maio de 2007

09 maio 2007

O ASSESSOR PEREGRINO




O meu caro amigo e cunhado João Camilo, creio eu, está em contagem regressiva para o inicio de sua maior aventura. É numa hora dessas, que me vem à mente a grande epopéia dos Hebreus, comandada pela inabalável coragem deste grande legislador que foi Moisés. Só que, ao contrário do que vai fazer o meu amigo, o homem das tábuas da Lei empreendeu uma viagem de volta às origens, trazendo o seu povo escravo lá do Egito para a terra dos seus primeiros pais. Desta forma, o feito que João irá realizar está mais para o primeiro patriarca bíblico do que para Moisés. Foi Abraão, quem resolveu contra tudo e contra todos, deixar a sua parentela, para peregrinar por lugares inóspitos e desconhecidos.

Não há mais volta. O ex-secretário de saúde da populosa cidade de Bayeux vai deixar de caminhar conosco, para como Abraão, conhecer novas paragens, novos rostos, novas faces e novos horizontes.

Deixará vazia a sua cadeira, na sala de jantar de sua sogra Bazinha. Era em torno de uma mesa, que mensalmente, a partir da hora do almoço, ele, Davi e eu, juntos com nossas respectivas esposas debatíamos ardorosamente temas sobre política, economia e principalmente religião. Cada um sustentava a sua opinião com argumentos sutis e estratégicos, que, às vezes, descambava para um tom emocionalmente forte. No final das contas aprendíamos todos, uns com os outros, e o saldo era sempre positivo, menos para os desgastados corações a pulsarem rápidos pela descarga de adrenalina.

O idealista e sonhador João trazia sempre um sonho emblemático, para ser decifrado após o almoço. No dizer dele, eu sempre dava uma interpretação que lhe agradava o espírito. Então, ao contar os sonhos, fazendo sempre uma pausa para o seu peculiar fungado alérgico, ele se dirigia a mim desta forma:

─ Levi!, eu quero que você pense demoradamente, e me dê a interpretação desse sonho. Você sempre tem acertado na mosca.

Eu sabia pelas minhas muitas leituras de psicanálise, que geralmente nos sonhos estavam embutidos nossos desejos inconscientes mais prementes. Ora, havia sempre nos seus relatos oníricos, um chefe a lhe ajudar ou a lhe atrapalhar o serviço. E eu me detendo nos conteúdos básicos do sonho, falava para ele:

─ Fique calmo João. Você nunca deixará de estar junto do poder, ─ que nesse sonho era representado pelo presidente (não me lembro se era Fernando Henrique ou Lula).

─ Esse homem tem o dom de interpretar! ─ dizia ele eufórico. Vou sair daqui satisfeito. Ô glória ─ completava ele prazerosamente.

Lembro-me de que só saíamos da mesa, para lá das onze horas da noite, quando a velha Bazinha, minha mãe, nos botava para fora de casa, com veemência, falando assim:

─ Isso já é demais! Acham pouco o que falaram até essa hora! Já é quase meia noite. Meu Deus, e João e Lena, que ainda têm que viajar para longe. Vão, vão embora em nome de Jesus.

E a gente corria para terminar os diálogos na calçada da casa. Era quando mamãe fechava todas portas e janelas, falando de cara feia: “Vou dormir, que hoje vocês me cansaram muito”.

Ontem, numa de minhas noites de insônia, eu refletia: O amigo João esteve sempre em sua vida, assessorando um chefe. Porém, sempre que acabava de desatar mil e hum “nós”, colocando tudo na devida ordem, o “dono do poder” lhe dispensava injustamente. Até hoje, foi sempre assim em sua trajetória religiosa. Interessante, que até na vida pública foi chamado para desvendar inúmeros e quase insolúveis problemas, e sempre que saneava as instituições de suas maracutaias, vinha logo a seguir a sua dispensa por parte de quem estava no poder.

Um dia, em um passado não recente, ele recebendo conselhos, se arvorou de empresário, montando uma sorveteria. Na visão de alguns, ele conseguira enfim o “poder” de ser o dono do seu próprio negócio. Não deu certo. Parecia que Deus estava a lhe dizer: “teu lugar é de assessor”. “Não te quero aqui com este tipo de “poder”.

Refletindo bem, agora, vejo tudo com outros olhos, parafraseando aquele que foi um dos maiores paradigmas do sofrimento humano, chamado “Jó”. João Camilo, você com sensibilidade, dignidade, práticas justas e a transparência que tanto lhe caracteriza, será sempre um assessor a serviço de um poder que não é dos homens e sim de Deus. Não importa se na sua peregrinação pelo mundo afora, colha incompreensões dos que detém o poder institucional, político e religioso. Nessa área você está bastante acostumado a lidar com àqueles, que na maioria das vezes, se deixam levar pela acomodação, e sem forças, param de lutar pela renovação do entendimento.

Caro Camilo. Admiro sua coragem e sua fé, nos firmes propósitos que resolveu assumir com tamanha garra e abnegação. A partir de agora você será um “errante”, como foram os patriarcas da Bíblia. Sou sincero: eu, particularmente, não tenho fé para tanto desprendimento. Foi um desapego mais ou menos idêntico ao seu, que fez o apóstolo Pedro deixar a sua empresa de pesca, em prol de uma causa nobre como a que você irá enfrentar.

Ante uma decisão, como foi esta que você tomou, a única coisa que posso fazer neste instante: é me recolher envergonhado, à pequenez deste mundo, subjugado pela mesquinha irracionalidade única do trabalhar para possuir, a qual, anestesia o individuo deixando-o sem aquele precioso tempo que tinha antes, para se dedicar às coisas do espírito.

Siga em frente, caro “assessor peregrino”. Você é quem está certo.



Crônica por: Levi B. Santos - Guarabira, 10 de maio de 2007

07 maio 2007

CORRAM - QUE AQUI TEM DENGUE!





Chovera torrencialmente durante todo o dia daquele Sábado. Ao iniciar a noite, a chuva deu uma trégua, o bastante para minha esposa, meu filho caçula e sua namorada animarem-se para comparecer a um estudo e um ensaio musical na igreja, como acontece de praxe todos os finais de semana.

Fui levá-los de carro até o templo, de forma apressada, pois já estava passando das vinte horas. Lá chegando, para a nossa surpresa, a igreja estava praticamente vazia. Estirei meu pescoço duro de artrose por entre a janela do automóvel e avistei apenas o porteiro ao lado da porta de entrada. Minha esposa, porém, saiu resoluta para o interior do templo, sem aceder a minha argumentação de que não haveria trabalho naquela noite, pois pelo meu relógio já passava das oito e trinta da noite e não tinha um “pé de cristão” ali dentro.

O meu filho e sua namorada não titubearam um só minuto, resolveram voltar comigo para casa. No caminho, ele pediu para ficar no centro da cidade, perto de uma pracinha. Pelo olhar dos dois, pude concluir que, na falta do trabalho espiritual resolveram dar uma namoradinha. O lado espiritual, desta feita, ficaria para o domingo. Dessa maneira, estaria feito o equilíbrio entre a “carne” e o “espírito” de que tanto falou o apóstolo Paulo em suas cartas.

Estava eu muito bem sentado em uma poltrona da sala de minha casa, no exato momento em que caía um “toró” daqueles. Nem vinte minutos fazia que tinha chegado a casa, e estava lendo restos de noticias de alguns jornais do dia, quando de repente irrompe minha mulher no meio da sala, parecendo um pinto ensopado de água. Toda molhada, mas com um ar de satisfação, como quem tinha saído vitoriosa de uma grande enrascada. Foi logo dizendo com a voz ofegante, com o ar de quem tinha acabado de levar um enorme susto:

─ Meu filho, escapamos de pegar uma “dengue” daquelas.

Joguei os meus jornais para o lado e perguntei, já querendo rir:

─ Como? Eu lhe deixei na igreja, imaginando que mesmo na falta dos alunos para o estudo bíblico, você iria orar por um bom pedaço de tempo!

Não, olha o que aconteceu ─ diz ela com os olhos esbugalhados. ─ Eu estava com uma amiga minha, no subsolo da igreja( recinto destinado aos estudos bíblicos), olhando uma para a cara da outra sem ter o que fazer. Sentado lá mais na frente estavam dois encabulados irmãos de fé, também “paradões” como duas estátuas, em um constrangido silêncio. Foi quando a minha amiga cochichou ao meu ouvido: “não fica bem para a gente ficar aqui, sem assunto, olhando para esses dois homens. Vamos embora?”. Neste mesmo momento em que conversávamos, um dos homens deu um pulo de lado, gritando:

─ Corram! Que aqui está empestado de mosquito da “dengue”.

Segundo minha esposa, aquilo tinha sido a providencial “senha” que Deus mandara para todos saírem dali em desabalada carreira, justificando dessa forma a interessante fuga. Eu, a essas alturas estava embolando de rir, pelo acontecimento trágico e ao mesmo tempo cômico. Ora, pensava eu com os meus botões: “quem já viu um negócio desses?. “Fugirem de um local sagrado, para poderem se refugiar em um lugar mais seguro do que a própria igreja”?.

É mais um dos paradoxos existenciais humanos ─ concluí já refeito do riso. Porém cheguei a conjeturar comigo mesmo: “eles estavam no subsolo, um lugar úmido, de pouca luz e de aspecto sombrio, que na verdade tinha tudo, menos aquela áurea sublime do interior da igreja, por isso, foram tolhidos pelo medo”. Penso que se estivessem na nave da igreja, eles não iriam de maneira nenhuma temer a “dengue”. Caso isso viesse acontecer, seria o cúmulo dos paradoxos. Foi nesse momento que me lembrei do que tinha lido algumas vezes no Velho Testamento: “o lugar chamado de ‘profano’, era exatamente em um determinado local fora do templo”, ratificando o que se diz sempre nas pregações: “que de fora, ficarão os cães”. Refletindo dessa forma, a minha mente fazia uma justificação para a inusitada debandada dos medrosos personagens daquele local obscuro, que servia mais para ensaios, aulas e almoços festivos, que para estudos bíblicos.

Continuava a chover naquela noite e a minha mente insone, por alguns minutos, vagueava, criando suposições que tinham a ‘dúvida’ como fonte de toda especulação. E eu pensava: “Será que os que não tinham ido à igreja tinham ficado em casa assistindo novelas na TV?” “Ou será que a torrencial chuva de inicio de inverno, afugentara a todos para as suas alcovas de cobertores macios e bem quentinhos?”.

Veio-me então outro pensamento: “Como foi inocente o irmão, ao dar o brado para todos correrem dos mosquitos da ‘dengue’, em plena noite, quando, de há muito, se sabe que o fatídico mosquito só pica as pessoas durante à tardinha”. “Por que o irmão confundira o inseto transmissor da dengue com a popular ‘muriçoca’?”.

Do mesmo modo que de uma terra úmida e fértil brotam os mais variados tipos de vegetação, assim estava a minha imaginação a brotar todo tipo de pensamento: “Será que o citado irmão não dera uma cochilada, e tivera uma visão dos perigosos mosquitos transmissores dessa temível doença? Nesse caso, fazendo uma interpretação literal do sonho, ele não mentira, uma vez, que o mosquito da dengue tem as pernas listradas na cor branca e preta, e a muriçoca tem as pernas de uma só cor”. "Ou será que esse irmão para sair do embaraçoso e angustiante silêncio, inventara essa história de dengue como um álibi para a inusitada fuga”?

O certo é que não houve nem estudo, nem ensaio musical naquela noite fria de inverno. As portas da igreja se abriram e se fecharam sem que nada acontecesse, a não ser a enigmática historia não decifrada dos “mosquitos-fantasma” da “dengue”, a espantar os quatro membros que ali estavam inseguros na penumbra fria e silenciosa do porão do templo.

Pelo resto da noite chuvosa tive sonhos assombrosos, de um zoológico enorme contendo inúmeras jaulas, com insetos gigantes a me atordoarem o sono. Eu podia ver, lá estavam os mesmos mosquitos que o irmão vira em sua visão no subsolo da igreja. Só que no meu sonho, os “mosquitos-fantasma” portavam enormes e cabeludas patas listradas de branco e preto, dirigindo-se ameaçadoramente em minha direção.

Acordei na madrugada de domingo com o corpo cansado e todo dolorido. E pensei por último: “Estou com dengue”. Verifiquei a minha temperatura: estava em trinta e seis graus. Fiquei aliviado. Minha esposa ao meu lado roncava a sono solto. Tranquilizei-me com a certeza de que o mosquito da dengue não me picara.

05 maio 2007

CULTO DE DESPEDIDA





A nossa despedida vai ser na Igreja Central de Jaguaribe em João Pessoa. Olhem, espero vocês lá como sem falta” ─ dizia-me o casal Leni (minha irmã) e seu esposo João Camilo, há poucos dias.

Irão assumir um trabalho de missões na Bolívia ─ lugar muito distante, de uma cultura e língua diferentes da nossa. Não posso negar que esta decisão nos surpreendeu, deixando Bazinha (a nossa mãe), Davi (meu irmão) Luza (minha esposa) e Célia (minha cunhada) que formam a parentela mais próxima, meio ressabiada, acostumados que fomos a viver sempre juntos, desde os tempos de meninos. Vivíamos no “bom sentido” à semelhança do seriado da TV Globo: “A grande família”.

Há umas duas semanas, eu fazia uma analogia com o que o evangelista S. João escreveu sobre Cristo lá na Palestina ( João 1, 11), dizendo para João Camilo em tom de brincadeira: “É, você veio para os seus (Paraibanos), mas os seus, ( principalmente os ‘pessoenses’) não o receberam”. Contudo, lá naquele mundão longínquo, os “hermanos” bolivianos estarão a sua espera de braços abertos.

Quanta coragem! Especialmente da parte de Leni. Em um sonho que Camilo me contou há alguns meses, ela aparecia só com água pela cintura, não mergulhada por inteiro como ele, no mar aventuroso do ideal evangélico. João via sempre a sua esposa com a água pela cintura em seus sonhos espirituais. Acho que a despedida se torna mais dolorosa e dura, para quem não está mergulhado até a cabeça. Mas, cá comigo, penso que a parte mais difícil ficou com a mulher, que pela sua própria natureza, tem a sua razão primordial de existir, representada pelo apego a casa, aos seus móveis escolhidos com tanto esmero, seus quadros, seu quarto, e por fim ao filho e as filhas que foram geradas dentro de si. Imagino como foi doloroso para ela, ter que se desfazer de tudo que possuía de bens materiais, digo isso, não pelo valor monetário, e sim pelo valor simbólico da cada objeto. A cada móvel que saia de sua casa, ia embora uma parte de sua história vivida com amor e intensidade. Lembro-me muito bem da bela e lustrosa mesa da sala de jantar, tendo ao redor lindas e confortáveis cadeiras. Em ocasiões como essas, parece que até os móveis de casa são dotados de sentimentos, de tão acostumados ficamos com eles, vendo-os todos os dias por um longo período de tempo. Era em torno daquela mesa que ela sentava sempre com o esposo e os filhos. Aconchegada no belo e macio sofá de cetim ela contava sempre o que havia de melhor para o esposo.

A despedida do casal João-Lena, após todos esses longos anos de convivência juntos no mesmo ninho familiar, certamente, vai fazer o comboio de cordas do coração de todos nós gemer uma música saudosa. O camarada João é um antigo guerreiro calejado na arte de governar, administrar e solucionar grandes “abacaxis”. Vendo por este lado, concluo ser mais fácil para ele superar a dor da separação dos amigos. Contudo, quando ele, por qualquer motivo, se mostrar cansado, creio que a Leni não fraquejará em substituí-lo no comando, como fez a Débora da Biblia (sem querer tirar a coragem peculiar do sexo forte).

Quanto à velha Bazinha (nossa mãe), vamos ter que respeitar com paciência, certos posicionamentos seus. Seu coração de mãe tem razões que a nossa própria razão desconhece. Há alguns dias, na hora do tradicional almoço (a dois) das quintas feiras em que faço atendimento médico em A. Grande, ela, como mãe extremosa, disse racionalmente para mim uma grande verdade: “é muito bom mandar o filho do outro para pregar lá no fim do mundo”. “Todos ficam contentes, mas ninguém quer mandar o seu filho. Não é tão bom! Por que o chefe não manda o... ... ...( final censurado).

Quanto a mim, não gosto de despedidas, apesar de saber que a “despedida” é também uma “chegada”. A despedida é como um barco que vai se afastando da gente. Quem está nele, em pouco tempo, só nos verá como simples pontinhos no horizonte. Para os que estão aguardando do outro lado do mundo é uma “chegada”. Para nós, que aqui ficamos é uma “partida”.

Quando desaparecermos do horizonte de vocês, outros pontinhos aparecerão do outro lado do mundo, e crescerão à medida que o barco for chegando a Santa Cruz de La Sierra.

Ao se afastarem do nosso convívio, encontrarão o fascinante lugar que tanto sonharam. Então, a vida, essa imensa “roda” que não pára de girar, trará para vocês um novo ciclo de amizades e experiências, que substituirão os dramas e comédias da “Grande Família” que aqui fica.

Lá nas noites frias dos “Andes”, quando a saudade apertar, na certa, Leni cantará acompanhada do seu violão, a canção: “o exilado” (hino 36 da Harpa Cristã). Então, de olhos úmidos e fechados, por um instante, viajará na imaginação até João Pessoa e Alagoa Grande ─ seus dois torrões de memoráveis e gratificantes momentos.

Ainda bem, que para o nosso consolo: “DEUS CRIOU A INTERNET”.

Crônica por Levi B. Santos. Guarabira, 06 de maio de 2007