09 maio 2007

O ASSESSOR PEREGRINO




O meu caro amigo e cunhado João Camilo, creio eu, está em contagem regressiva para o inicio de sua maior aventura. É numa hora dessas, que me vem à mente a grande epopéia dos Hebreus, comandada pela inabalável coragem deste grande legislador que foi Moisés. Só que, ao contrário do que vai fazer o meu amigo, o homem das tábuas da Lei empreendeu uma viagem de volta às origens, trazendo o seu povo escravo lá do Egito para a terra dos seus primeiros pais. Desta forma, o feito que João irá realizar está mais para o primeiro patriarca bíblico do que para Moisés. Foi Abraão, quem resolveu contra tudo e contra todos, deixar a sua parentela, para peregrinar por lugares inóspitos e desconhecidos.

Não há mais volta. O ex-secretário de saúde da populosa cidade de Bayeux vai deixar de caminhar conosco, para como Abraão, conhecer novas paragens, novos rostos, novas faces e novos horizontes.

Deixará vazia a sua cadeira, na sala de jantar de sua sogra Bazinha. Era em torno de uma mesa, que mensalmente, a partir da hora do almoço, ele, Davi e eu, juntos com nossas respectivas esposas debatíamos ardorosamente temas sobre política, economia e principalmente religião. Cada um sustentava a sua opinião com argumentos sutis e estratégicos, que, às vezes, descambava para um tom emocionalmente forte. No final das contas aprendíamos todos, uns com os outros, e o saldo era sempre positivo, menos para os desgastados corações a pulsarem rápidos pela descarga de adrenalina.

O idealista e sonhador João trazia sempre um sonho emblemático, para ser decifrado após o almoço. No dizer dele, eu sempre dava uma interpretação que lhe agradava o espírito. Então, ao contar os sonhos, fazendo sempre uma pausa para o seu peculiar fungado alérgico, ele se dirigia a mim desta forma:

─ Levi!, eu quero que você pense demoradamente, e me dê a interpretação desse sonho. Você sempre tem acertado na mosca.

Eu sabia pelas minhas muitas leituras de psicanálise, que geralmente nos sonhos estavam embutidos nossos desejos inconscientes mais prementes. Ora, havia sempre nos seus relatos oníricos, um chefe a lhe ajudar ou a lhe atrapalhar o serviço. E eu me detendo nos conteúdos básicos do sonho, falava para ele:

─ Fique calmo João. Você nunca deixará de estar junto do poder, ─ que nesse sonho era representado pelo presidente (não me lembro se era Fernando Henrique ou Lula).

─ Esse homem tem o dom de interpretar! ─ dizia ele eufórico. Vou sair daqui satisfeito. Ô glória ─ completava ele prazerosamente.

Lembro-me de que só saíamos da mesa, para lá das onze horas da noite, quando a velha Bazinha, minha mãe, nos botava para fora de casa, com veemência, falando assim:

─ Isso já é demais! Acham pouco o que falaram até essa hora! Já é quase meia noite. Meu Deus, e João e Lena, que ainda têm que viajar para longe. Vão, vão embora em nome de Jesus.

E a gente corria para terminar os diálogos na calçada da casa. Era quando mamãe fechava todas portas e janelas, falando de cara feia: “Vou dormir, que hoje vocês me cansaram muito”.

Ontem, numa de minhas noites de insônia, eu refletia: O amigo João esteve sempre em sua vida, assessorando um chefe. Porém, sempre que acabava de desatar mil e hum “nós”, colocando tudo na devida ordem, o “dono do poder” lhe dispensava injustamente. Até hoje, foi sempre assim em sua trajetória religiosa. Interessante, que até na vida pública foi chamado para desvendar inúmeros e quase insolúveis problemas, e sempre que saneava as instituições de suas maracutaias, vinha logo a seguir a sua dispensa por parte de quem estava no poder.

Um dia, em um passado não recente, ele recebendo conselhos, se arvorou de empresário, montando uma sorveteria. Na visão de alguns, ele conseguira enfim o “poder” de ser o dono do seu próprio negócio. Não deu certo. Parecia que Deus estava a lhe dizer: “teu lugar é de assessor”. “Não te quero aqui com este tipo de “poder”.

Refletindo bem, agora, vejo tudo com outros olhos, parafraseando aquele que foi um dos maiores paradigmas do sofrimento humano, chamado “Jó”. João Camilo, você com sensibilidade, dignidade, práticas justas e a transparência que tanto lhe caracteriza, será sempre um assessor a serviço de um poder que não é dos homens e sim de Deus. Não importa se na sua peregrinação pelo mundo afora, colha incompreensões dos que detém o poder institucional, político e religioso. Nessa área você está bastante acostumado a lidar com àqueles, que na maioria das vezes, se deixam levar pela acomodação, e sem forças, param de lutar pela renovação do entendimento.

Caro Camilo. Admiro sua coragem e sua fé, nos firmes propósitos que resolveu assumir com tamanha garra e abnegação. A partir de agora você será um “errante”, como foram os patriarcas da Bíblia. Sou sincero: eu, particularmente, não tenho fé para tanto desprendimento. Foi um desapego mais ou menos idêntico ao seu, que fez o apóstolo Pedro deixar a sua empresa de pesca, em prol de uma causa nobre como a que você irá enfrentar.

Ante uma decisão, como foi esta que você tomou, a única coisa que posso fazer neste instante: é me recolher envergonhado, à pequenez deste mundo, subjugado pela mesquinha irracionalidade única do trabalhar para possuir, a qual, anestesia o individuo deixando-o sem aquele precioso tempo que tinha antes, para se dedicar às coisas do espírito.

Siga em frente, caro “assessor peregrino”. Você é quem está certo.



Crônica por: Levi B. Santos - Guarabira, 10 de maio de 2007

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