26 janeiro 2008

MEU MUNDO - MEU QUINTAL




Meu mundo de menino não tinha “shoppings”, “casa de jogos”, televisão, nem internet, mas tinha o que é quase impossível se ter hoje: a felicidade encantadora da criatividade. Tudo ali no meu antigo quintal exalava uma paz e satisfação indescritível. A “matéria prima” que se usava nas criativas brincadeiras, estava exposta ali naturalmente.

Tínhamos o barro para confecções de casas, pessoas e móveis. Tínhamos os canudos, ou talos das folhas dos mamoeiros para fazer a instalação hidráulica das utópicas cidades. Madeira para confecção dos carros e pontes, nunca faltava. O aço para nossa metalúrgica, vinha das latas de óleos vazias que encontrávamos na rua, e que junto com peças de ferro enferrujadas, sobras dos consertos dos caminhões de verdade, faziam a nossa alegria. Montávamos miniaturas de carrinhos de madeira que chegavam a chamar a atenção dos adultos. O dinheiro farto, vinha dos papéis com cores variadas das carteiras de cigarros vazias encontradas ao léu. Um trabalho bastante dificil e perigoso era o derretimento de pedaços de plásticos velhos em taças velhas de alumínio, destinados à confecção de botões. Ficávamos tontos de tanto inalar a fumaça de odor ativo do material sendo derretido. Algumas vezes chegávamos a vomitar, intoxicados pelo cheiro horrível daqueles fumegantes plásticos.

Ali no meu quintal, as horas passavam rapidamente, e o que mais fazíamos era: dar asas à imaginação. Um dia éramos engenheiros, outro dia éramos oleiros, outro éramos mecânicos, e assim passávamos o tempo num ambiente saudável, exercendo toda nossa capacidade criadora infantil. Tínhamos também as nossas olimpíadas, que constavam de saltos sobre varas, salto à distância, corridas de “peia quente”, andar sobre “quengas” de cocos, corridas com rodas de pneus e de aço guiadas com guidons de arames. Em cima de tábuas movidas manualmente a manivelas de arame, percorríamos as calçadas ao redor de casa. Jogos de peteca de palha de milho, que eram impulsionadas pelas palmas das mãos, atingindo grandes alturas, afora as tradicionais peladas de bola de meia, faziam parte do nosso divertimento às tardinhas.

Porque não dizer que nos sentíamos como verdadeiros deuses?

Não foi Deus, o primeiro a se sentir maravilhado ao exercer a sua capacidade criadora, manuseando o barro para criar a sua maior obra: “o homem?”. Assim éramos nós: criávamos as coisas, a partir do que a natureza nos oferecia lá naqueles velhos quintais. Depois, ao ver tudo aquilo criado e aperfeiçoado por obra de nossas mãos, experimentávamos uma atmosfera inebriante de contentamento.

Agora, já ultrapassada a barreira dos sessenta anos, fico entristecido ao ver as criancinhas de um modo passivo à frente das telinhas da televisão, sendo bombardeadas por programas infantis, que nada tem a ver com o meu mundo de outrora. Estes meninos ensimesmados em suas cadeiras de balanço, ficam a maior parte do tempo absorvendo conteúdos de um mundo midiático, cujo sustentáculo é baseado em futilidades importadas de uma cultura hegemônica de pretensões puramente hedonistas.

A criançada de hoje não mais produz, passou a ser simplesmente consumidora ávida da programação infantil das redes televisivas dominadoras. Os programas diários atuais, com sua apelativa linguagem estimuladora de desejos, roubaram dos meninos aquilo que tínhamos de mais sublime: o poder de através da imaginação CRIAR um mundo genuinamente nosso. As crianças desse mundo globalizado, coitadas, com apenas três anos de idade, mal começaram a aprender o português, já sabem de cor e salteado os personagens de desenhos infantis, como: “Barney”, Backyardigans, Bob Esponja, Hello Kit, Mickey, etc. Sentadas horas e horas assistindo essas “doçuras da modernidade”, elas vão perdendo aquilo que tínhamos de melhor no mundo dos nossos quintais: “a capacidade de criar”, o poder intuitivo de com as mãos dar forma ao que vinha ao nosso imaginário.

Para exercer a sua atividade criadora, as crianças de hoje não tem mais os quintais que tínhamos outrora. Nas grandes cidades elas vivem enjauladas em apartamentos que mais parecem gaiolas. Subsistem como vivem os passarinhos presos por muito tempo, e que quando soltos da prisão, mal levantam do chão, pois perderam a capacidade de voar.

Tudo já chega feito às mãos das crianças do mundo cibernético. Os enlatados oferecidos são em número tão variado, que elas perdem a capacidade de poder criar algo. Não há tempo para que a sua imaginação trabalhe, pois tudo aparentemente já foi imaginado e criado pela mídia de produtos infantis.

Em nossos quintais, possuíamos o bálsamo sagrado da divina profissão de “OLEIRO”. Todos, como o Grande Criador, trabalhávamos cada um a sua maneira com o precioso barro, ou a lama amarelada do tempo das chuvaradas de inverno. Usávamos a maneira do Grande Criador, os quatro elementos para deixar a nossa obra pronta: A Terra, a Água, o Ar (para secagem) e o Fogo para cozinhar o barro trabalhado.

Os quintais de hoje são todos cimentados; não há neles mais aquele sagrado barro. O que vemos em comum com os quintais de antigamente, são apenas frondosas fruteiras que ainda resistem ao tempo e, algumas galinhas a cacarejar pelo mato rasteiro que teima em nascer pelas rachaduras do terreno pavimentado.

Crônica por: Levi B. Santos

Guarabira, 26 de Janeiro de 2008

Nenhum comentário: