25 junho 2008

UMA LIÇÃO DE HUMANISMO



Foi assim o desfecho de nosso diálogo com o responsável pela Guarda da Operação Manzuá na saída de João Pessoa para Guarabira. Luza, minha esposa, que me acompanhava naquela noite abafada de verão, ouvia em silêncio os meus trêmulos argumentos, na ânsia de explicar que, a colocação da carteira vencida do veículo em minha capanga teria ocorrido por engano. Na ocasião frisei que tinha deixado o documento recente do automóvel em casa.

Já passava das 23 horas, e o Guarda continuava renitente em sua posição de não me deixar seguir viagem. Foi aí que minha esposa movida de uma espantosa sinceridade e espontaneidade dirigiu-se ao militar desta forma:

─ Seu Guarda! O Senhor nunca esqueceu alguma coisa importante em sua vida?

O Sargento, chefe da equipe de guardas, encarou de perto a minha esposa e respondeu sem titubear:

─ Nunca, minha senhora!. Sou responsável! Nunca aconteceu comigo esquecer algo em meus compromissos!.

Mal o guarda tinha terminado de falar, Luza respondeu de bate pronto, com toda a veemência, sem esboçar nenhuma ponta de medo:

─ Então o senhor não é HUMANO!!!

Em frações de segundos, deu para imaginar que, esta forte, verossímil e categórica afirmação “não humano”, poderia ter como conseqüência, uma reação desproporcional, caso o Guarda considerasse a espontânea resposta de minha esposa, uma falta de respeito a uma autoridade. Por outro lado também pensei: ele poderia aquiescer, ante o grande pardoxo da “condição humana”, que os filósofos desde os tempos mais remotos até hoje, se debruçam e dialogam no intuito de entendê-lo.

Para nossa sorte, o Guarda que permaneceu por alguns segundos em silêncio fitando-nos sério, de cima a baixo, afastou-se, deixando transparecer que entendera a escorregadela que dera, ao se colocar numa insustentável posição “inumana” de perfeição. O seu silêncio foi a resposta mais bela e significativa que já ouvimos por parte de uma autoridade, em meio a uma situação embaraçosa como aquela que estávamos passando. O que deve ter passado por sua cabeça, naquela silenciosa fração de tempo em que ele foi compelido a olhar para dentro de si? Suponho que a frase dita por Luza com tanta ênfase, possa ter suscitado nele, uma profunda reflexão sobre a falha que eu tinha cometido sem dolo, tendo como resultando imediato, a minha absolvição pelo tribunal de sua própria consciência. Graças!.

Segui viagem, não sem antes comentar a formidável e estratégica saída filosófico-religiosa de Luza. Lembro de que ela disse para mim: “Olhe! Isso foi coisa de Deus. Ouviu?.”

Durante boa parte do trajeto de volta para Guarabira, eu rememorei alguns tópicos de minhas leituras sobre Filosofia, Psicanálise e Religião. Lembrei-me de Adão e Eva, que ao transgredirem e serem expulsos do Jardim do Éden, inauguraram o "Humano". A partir daí, a imperfeição passou a ser um fator inerente ao ser humano. Buscamos incessantemente a perfeição, mas nessa caminhada colhemos mais atos de misericórdia, que de coroações por méritos. Na maioria das vezes em que apontamos um argueiro no olho do outro, esquecemos que temos uma trave nos nossos. Às vezes, no calor dos embates dizemos: esta vida é um inferno, sem, no entanto, atentarmos para a realidade do que estamos afirmando, pois, na nossa frágil ótica humana, o “inferno” a que aludimos, acreditamos que seja provocado pelos que nos rodeiam. Sartre teve razão de sobra ao cunhar essa emblemática frase: “O inferno são os outros”. Por outro lado, o poeta Fernando Pessoa, desvelando esse ser humano paradoxal, disse em seus escritos, que a nossa incoerência reside em estarmos de acordo com os outros, e em desacordo com nós mesmos.

Às vezes, a provocação sob a forma de um estímulo suscitante, dirigido à pessoa que num primeiro instante não nos compreende, desperta nela uma virtude escondida que, para nós, se reverte em beneficio ou "graça". No nosso caso, a resposta veio representada pelo nobre silêncio daquele que estava com o poder de aplicar a lei. O ato de misericórdia praticado pelo Guarda rodoviário não pôde ser expresso em palavras. A mudez de sua retirada para o posto onde antes se encontrava, demonstrou de forma inequívoca que há ocasiões em que o silêncio brada mais alto que qualquer linguagem falada. O veredicto daquela noite: “SE NUNCA ERRAS, NÃO ÉS HUMANO” deve ter reverberado lá nas profundezas daquele ser humano revestido da autoridade da Lei. Deve ter ido “lá na divisão da alma e do espírito”, como bem frisou o apóstolo Paulo em uma de suas cartas.

Antes de chegar ao término da viagem, a minha esposa fez uma interessante revelação:

─ Um dia, eu ainda vou encontrar com aquele Guarda. Eu tenho quase certeza de que ele é um “Crente”.



Crônica por: Levi B. Santos

05 junho 2008

O FLUZÃO - E O "SOBRENATURAL DE ALMEIDA"



O dramaturgo Nelson Rodrigues (de saudosa memória), fanático torcedor do FLU foi o inventor da história do “Sobrenatural de Almeida”. Esse memorável comentarista esportivo do Jornal “O Globo do Rio” agradava os torcedores tanto do Vasco, como do Botafogo, do Flamengo e do Fluminense, com suas crônicas carregadas de humor, principalmente após as partidas do seu venerado time.

Almeida, era o personagem sobrenatural que dava sempre uma mãozinha, ajudando o Flu em suas sofridas vitórias. E como o Nelson exaltava esse personagem!. É que o Fluminense, time do seu coração, sempre pregava sustos, principalmente nas grandes decisões. Ontem, não foi diferente, contra o temível “Boca”, na decisão da semifinal da Libertadores da América ( feito inédito). O Flu fez tudo que podia em matéria de passes errados e jogadas infantis, jogando lento e com os nervos à flor da pele.

Só quando estava perdendo por 1X0, foi que o “Sobrenatural de Almeida” resolveu aparecer no lotado e silencioso Maracanã. E, como décimo-segundo jogador cooperou em dois gols milagrosos que certamente entrarão para a história. Como sublinhava o velho Nelson Rodrigues em suas sensacionais crônicas, o gol da vitória ou da virada tinha um gosto diferente, pois, sempre surgia nos descontos e em grande parte de forma irregular, de mão, de impedimento. Às vezes a bola ia para fora e aparecia a mão do Almeida para desviá-la para dentro do gol.

Nessa noite, o Sobrenatural de Almeida deitou e rolou no segundo tempo da partida, quando em apenas vinte minutos, por três vezes, atraiu a pelota para o fundo das redes do indigitado goleiro Argentino.

Nelson, torcedor emblemático do Fluminense, lá de cima, deve ter assistido e torcido muito na noite histórica de ontem. Alguns torcedores seus admiradores, dizem que a alma do “Sobrenatural Almeida” mora no Maracanã.

Estejamos todos prontos, para no dia dois de Julho nos encantar com as proezas desse personagem invisível que, adora estar no Maracanã em dias de decisões históricas do Fluminense.

SALVE O TRICOLOR!!!

03 junho 2008

EVA - ENIGMÁTICA COMPANHEIRA




A historia do primeiro casal (Adão e Eva), carregada de metáforas, continua exercendo um fascínio especial sobre a humanidade, pelo que tem de emblemático a nos ensinar a respeito das naturezas masculina e feminina. Para os cristãos, os detalhes desse conto, estão no Gênesis – primeiro livro da "Bíblia". Os Judeus o lêem no seu sagrado livro: "Torah". Os Muçulmanos têm a sua versão, no "Alcorão". A narrativa da "Criação" nesses livros sagrados, é riquíssima em figuras de linguagem, daí a sua importância fundamental para o entendimento dos muitos fenômenos e eventos históricos remotos à luz da modernidade.

A primeira relação de alteridade, provavelmente escrita por Moisés, veio colocar ao lado do primeiro homem, uma mulher. Do barro, da água e de um sopro Divino surgiu primeiramente o homem. Do osso de uma de suas costelas, Deus moldou a mulher ─, desde então o homem não mais se sentiu só.

Uma curiosidade invade a minha mente:

─ Porque justamente Deus escolheu do homem essa parte tão dura, tão rígida, para fazer a sua mais bela obra de arte?

De imediato me vem esse pensamento: é que para se esculpir uma obra de arte, se faz necessário uma matéria dura, como pedra, madeira, gesso, osso, entre outras. Estaria aí, a saída racional para esta minha hipotética conclusão.

Terminada a sua mais bela obra, Deus falou para Adão: “eis aí tua adjutora, para que te corresponda”.

Entremos agora no mundo das metáforas, e nos detenhamos, por um pouco, na simbologia da matéria “osso” e sua significação na constituição de “EVA”. Como estudante de Medicina, nas minhas aulas de Anatomia, eu me lembro muito bem do que dizia o Dr. Asdrúbal (de saudosa memória), em suas extraordinárias aulas no Instituto de Medicina Legal em João Pessoa. Ele discorrendo sobre a importância do esqueleto, argumentava naquela ocasião que, o ser humano jamais poderia manter-se de pé, andar ou sentar, se não fosse a presença desse arcabouço ósseo de sustentação. E entre esses ósseos vitais em questão, estavam as vértebras que formam a coluna, e as costelas. Acho ter encontrado desse modo, através dessa simbologia, uma das principais características da mulher, entre outras. Como costelas articuladas à coluna, ela teria a função de ajudar o homem a se por de pé para caminhar. Tenho ouvido relatos de sonhos e visões no meio religioso, em que a mulher é vista como uma “coluna”. Estes fenômenos do inconsciente coletivo vêm corroborar o fundamento científico, que o meu grande mestre Asdrúbal tão detalhadamente ensinava. “Tu és a coluna da tua casa” ─, já ouvi mais de uma vez, este tipo de predição ou constatação, direcionada as esposas mais sensíveis ao mundo metafísico.

Há uma coisa que me intriga com relação ao tema “OSSO”:

─ Porque os poetas, romancistas e dramaturgos, em seus escritos, citam tanto esse adágio popular: “Mulher é osso duro de roer?”.

É sabido, cientificamente, que as primeiras costelas, aquelas próximas ao pescoço, têm em seu miolo, um pouco de tutano, e não há nada melhor para o paladar que “tutano” de osso cozido. Esse detalhe trouxe-me agora à lembrança, as galinhas caipiras que minha mãe tão bem prepara aos domingos e feriados. Assim como Eva sucumbiu ao seu maior desejo, lá no Éden, eu também não consigo resistir ao desejo de chupar os ossos das asas, das coxas dessa deliciosa ave. Sei que é um pecado para as minhas artérias e o meu coração, porém não resisto. Eva culpou a “serpente”. No meu caso eu culpo os Africanos, pois foram eles que trouxeram essas aves “estrangeiras” para o nosso país, através dos navios negreiros que aportavam em nossos portos no tempo da Escravidão.

Por falar em “galinhas estrangeiras”, não é que o homem mais sábio da Bíblia, o poeta Salomão, foi pervertido por amar profundamente as mulheres estrangeiras: as hetéias, as sidônias, as moabitas e as amonitas. De nada adiantou a sabedoria de Salomão, pois ele não resistiu aos tutanos das costelas (mulheres) estrangeiras abominadas por Deus. Do mesmo modo, de que vale a minha sabedoria na área de Medicina, se ando morrendo de amores pelas galinhas moabitas e amonitas, tão BONITAS que minha mãe me oferece todas as semanas, banhadas em graxas douradas reluzentes, com seus temperos aromáticos inigualáveis, melhores que os manjares de Israel no deserto. Salomão foi levado pelas suas princesas estranhas à idolatria, sendo essa, a causa da sua divergência com o próprio Deus. Será que as galinhas guisadas de minha mãe se tornaram meus ídolos? Sendo assim, tanto Salomão como eu, fomos vítimas de um desejo pecaminoso. Ele teve mais de mil mulheres, enquanto eu perdi as contas das galinhas capoeiras que comi. Acho que foram mais de 3.000. Eu no pecado da gula e ele no pecado da luxúria.

Porque razão, logo a pobre Eva, foi escolhida para cair no conto da serpente?

Será que tudo tem a ver com a queda natural que tem a mulher por tudo aquilo que considera bom e prazeroso, mesmo sendo ilícito ou proibitivo?

Tentemos, nós homens, encontrar o significado desse grande enigma feminino, sem ter que levar a questão para o lado da disputa pessoal entre os dois sexos.

Dizem os machistas que mulher não resiste a uma “vitrine”. Até falam que, foi por isso, que a “serpente” construiu em torno da Árvore proibitiva do jardim do Éden, uma sensacional vitrine com todos os apelativos possíveis para atraí-la. Nessa concepção, teriam sido lançadas ali as bases dos “Shoppings – Centers da atualidade”. Para reforçar este pensamento vejam o que disse recentemente em entrevista, Raquel Siqueira (Diretora do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais): “as características dos shoppings estão intrinsecamente ligadas ao Universo Feminino”.

Na imaginação masculina, lá no Gênesis, a serpente ornamentou e dourou o fruto da árvore, de um jeito irresistível, como se faz hoje em dia nas Lojas de consumo no final do ano, e lançou a mulher, a seguinte propaganda ou lábia:

Terás o que ninguém tem; enfim, se comerdes deste fruto serás como Deus ─ disse com melosa voz, a bela e ondulante serpente.

E Eva deve ter pensado: “Deus não”! É impossível. Mas “deusa” eu serei.

Um psicanalista disse certa vez: “a mulher venera o mistério, pois pensa que ao descobri-lo está adquirindo aquilo que lhe falta para ser completa”. Ao experimentar o fruto proibido, ela se tornaria deusa, sem defeitos e sem faltas ─, a deusa do nosso Jardim. Desde então, ela vem encantando e espantando o homem com a sua maneira de ser: enigmática, intrépida, flutuante, pura e selvagem.

As divergências entre o sexo masculino e o feminino foram bem exploradas por John Gray (filósofo Inglês), num recente e bem sucedido livro: "Homens são de Marte - Mulheres são de Vênus". Esse autor, se valeu das características desses dois planetas do nosso sistema solar, para esplicar as naturezas conflitantes do homem e da mulher. Vênus, realmente, tem muito a ver com o sexo feminino, pois é entre todos os planetas o mais quente (representando o emocional), ao passo que Marte, com temperaturas em torno de sessenta graus negativos, é o nosso planeta mais frio (signo da frieza racional masculina). Na mitologia Romana, Marte era o Deus da Guerra, símbolo da agressividade e violência, e Vênus era a Deusa do amor e da beleza.

Eu era ainda bem pequeno, quando ouvia meu pai com a sua voz grave e faceira, cantarolar uma bela valsa ─ “A Deusa da Minha Rua”. Algumas estrofes, eu ainda recordo. Diziam assim:

......................“A deusa da minha rua

........................Tem os olhos onde a lua

........................Costuma se embriagar.

........................Nos seus olhos eu suponho,

........................Que o sol num dourado sonho,

........................Vai claridade buscar.


........................Minha rua é sem graça,

........................Mas quando ela passa

........................Seu vulto que me seduz.

........................A ruazinha modesta

........................É uma paisagem de festa,

........................É uma cascata de luz”.

Enquanto meu pai cantarolava estas estrofes, eu infantilmente imaginava: “Quem seria a minha deusa, entre as diversas meninas que eu conhecia naquela pequena e humilde rua onde morava?.

Adão deve ter tido lá as suas razões, ao resolver apreciar junto com sua amada, o fruto proibido que ele tanto relutara em provar. Poderia ter ficado sozinho no Jardim das Delícias, se tivesse recusado o fruto oferecido pela esposa, o que significaria ter que deixar Eva, a sua própria sorte. Mas o amor, àquela altura, já os tinha enlaçado tanto na bonança como na borrasca.

Que as mulheres, esses seres incompreensíveis e incompreendidos, não se entristeçam com tantas divagações de minha parte, pois, foi com Cristo que, finalmente, os seus atributos considerados por muitos como negativos, foram resgatados em toda a sua plenitude e singularidade. Vejam o exemplo de Maria Madalena, que na sua sincera espontaneidade, chocou os padrões culturais daquela época, ao protagonizar a cena mais meiga de amor de uma mulher para com o seu mestre. Talvez, seja por isso, que no Novo Testamento, a Igreja seja simbolizada por uma figura feminina (a Noiva de Cristo).

Agora, na modernidade, as mulheres com seus desejos fortes e como grandes questionadoras da racionalidade masculina, vêm realmente transformando o mundo numa “paisagem de festa, e numa cascata de luz” ─, como bem diz a letra dessa valsa tão bela e singela, que eu adorava ouvir na voz tonitruante do cantor Nelson Gonçalves.




Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 03 de Junho de 2008