13 junho 2010

BABEL ─ Ou o Início da Civilização


Homens vindos do Oriente encontraram-se numa planície para o projeto de edificação de uma torre que alcançasse os céus. Tratar-se-ia de uma metáfora da condição humana o motivo de construírem com tijolos e não com pedras, representando a precariedade dos meios, e a própria transitoriedade da vida humana?

Eles jamais imaginariam que a construção lenta, se arrastando por centenas de anos tinha maior significado que o próprio edifício.

Para esse grandioso empreendimento foi necessário inventar as matemáticas, a engenharia de solo, criar uma Universidade que formasse especialistas em fundações e outras ciências de apoio como, Direito, Administração, Sociologia e Psicologia, pois era imensa a quantidade de funcionários e familiares envolvidos no projeto.

A certa altura, ocorreu-lhes uma idéia tremendamente assustadora. Imaginaram que houvessem sido criados por um ser supremo. De repente, passou por suas cabeças o pensamento de que construir uma torre até os céus seria o desejo de regressar ao seio do Criador, ou de imitá-Lo. Pararam a construção quando um Teólogo apareceu anunciando-lhes que o Criador tinha o dom de transformar cada palavra em coisa, e isto os aturdiu.

Após uma Assembleia Geral, chegaram à conclusão de que eram escravos das palavras, e que para fugir desse imbróglio precisavam de inúmeras línguas. “Assim sendo, nossa torre será múltipla, equívoca e sempre diversa de si mesma; a palavra permanece, mas seu sentido sofrerá metamorfoses” ─ disseram eles.

Criaram idiomas, tradutores, dicionários, especialistas em literatura. Com o tempo diversos acampamentos periféricos foram crescendo e se transformando em cidades em torno dos alicerces da torre, que depois cresceram e se transformaram em Nações distintas, cada uma com sua língua e seu deus particular. Surgiram leis e relações internacionais para evitar as guerras idealistas entre as nações.

Muitas lendas, profecias e interpretações ardilosas foram se acumulando com o passar dos séculos. Um profeta defendia que o projeto da torre havia se cumprido, apesar de tudo até ali não passar de um monte de livros escritos. “Por força da multiplicação das línguas, os livros empilhados dariam para chegar aos céus” ─ argumentavam alguns.

Outra profecia mais incisiva garantia que a construção de Babel nunca seria concluída, porque isso implicaria no futuro uma destruição da suposta torre por golpes desferidos por um punho gigantesco.

Três mil anos se passaram desde o início desse monstruoso e imaginário projeto lá no Oriente, mas há quem diga, reinterpretando antropologicamente o mito, que a torre já existe, sendo tão somente a própria cultura humana, tendo a civilização como subproduto de uma obra gigantesca que foi esquecida ou que continua a se realizar de forma inaparente.

A torre de Babel, por conseguinte, talvez esteja por todas as partes de nosso indeciso mundo. Construí-la é tão absurdo quanto desistir da idéia.
A palavra inscrita no coração dos homens converteu-se em várias línguas, e se inscreveu no corpo de cada um como sua Sagrada Escritura.

Enquanto não se descobrir o sistema último de tradução de todos os livros reunidos numa torre denominada “Escritura Definitiva”, vamos recheando de palavras o nosso vazio, produzindo continuamente uma destradução do projeto antigo que nos foi legado, sabendo, de antemão, que o final será como uma fábula cuja moral ficou em aberto.



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de junho de 2009

06 junho 2010

DA IMPOSSIBILIDADE DE SER UM QUANDO SE É DOIS




Jacques Lacan, psicanalista francês falecido em setembro de 1981, foi quem realizou a releitura de Freud para o nosso tempo, e ensinou que o amor é o desejo impossível de ser um quando há dois. Noutras palavras, é o desejo impossível da completude.

Ouvimos frequentemente em nossa vida de relação: Fulano(a) não me completa”, como se a completude existisse. Trata-se de um mito originário da Grécia que se perpetua no nosso imaginário. Segundo esse mito, nos primórdios, a forma humana era uma esfera com quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças e dois sexos. Os seres humanos se deslocavam para frente e para trás e, ao correr, giravam sobre os oito membros. Seu orgulho e sua força eram tamanhos que, para enfraquecê-los, Zeus os cortou pela metade. Para os gregos, o corte deu origem ao amor, que junta as metades, e de dois seres faz um.

Num dos seus seminários, Lacan retomou esse mito para ensinar que, na verdade, o amor é o “desejo impossível de ser um quando há dois”. Em outras palavras, é o desejo impossível da completude, já que o desejo de um sujeito nunca coincide inteiramente com o do outro. A coincidência que o amante pode celebrar é a da crença na liberdade do amado. Uma crença que se expressa assim: “Faça o que você deseja porque o seu desejo é o meu; com essa compreensão a relação se renova continuamente, e se perpetua, tornando-se possível”.

A paixão cega, mas o sentimento amoroso ilumina. O amante não precisa perguntar ao amado o que este quer, pois quem ama sabe a resposta.
Mas se amar significasse essa perspectiva de buscar a fusão de dois em um, curar um meio ser humano transformando-o em um ser completo, essa reunificação, funcionaria como se cada ser humano estivesse na expectativa de uma segunda chance de invadir o Olimpo.

O amor, considerado como desejo de fusão com a alteridade, encontra em Hegel seu maior defensor. A noção de amor tem um papel central na sua filosofia, especialmente nos textos da juventude. Para Hegel, o amor é o impulso inerente do ser vivente em direção à unificação com o outro. Os amantes formam um todo, em que cada um é igual no poder: “Somente no amor somos um com o objeto, sem que ele domine, ou seja, dominado” ─ diz ele em uma anotação do verão de 1797. O amor, do jeito que Hegel compreende, é uma unidade equilibrada de opostos e presta um serviço inestimável na história: estabelecer comunhão, comunidade e comunicação entre os seres humanos.

Muitas pessoas nutrem um terrível vazio existencial porque querem existir mudando os outros, querem se realizar no outro, acham que têm todas as respostas para ele, querem “anular a diferença” alheia para se sentirem bem. Por isso é tão comum encontrarmos deficiência no próximo. Sempre achamos que se ele mudasse nisso ou naquilo tudo seria melhor e ele, inclusive, seria mais feliz, esse é o velho hábito da intromissão perniciosa nas desconhecidas terras do mundo da diversidade, que queremos moldar a gosto pessoal, talhando a igualdade como forma de encontrar a fictícia solução para tudo que nos importuna ou contraria os interesses. Muitos conflitos nascem exatamente nesse ato de apropriação indevida da conduta e da forma de ser do próximo. Não sabendo considerar-lhe a singularidade, tentamos combater a diferença ou, o que é pior, adotamos a indiferença...



Por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de junho de 2010


02 junho 2010

OS DEUSES DA BOLA UNEM-SE NA ÁFRICA


A origem do mês de JUNHO vem de Juno ─ a Rainha das Deusas e mulher do deus Júpiter. Ela estará reinando nos gramados da África do Sul por trinta dias, sob a forma de uma BOLA ─ encantadora em suas cores e perfeita em suas curvas.

Nessa época, mais do que nunca, sentimos o desejo incontrolável de libertar a criança e a bola que existem em cada um de nós.

Portanto, aqui fica o meu conselho: comprem muitas bolas verdes e amarelas e as espalhem pelo pátio na hora do recreio da escola de seus filhos e, se possível, aumentem o tempo do intervalo do prazer recreativo, que transgride a ordem, pois é tempo de COPA. Escola rima com bola. E se os mestres ranzinzas continuarem com medo das boladas, encharquem-nos com os versos redondos do saudoso poeta esportivo Armando Nogueira. Prosas, versos e crônicas nunca rimaram com bolas em armários. Tirem-nas das prisões e soltem aos montões, pois é tempo de COPA.

É tempo de eleger a bola como centro de toda teoria pedagógica, como fez Froebel (1897) fascinado pelo poder mágico e perfeito de sua forma, que em movimentos divinos, atrai corpos musculosos em movimentos indescritivelmente belos. Nada mais divinamente terreno, que acompanhar o rolar, o vôo, o pulo rítmico e sinfônico dessa poderosa esfera arquetípica que está enraizada no mais profundo do nosso ser, e se liberta à cada quatro anos para reinar com os deuses de cada país do futebol.

Não se esqueçam que os jogos de bola eram praticados na França, em festividades da Igreja, desde o século V, e, na Inglaterra, após o século XII, no período carnavalesco, em batizados e casamentos. Jogar é um exercício de puro amor, porque jogar é sempre jogar com alguém. Entre as muitas modalidades de jogo de bola, o futebol é o mais apreciado pelos deuses, pelo seu sentido mítico-religioso que corresponde à necessidade coletiva da recreação. O futebol como a sinfonia impar do reino encantado da bola, transmite esse dinamismo celestial que une raças e povos, os mais diversos, num tapete impecavelmente fofo e verde ─ cor da esperança que amima os corações dos moços, velhos e crianças.

A pelota na Idade Média estava relacionada com o jogo rude da péla (jeu de paume) praticado na França, com duas variantes: péla comprida e curta; a comprida, de origem rural, com raízes no culto solar, era jogada ao ar livre. A bola era golpeada à mão nua, depois com raquete. A péla curta jogava-se em espaços cobertos.

Na mitologia antiga a bola aparecia como símbolo do poder dos deuses e controle sobre o homem, e nos contos como meio de aproximar amantes. Já nos tempos modernos, a forma de mover (subida e queda da bola) são símbolos da existência humana.

O espírito desse divino esporte já reinava desde os antigos gregos e em muitas culturas tribais. Contemplar os deuses brincando de bola constrói a visão de que o brincar faz parte da vida divina, assim como, os embates em que se envolvem. O espírito do brincar e brigar com a bola além de encher os olhos enfatiza, também, as dualidades de afetos ou sentimentos que permeiam nossa alma, como o conflito e a paz, a ordem e a desordem, a racionalidade e a irracionalidade, a espontaneidade e o controle.

Ah, os deuses! Só eles poderiam aperfeiçoar e tornar o futebol a arte que mais encanta entre as demais artes. Foram eles que trouxeram a arte divinal do futebol que hoje une os povos, promove a auto-estima, a inclusão social, e ainda mais, o seu campo de jogo também é o do combate ao racismo. É no retângulo verde de um estádio multicor, que a cada quatro anos, brancos, negros, índios, e diferentes povos de várias tonalidades religiosas se juntam para uma disputa que é mais uma festa da multiculturalidade em torno de uma deusa, denominada BOLA.

Seja bem-vinda a deusa da PELOTA aos gramados verdes da África do Sul, para nos proporcionar um retorno ao “reino encantado da criança e da bola”, de que um dia fomos protagonistas.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 02 de junho de 2010