06 junho 2010

DA IMPOSSIBILIDADE DE SER UM QUANDO SE É DOIS




Jacques Lacan, psicanalista francês falecido em setembro de 1981, foi quem realizou a releitura de Freud para o nosso tempo, e ensinou que o amor é o desejo impossível de ser um quando há dois. Noutras palavras, é o desejo impossível da completude.

Ouvimos frequentemente em nossa vida de relação: Fulano(a) não me completa”, como se a completude existisse. Trata-se de um mito originário da Grécia que se perpetua no nosso imaginário. Segundo esse mito, nos primórdios, a forma humana era uma esfera com quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças e dois sexos. Os seres humanos se deslocavam para frente e para trás e, ao correr, giravam sobre os oito membros. Seu orgulho e sua força eram tamanhos que, para enfraquecê-los, Zeus os cortou pela metade. Para os gregos, o corte deu origem ao amor, que junta as metades, e de dois seres faz um.

Num dos seus seminários, Lacan retomou esse mito para ensinar que, na verdade, o amor é o “desejo impossível de ser um quando há dois”. Em outras palavras, é o desejo impossível da completude, já que o desejo de um sujeito nunca coincide inteiramente com o do outro. A coincidência que o amante pode celebrar é a da crença na liberdade do amado. Uma crença que se expressa assim: “Faça o que você deseja porque o seu desejo é o meu; com essa compreensão a relação se renova continuamente, e se perpetua, tornando-se possível”.

A paixão cega, mas o sentimento amoroso ilumina. O amante não precisa perguntar ao amado o que este quer, pois quem ama sabe a resposta.
Mas se amar significasse essa perspectiva de buscar a fusão de dois em um, curar um meio ser humano transformando-o em um ser completo, essa reunificação, funcionaria como se cada ser humano estivesse na expectativa de uma segunda chance de invadir o Olimpo.

O amor, considerado como desejo de fusão com a alteridade, encontra em Hegel seu maior defensor. A noção de amor tem um papel central na sua filosofia, especialmente nos textos da juventude. Para Hegel, o amor é o impulso inerente do ser vivente em direção à unificação com o outro. Os amantes formam um todo, em que cada um é igual no poder: “Somente no amor somos um com o objeto, sem que ele domine, ou seja, dominado” ─ diz ele em uma anotação do verão de 1797. O amor, do jeito que Hegel compreende, é uma unidade equilibrada de opostos e presta um serviço inestimável na história: estabelecer comunhão, comunidade e comunicação entre os seres humanos.

Muitas pessoas nutrem um terrível vazio existencial porque querem existir mudando os outros, querem se realizar no outro, acham que têm todas as respostas para ele, querem “anular a diferença” alheia para se sentirem bem. Por isso é tão comum encontrarmos deficiência no próximo. Sempre achamos que se ele mudasse nisso ou naquilo tudo seria melhor e ele, inclusive, seria mais feliz, esse é o velho hábito da intromissão perniciosa nas desconhecidas terras do mundo da diversidade, que queremos moldar a gosto pessoal, talhando a igualdade como forma de encontrar a fictícia solução para tudo que nos importuna ou contraria os interesses. Muitos conflitos nascem exatamente nesse ato de apropriação indevida da conduta e da forma de ser do próximo. Não sabendo considerar-lhe a singularidade, tentamos combater a diferença ou, o que é pior, adotamos a indiferença...



Por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de junho de 2010


10 comentários:

Anônimo disse...

Grande Levi,

Esta questão de completude torna-nos um tanto esquizofrênicos e problemáticos.

O interessante é que a idade deveria nos fazer perceber tudo que fostes iluminado a escrever neste maravilhoso texto.

Porém, creio que a idade sem conhecimento é a pior coisa que existe.

A completude somente existe quando da compreensão do quanto incompleto nos tornaremos na relação com o próximo, havendo respeito por tais diferenças.

Um grande abraço,

Evaldo Wolkers.

Anônimo disse...

"Muitas pessoas nutrem um terrível vazio existencial porque querem existir mudando os outros, querem se realizar no outro, acham que têm todas as respostas para ele, querem 'anular a diferença' alheia para se sentirem bem".

É pena que nem todos os desengaiolados tenham entendido isso...

Belo e oportuno texto.

Marcio Alves disse...

Mestre Levi

Realmente a grande problemática relacionamental em um casamento ou amizade, é que nutrimos certa expectativa idealista para com o outro, constituindo em sua maioria uma perfeição imaginaria inatingível imposta como carga sobre o outro, sendo a comparativa realista e idearia gerador de frustração, pois tem sua gênese na imperfeição do objeto desejado.

O grande segredo é aceitar o outro como é, e não projetar sobre o mesmo a nossa idealização de como deveria ser.

Abraços

Levi B. Santos disse...

Tens razão meu caro Evaldo

Esse negócio de "completude" é coisa de esquizofrênico mesmo. (rsrs)


Abçs,
Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

"...perfeição imaginaria inatingível imposta como carga sobre o outro."

Realmente Marcio, essa "completude imaginária" está muito mais para escravidão do que para libertação. (rsrs)

Abçs (incompletos)

Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

Ops Isaias!

Por que estendeste o tema sobre as nuances do amor entre dois seres para a sala dos desengaiolados?

Foi um "Insight" do meu inconsciente, meu caro Watson?
(rsrs)

Abçs, grande detetive (rsrs)

Levi B. Santos

Anônimo disse...

Mistério, Levi... mistério..."

Eduardo Medeiros disse...

De fato, Levi, a tal completude não pode ser alcançada de forma perfeita pois isso anularia a individualidade.

E como bem você demonstrou no pensamento de Hegel, "o amor é o impulso inerente do ser vivente em direção à unificação com o outro"

Verdadeiramente podemos ser um com o outro, pelo amor e pela constatação de que ser um na diversidade é a completude que nos é possível e desejável.

Mas cá prá nós, Levi, o mito grego é bem bonitinho...

Esses insights...

Paulo S S C Castro disse...

Olá, meu nome é Paulo, eu sou e escrevo da cidade de Campinas, Estado de São Paulo, Brasil. Gostaria de parabeniza-los pelo trabalho com o blog
Gostaria também de divulgar o meu blog, http://www.cinemacristao.blogspot.com

Lá existe uma noticia sobre o filme promovido pelos Atletas de Cristo para a Copa de 2010!

Fique na Paz!

Anônimo disse...

Amigo LEVI,

Para mim a completude surge, quando eliminamos a INDIFERENÇA....

Olharmos com indiferença, e não aceitarmos os outros como eles são.. como eles pensam... é uma maneira de mostrar o nosso egoísmo/egocentrismo....egoísmo/egocentrismo, em querermos que o outro pense como nós, a aja como nós...

Mas a completude vêm quando ambos se aceitam, e mesmo sendo "diferentes", conseguem se completar, completar pelo respeito ...pelo amor....

Se fôssemos para sermos todos iguais, Deus teria criado apenas Um homem e Uma mulher!..e não Vários homens e Várias mulheres..todos de forma distinta...rs..

Abraços querido.