25 julho 2010

INSTANTES


......A Vida é feita de encantos,

......Da beleza inefável das cores,

......De desencontros e espantos,

......De fel, de lágrimas e licores,

......De vestes, trapos e mantos,

......De adornos, suor e dores,

......Do riso e também do pranto.



......Na estrada árdua e comprida,

......Me puseram como figurante

......Nesse grande teatro da vida.

......Assumi meu papel, confiante,

......Carregando uma alma dividida.

......Vi o perto, no entanto distante

......Da chegada no cais da partida.



......Cegou meus olhos a claridade

......Do dia pleno, cuja luz é crua.

......A noite trouxe a obscuridade

......Pra revelar a minha alma nua.

......E num instante de felicidade,

......Em nostalgia eu vi a minha rua,

......Ouvi ecos de uma tenra idade.



......Vida de instantes vagos e fluídos,

......De efêmeros gozos adocicados,

......De um branco-preto esmaecido,

......Pelo tempo em tons amarelados.

......Para que não sejam esquecidos,

......Ficaram em flashes registrados

......Como bordados em cetim tecidos.



......Por Levi B. Santos

........Guarabira, 25 de julho de 2010

20 julho 2010

HOMEM RACIONAL

Desde que a razão se abrigou em seu peito, ele tem procurado incessantemente esmiuçar o terreno movediço dos sentimentos. A sua casa atual já não é aquela de sua infância, de que ele relembra com saudades; não é a mesma casa onde alimentou os seus sentimentos edipianos. Depois que foi picado pela mosca azul da “sabedoria”, os seus sonhos deixaram de ter aquela eloqüência pueril do tempo em que os “objetos” que povoavam o seu quarto emoldurado de menino, exibiam uma arquitetura sentimental indefinível.


Mas esse homem racional persegue, incansavelmente, com unhas e dentes o ideal abstrato de sua cultura. E o corolário negativo desse ideal é rechaçado como um lixo a ser jogado fora. Entretanto, o resíduo dos sentimentos primitivos “amputados” não lhe deixa em paz, porque a influência dos mitos internalizados no mais profundo do seu ser desconhece a física, a matemática e outras ciências exatas.


A verdade desse homem desconhece que a realidade moderna é uma representação, e por mais que ele tenha a intenção de torná-la “neutra” ou imparcial, não consegue, devido a carga afetiva que o rodeia. Um novo sentido do “real” foi adotado por esse homem racional, que o distancia, consideravelmente de qualquer outro sentido vigente do passado. A verdade científica o deixou frio, e alheio às forças do passado que ainda o rege. A procura de um outro “deus” mais concreto, é sua meta, e isto, o faz viver a ilusão de um dia poder conciliar a imagem divina e paterna do inconsciente judaico-cristão, com os deuses imaginários de outras instâncias religiosas.


Esse homem racional se inquieta com o tal deus paradoxal nomeado à semelhança humana, que se aninha no coração, amoldando-se a forma imaginária, individualizada e sentimental de cada ser. Esse deus com sua verdade abstrata carregada de ambigüidades não o apetece nem mais o entusiasma.


Esse homem é alguém do século XXI, um sonhador apaixonado pela técnica e pela ciência, tentando reorganizar o mundo inteiro para apaziguar os afetos opostos que habitam a sua própria alma. Ele verbaliza em palavras as suas ideias básicas sobre humanismo e liberdade, e assim, vai tirando da somação interminável e asfixiante dos fatos cotidianos a seiva que alimenta o seu projeto de depuração do mundo metafísico civilizacional.


Esse homem é o meu duplo. Está dentro de mim é o meu “eu” racional.



Por Levi B. Santos

Guarabira, 20 de julho de 2010

14 julho 2010

UM LIVRO EM ABERTO

A Escritura Sagrada em sua leitura dinâmica não obedece à temporalidade linear, pois em cada época e em cada geração, o leitor é convidado a reinterpretar subjetivamente àquilo que lhe foi transmitido.

A memória da saga judaica não pode ser estabelecida como algo fixo ou morto. O processo histórico entre o povo de Israel e seu Deus, hoje, retorna para nós em forma de ecos ou sons repetidos e percorre um caminho que nunca foi trilhado antes.


É impossível se apoderar do texto sagrado para sempre, pois ele é a tradução fiel da capacidade subversiva da linguagem criativa, linguagem esta que está sempre se renovando em seus sentidos, no mundo visível-invisível de nossas experiências. A sua singularidade, às vezes contraditória, revela simplesmente o nosso lado humano paradoxal.


A Escritura funciona como um sonho de um sonhador analisado, cuja interpretação, no início da análise, é uma, e no final ganha um nova re-significação. Por isso mesmo, as suas narrativas são infinitas através dos tempos, em outros termos, não existe texto sagrado fechado. Ela, no seu processo de transmissão, entrelaça presente, passado e futuro. A leitura de Deuteronômio (29: 14 e 15) explicita que os textos sagrados formam um livro aberto, e não fechado como muitos entendem: “ E faço esta aliança com o seu juramento, não somente convosco. Que hoje estais aqui conosco perante o Senhor nosso Deus, mas também com aqueles que não estão aqui conosco”.


O que a tradição judaica tem a nos ensinar, é que ela não é herança preservada pela fixidez de uma transmissão mecânica. A abertura da escrita sagrada nos dá o direito de reinterpretar a sua memória através de uma aventura infinita, em que os traços a ser reescritos traduzem a percepção histórica de cada geração.


O ritmo, o timbre, o som da melodia sagrada e os seus movimentos são reinaugurados por nós, que vivemos numa eterna passagem, numa eterna páscoa.


Em cada releitura, renovamos signos, tornando novas a cada manhã, as palavras das Escrituras Sagradas de um povo rico em afetos transcendentais forjados em sua estrangeiridade. Freud o “Judeu sem Deus”, foi buscar na psicanálise esse “conhecido-desconhecido”, esse “estrangeiro de si mesmo” que habita em cada um de nós em sua verdade transitória; foi buscar na desconstrução das representações míticas do povo hebreu, os fundamentos da alteridade, a partir do país do “outro”.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 14 de julho de 2010

06 julho 2010

OBSESSÃO E FUGA





.....................Apagar meus vestígios e limpar minhas manchas.
..............................Para quê? ─ Se o desejo retorna!
.....................Na masmorra do castelo, a obsessão acorrentada,
.....................Como uma criança perversa, ruge vigorosamente:
..........,....................O que sou? ─ Sujeito ou objeto?


...................Evito o confronto. Pasteurizo-me para viver neutro,
.............................Normatizando-me para ser notado.
...................Ancoro-me na minha totalidade indivisa e aparente.
...................Buscando adaptar-me, enterro a minha singularidade
.............................Na ilusão de que serei compreendido.


...................Liquido minhas certezas na unidade ilusória do “não ser”
.................................Defensivamente cadaverizo-me.
...................Caminho a esmo, como autômato numa lenta travessia,
...................Exibindo orgulhoso as astúcias de uma razão organizada,
................................Para manter das ideias, a solidez.


...................Retraio-me diante das sombras cavernosas das normas
...................................Numa fragilidade angustiante.
....................Para impedir que se espalhe, o que se deve guardar,
.,...................Deixo-me levar no mar das hábeis argumentaçõeses,
.................................Numa dança muda de palavras vãs.



...................Por Levi B.Santos

...................Guarabira, 06 de julho de 2010