20 julho 2010

HOMEM RACIONAL

Desde que a razão se abrigou em seu peito, ele tem procurado incessantemente esmiuçar o terreno movediço dos sentimentos. A sua casa atual já não é aquela de sua infância, de que ele relembra com saudades; não é a mesma casa onde alimentou os seus sentimentos edipianos. Depois que foi picado pela mosca azul da “sabedoria”, os seus sonhos deixaram de ter aquela eloqüência pueril do tempo em que os “objetos” que povoavam o seu quarto emoldurado de menino, exibiam uma arquitetura sentimental indefinível.


Mas esse homem racional persegue, incansavelmente, com unhas e dentes o ideal abstrato de sua cultura. E o corolário negativo desse ideal é rechaçado como um lixo a ser jogado fora. Entretanto, o resíduo dos sentimentos primitivos “amputados” não lhe deixa em paz, porque a influência dos mitos internalizados no mais profundo do seu ser desconhece a física, a matemática e outras ciências exatas.


A verdade desse homem desconhece que a realidade moderna é uma representação, e por mais que ele tenha a intenção de torná-la “neutra” ou imparcial, não consegue, devido a carga afetiva que o rodeia. Um novo sentido do “real” foi adotado por esse homem racional, que o distancia, consideravelmente de qualquer outro sentido vigente do passado. A verdade científica o deixou frio, e alheio às forças do passado que ainda o rege. A procura de um outro “deus” mais concreto, é sua meta, e isto, o faz viver a ilusão de um dia poder conciliar a imagem divina e paterna do inconsciente judaico-cristão, com os deuses imaginários de outras instâncias religiosas.


Esse homem racional se inquieta com o tal deus paradoxal nomeado à semelhança humana, que se aninha no coração, amoldando-se a forma imaginária, individualizada e sentimental de cada ser. Esse deus com sua verdade abstrata carregada de ambigüidades não o apetece nem mais o entusiasma.


Esse homem é alguém do século XXI, um sonhador apaixonado pela técnica e pela ciência, tentando reorganizar o mundo inteiro para apaziguar os afetos opostos que habitam a sua própria alma. Ele verbaliza em palavras as suas ideias básicas sobre humanismo e liberdade, e assim, vai tirando da somação interminável e asfixiante dos fatos cotidianos a seiva que alimenta o seu projeto de depuração do mundo metafísico civilizacional.


Esse homem é o meu duplo. Está dentro de mim é o meu “eu” racional.



Por Levi B. Santos

Guarabira, 20 de julho de 2010

21 comentários:

Marcio Alves disse...

LEVI

Nosso grande desafio é nos equilibrar entre a razão e o sentimento, sem deixar que um sobrepuje o outro....é pensar com sentimento e sentir com a razão.....qualquer dos dois extremos anulando o outro é prejudicial.....precisamos ora ser filósofos da existência, mas também ora poetas da imaginação.

Abraços

Eduardo Medeiros disse...

Descartes, na trilha do triunfo do materialismo, resolveu produzir a dicotomia fé e ciência. Deixou a razão e a racionalidade com a ciência e delegou tudo que era assunto do espírito, da alma, dos sentimentos à religião. Com isso, estabeleceu uma profunda cissão entre o racioanal e o sentimental, como se não fóssemos feitos tanto de um quanto do outro, o que de fato, nos torna tão singulares na natureza. O homem moderno continua pensando assim e quem mais sofre com isso é a dimensão espiritual humana que tem sido mais e mais atacada pelas cabeças racionais dos novos gurus do materialismo cientificista. Até quando não entenderão que anular qualquer um dos pólos é impossível, visto que não somos uma coisa ou o outra e sim, somos uma coisa e outra? Falta-nos a síntese.

Marcio Alves disse...

DUZINHO

Seu comentário esta quase perfeito...eu tiraria as atribuições espirituais que você deu aos sentimentos e emoções, e colocaria em seu lugar o natural dos sentidos e instidos do ser humano.

Marcio Alves disse...

Voltei de novo. rsrsrrs

DUZINHO

Me lembrei que algum tempo atrás você era monista, o que aconteceu com você para mudar de pensamento???
Será que você foi arrebatado por deus em espirito e levado a contemplar o limbo do mundo dos espiritos????

Anônimo disse...

Levi,

Nada a declarar,
apenas peço sua autorização
para em meu blog postar,
primordial ensaio que como sempre,
vem de encontro aos diálogos e
assuntos decorrentes,
dos desejos de sermos conscientes.

Abraços,

Evaldo Wolkers.

Levi B. Santos disse...

Prezado Márcio


É no campo da razão que o homem aparentemente se realiza. É onde ele encontra, não de maneira completa, respostas às suas perguntas, e isto, o satisfaz por algum tempo.

Mas esse homem racional não é totalmente determinado e senhor de si, justamente porque ele não pode controlar o seu inconsciente. Não reconhecendo em si, as forças obscuras que habitam o inconsciente, esse homem pode até orgulhar-se de não está sujeito a uma autoridade externa, pode até orgulhar-se de ser livre em seus pensamentos e sentimentos. Contudo, o que ele não pode negar, é que seu trabalho racional e científico não o esteriliza nem o desliga dos fatores subjetivos que emanam do porão lúgubre do inconsciente.
Os impulsos vindos dessa área enigmática da psique, não obedecem ao modelo de pensamento mecanicista-materialista.

Levi B. Santos disse...

Caro Edu


Realmente, essa vontade do homem em separar o racional do irracional vem de longas eras.

O entendimento popular da interpretação do mito que separa os bons dos maus, Deus do Diabo, deve ter incutido no imaginário dos povos, que o virtuoso e o santo é aquele que se exorciza. Ao se exorcizar, o indivíduo, simplesmente projeta o que considera mal no outro, confirmando o que Sartre falou: “O inferno são os outros” – essa racionalização está na gênese de toda intolerância religiosa.

Uma re-significação dos mitos se faz necessária. No mito do Gênese, por exemplo, a serpente (sagacidade) simboliza a criatividade psíquica profunda. Essa função nunca deve ser projetada no outro, e sim, deve ser integrada e fixada como uma parte estruturante dos nossos arquétipos.

A nossa ambivalência é psiquicamente sadia, e não produtora de neuroses, quando a compreendemos como um “todo de dois pólos” que não podem ser separados. Como um MONISMO de dois pólos (pode ser assim, Edu?).

Eduardo Medeiros disse...

marcito, continuo monista. As dualidades do nosso ser eu as entendo como provenientes de uma mema fonte. Como disse o Levi, um "monismo de dois polos, como uma moeda que é uma coisa só mas possue verso e anti-verso.

Levi B. Santos disse...

Caro Evaldo


Pode ficar a vontade para postar.

Você disse: nada a declarar?

- Não creio que não tenha algo a contrapor... (rsrs)


Abçs,

Levi B.Santos

Marcio Alves disse...

LEVI

O ser humano para ser feliz não poderá ser um ou outro, mas antes uma síntese perfeita que se completam entre sentimento e razão.
Ora se satisfazendo com sua racionalidade, ora precisando recorrer, nem que seja a buscar no poço fundo do seu inconsciente por uma dose de emoção.

Ninguém é totalmente racional ou sentimental, embora talvez em determinados sujeitos que em determinados momentos, que em determinadas circunstancias, serão ou terão predominando nele mais propensão a um ou a outro, mas a exclusão mesmo que buscada e por assim evitando a outra face, não poderá jamais ser anulada, mesmo que por um tempo seja ignorada e enganada.

Marcio Alves disse...

DUZINHO

Então assim sendo, o espiritual seria nada mais nada menos do que pura invenção do espírito humana para designar o seu lado anti-verso inexplicável, porém explorável pelas religiões????

Marco Alcantara disse...

Olá Levi conheci seu blog navegando por entre outros blogs.

Gostei muito do conteúdo e com certeza voltarei com mais frequencia.

Tanto que estou seguindo para assim que tiver um tempo melhor voltarei para comentar com o cuidado que seus posts merecem.

Sou o Marco do LIon of Zion.

Se quiser nos faça uma visita.

Abraço!

J.Lima disse...

Levi.
Exelente!
Mais uma vez como sempre.
A racionalidade surge no homem como uma forma de sobrevivência, a razão não foi algo de "requinte", que o homem escolheu para diferenciar dos demais seres!

A vida exigiu o homem a lançar códigos, signos de linguagem, e a linguagem expande o homem, preserva-o da sua propria animalidade, mas a mesma que preserva, limita-o.

Essa falta, esse sentimento de que algo ainda falta, e que nunca acho é sempre redirecionado na história,a nova religião que é a CIÊNCIA, deixou o homem mais pobre, ele perdeu justamente o ASSOMBRO da ignorância, o MITO não explicava tudo, mas deixava o assombro nas entrelinhas.

Hoje o deus ciência, cada vez mais escraviza, o homem está sempre a procura daquele estado primevo, quando no seio da mãe, encontrava toda a satisfação, até que veio a sua ausência...

É meu amigo a racionalidade minimiza a bestialidade, mas ao mesmo tempo neurotiza aquele que que racionaliza...
Abraço.

Levi B. Santos disse...

MARCIO

Não sei a que você quis se referir, quando disse "invenção do espírito" no seu comentário ao comentário de Eduardo.

No trecho abaixo vou por a expressão que você usou, para saber se coaduna com o seu pensamento:

[O louco vive no delírio, a sua própria realidade psíquica. E nós "sãos" que não entendemos a expressão do seu inconsciente, podemos até pensar que toda a sua linguagem fantasiosa não passa de uma "invenção do espírito"]

Olhe, que nem os loucos erram... (ou inventam) - rsrs

Levi B. Santos disse...

Prezado Marco Alcântara


Sou grato por sua visita.

Interaja aqui conosco, como se estivesse em sua casa.

Estarei visitando o seu blog, proximamente.


Abraços,

Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

Prezado J. Lima

Você disse uma insofismável verdade:

"A Ciência deixou o homem mais pobre, ele perdeu o ASSOMBRO da ignorância".

Eu acrescentaria:

"Esse pobre homem, que procura cientificamente se conhecer, não encontrou ainda um antídoto (racional) para o seu VAZIO e para sua NOSTALGIA.

Hubner Braz disse...

Levi,

Ótimo post, a única coisa lamentavel da razão, é o materialismo em si.

A Razão, dar razão a Tomégiolia de só crer vendo. E isso dói a minha alma irraizavel.

Mas parabens pela mensagem.

Hubner Braz disse...

Ajo que Teutas pregava na Razão, mais porque será que ele teve um fim tão tragico?

Pelo menos os seus seguidores que consideravam donos da razão foi com ele ao paraiso imaginário da razão.

Abraços Levizão

Eduardo Medeiros disse...

marcinho, eu também não entendi o que você quis dizer...

Luis Paulo Silva disse...

Levi, fantástico seu texto.

Estava a meditar sobre a razão humana, o quanto ela às vezes tira do ser humano a capacidade de crer e de ter esperança.
Parece-me que quanto mais "racional" se torna o homem menos alegria se pode ver em seus olhos, menos brilho se tem.
O homem foi feito para pensar, e foi deito para crer, e o grande desafio é achar a forma de pensar crendo e crer pensando.
Muitos se deixam pensar tanto, e seus pensamentos não os confortam quando suas almas que não podem ser vistas pedem por alento.
É bom se entregar à fé em Deus e simplesmente se deixar crer, sem questionar. Tenho para mim que qualquer ser humano que se deixar levar por esta experiência nunca mais duvida de que existe Deus.
Por fim, cheguei à conclusão: O ateu tem toda a razão, só lhe falta fé.

Seus textos na maioria das vezes me servem de inspiração, amigo. Continue dando asas ao seu talento.

Forte abraço.
Luis Paulo Silva.

MIRANDA disse...

Levi

Encontrei na razão o meu ponto de equilíbrio. A emoção e os sentimentos são às vezes armadilhas que nos fazem cair em aberrações.
Vi muitos aqui falando contra a razão, mas digo que a bestialidade do homem está em não respeitar o outro ser humano e isso se dá muitas vezes pela crença exagerada que não consegue aceitar a opinião alheia e contrária.
Viva a razão acima de tudo, ao contrário de muitos.