20 maio 2011

Subindo ao "Céu" no Melhor Estilo



Em cada civilização existe uma maneira peculiar de culto aos mortos. Os seres humanos sempre cercaram os seus falecidos com cerimônias fúnebres as mais variadas, dependendo da cultura de cada país ou povo. No período do paleolítico, os clãs enterravam os seus mortos, pensando que eles germinariam depois, e se transformariam em plantas.

De lá para cá, muito se tem de inovação no feitio dessa tão antiga cerimônia.

Foi a reportagem de Ricardo Westin“Novo Jeito de Partir”, na revista VEJA desta semana (18 de maio), que me chamou a atenção, pelo espetáculo inusitado da institucionalização da cremação solene, que aponta para uma nova mudança na já antiquada cerimônia de enterrar os mortos, comumente usada em nosso país. São Paulo é o melhor exemplo de como, aos poucos, o sepultamento está deixando de ser, entre nós, um ritual intocável. Segundo o autor, "até meados da década de 90, havia um único crematório, em S. Paulo: o de Vila Alpina, sendo que nos últimos quinze anos, foram inaugurados nada menos do que vinte e oito. Outros treze serão abertos neste ano em Florianópolis, Palmas e Olinda".

Esses anfiteatros mortuários são compostos por confortáveis poltronas (cerca de 70 à 100). "No palco ricamente ornamentado repousa o caixão. Palavras de homenagem ao falecido são pronunciadas com dramaticidade, transmitidas por caixas de som de última geração. Concluído o discurso, as luzes enfraquecem e surge um violonista tocando a música preferida do morto (pode ser até o hino do seu time de futebol). Lágrimas e soluços irrompem assim que a mesa começa a subir, graças a um sistema mecânico que eleva lentamente o caixão. Ele, por final, desaparece por uma abertura no teto, como se ascendesse ao céu". Lá em cima (parece uma ironia) arderá numa temperatura de 1.000 graus, o que, em alguns minutos, deixa o corpo do falecido reduzido a um quilo e meio de cinzas.

Vários tipos de velórios de luxo começam a pipocar nas maiores cidades do país. Neles são oferecidos instalações requintadas com comes e bebes fornecidos por garçons, além de manobristas no estacionamento.

Segundo o antropólogo, José Carlos Rodrigues, autor do livro “Tabu e Morte”, "isto é um sinal de que os cristãos estão ficando menos cristãos, principalmente, quando relembramos que as grandes religiões (Cristianismo e Islamismo) proíbem a cremação. O Espiritismo não é contra a cremação, mas recomenda que ela seja efetuada de 48 a 72 horas após o desenlace fatal da pessoa, para que haja tempo do espírito desencarnar. Já o hinduísmo e o budismo consideram a cremação essencial para que a alma do falecido ascenda a um estágio superior".

Os antigos de 20.000 anos atrás, na Austrália, executavam o ritual de cremação, motivados pelo medo de os espíritos dos mortos voltarem para atormentar os vivos. Indubitavelmente, não é esse o motivo dos ricos e modernos cristãos usarem esse método ritualístico fúnebre. Com certeza, eles estão mais ligados em fantasiar um espetáculo sublime: o de fazer o seu falecido subir ao “céu” no melhor estilo, a um preço módico que gira em torno de R$ 15.000 reais.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 20 de maio de 2011

12 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Prezado Levi,

Eu considero a cremação bem mais ecológica e limpa do que o enterro~, além de nos conscientizar melhor de que estamos mesmo voltando ao pó.

Com a cremação, não precisamos ocupar enormes espaços para servir de cemitérios. Evita-se a propagação de doenças pela decomposição do corpo e também a contaminação do ambiente. Eu mesmo não me importaria de ser cremado se os valroes fossem mais acessíveis, mas penso que, futuramente, o meu plano funeral vai incluir esta opção.

No entanto, apenas tenho reservas quanto à indústria da morte. É uma loucura as pessoas gastarem tanto dinheiro para enterrar seus mortos, o que muitas das vezes acaba sendo uma maneira equivocada de se penitenciar de culpas de relacionamento, quando não se trata de uma ostentação social.

Quando morrer, quero ser enterrado com simplicidade. E, se for algo acessível eu ser cremado, que assim seja e minhas cinzas sejam espalhadas depois numa floresta bem verde e exuberante. Não acho que isto vá afetar a minha fé em Cristo e muito menos deixarei de ressuscitar no último dia. Aliás, como creio na eternidade da alma, creio que quando morrer minha energia vital, a qual anima meu corpo, já estará integrada ao universo e com Deus.

Seria uma visão animista?

Talvez. Um animismo mais científico e que não nega a Física. E creio que o judaísmo também é de um certo modo animista nas suas origens visto que somos corpos soprados pelo Ruah de Yahweh. Bendito seja Ele!

Embora esteja cada vez mais fácil para alguns judeus aceitarem a cremação, há muitos rabinos contrários à sua prática. Principalmente os que seguem as doutrinas de Maimônides por causa da ressurreição.

Dentro deste entendimento, os judeus ortodoxos pensam que a alma continua a existir mesmo após o falecimento, sendo então julgada conforme os atos em vida. Aí, se a pessoa merecer, ela terá acesso imediato ao Gan Eden, Paraíso; caso contrário, poderá passar por vários processos de purificação ou, até mesmo, uma reencarnação para se libertar das impurezas adquiridas em vida, tendo então acesso ao Paraíso, onde a alma passa por infinitas ascensões, pois são infinitos os níveis espirituais desta dimensão.

Todavia, se for feita a cremação de um judeu, conforme o pedido falecido (muitas famílias são orientadas para não atender a vontade do morto), as suas cinzas não podem ser enterradas no cemitério e as leis de luto não devem ser seguidas em tal caso.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

O único incenveniente prático da cremação seria o aspecto jurídico, caso futuramente um filho não reconhecido do falecido resolva, por exemplo, habilitar-se no inventário e brigar por sua participação na herança. Tendo o seu suposto pai sido cremado, ele não terá como recorrer à exumação como prova para comparar o DNA, exceto se for com outras pessoas da família.

Ora, seria por isto que muitos ricos hoje preferem ser queimados?

Eduardo Medeiros disse...

pois é levi, o espetáculo e o chique chegaram ao funeral. 15 mil? os filhos fariam melhor proveito desse dinheiro em outras coisas, não acha?

é verdade, como disse o rodrigo, que a cremação é mais ecológica. mas também mais mórbida quando a viúva resolve guardar as cinzas do marido na estante da sala...cruz credo!!! kkkkkkk

"que vaso mais bonito, fulana"
"é a nova casa do meu marido..."

pelo visto, é um negócio que ainda vai crescer muito. esses rituais funerários antigos e modernos são muito interessantes. li uma vez que numa tribo africana ou coisa parecida, não lembro, o funeral é festejado com muitas comidas, danças e festas.

os desafetos do morto devem aproveitar a ocasião.

Levi B. Santos disse...

Rodrigo e Edu


Vocês esqueceram de atentar para a ironia-simbólica do “Novo Jeito de Partir”, dos anfiteatros mortuários de S. Paulo.

É aquela velha historia mítica e simbólica dos andares, de CIMA e de BAIXO.

A cremação realizada num fantasioso andar de cima, com o caixão sendo elevado ás alturas, dá um toque do sentimento “transcendental” aos enlutados que vêem em seu imaginário o seu ente querido experimentando o “ressurgir dos mortos” e o “ascender ao céu” — Não foi assim, numa espécie de sentimento oceânico que alguns discípulos de Jesus, o viram ascender aos céus?

Diz, os evangelhos, que Cristo depois da morte, e antes de subir ao andar de cima, foi ao Hades.

De certa forma, vejo aí, ressonâncias dessa simbologia, pois o morto e seu invólucro de madeira, ao ser elevado ao andar simbólico de cima é torrado e transformado em cinzas a uma temperatura (infernal) de 1000 graus (o Hades simbólico) - rsrs

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Gente, tem enterros que custam bem mais do que uns 15 contos. Certa vez um funcionário da Prefeitura do Município de Duas Barras (RJ) contou-me que um certo familiar do prefeito foi enterrado numa ala vip do cemitério do Caju, na capital do estado, onde é cobrado algo em torno de R$ 40.000,00. Segundo ele, haveria um local próprio para os familiares do falecido chorarem já que este tipo de manifestação não é permitido em qualquer local da área vip...

Compreendi o que o Levi falou ao nos chamar a atenção sobre ops andarem de baixo e de cima, lembrando a ideia de céu e inferno. Porém, acho que se uma pessoa concorda em ser cremada depois da morte é porque ela talvez já não se importe tanto com a relação entre o fogo como simbologia do inferno. Mas, de qualquer modo, o fato do corpo ser queimado no andar de cima serve pra dar uma amenizada nesta ligação entre fogo e inferno.

Para o judaísmo o fogo tem menos a ver com o inferno ou a Geena do que no cristianismo. Há nas Escrituras hebraicas mais ligações do fogo com a manifestação divina, teofanias como o episódio da sarça ardente em Shemot (Êxodo) do que no Novo Testamento.

Assim, penso que uma das coisas a serem trabalhadas em relação à aceitação da cremação seria justamente a desvinculação do fogo à figura do inferno. Pois penso que o público cristão, deferentemente do judeu e do muçulmano, dificilmente veria o enterro como uma condição para ressurgir dentre os mortos. Contudo, para o judeu ser cremado ele tem que desfiar suas ligações comunitárias e isto pode deixá-lo mal com boa parte da comunidade de Israel, afetando ainda a sua família. Inclusive porque, numa situação dessas, é bem possível que os irmãos da sinagoga venham ajudar para que os familiares façam o enterro dentro dos valores de dignidade que o grupo assim compreende. Logo, são os judeuis liberais mais ricos que, geralmente, acabam sendo optando por serem cremados.

Este e outros assuntos sobre funerais é riquíssimo nas culturas e religiões. No Ocidente já não é mais tão aprofundado quanto no Oriente e entre os povos africanos. Na África, por exemplo, uma cidade pode até parar por causa de um funeral, o que, na nossa cultura acab sendo inaceitável. Aliás, já me deparei com um empregador que ficou com raiva do empregado porque, no dia seguinte ao falecimento da avó, o rapaz não veio trabalhar. Mas no meu ponto de vista, é importante que os familiares e amigos do falecido vivam com intensidade o momento da despedida. A Torah diz que Jacob foi chorado por 70 dias (Bereshit 50.3-4).

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

A respeito do que o Levi falou sobre a morte de Jesus e sua ascensão aos céus, gostaria de compartilhar aqui o link do artigo que escrevi em dezembro sobre o sepultamento de Jesus:

"E Ele veio para morrer..."
http://doutorrodrigoluz.blogspot.com/2010/12/e-ele-veio-para-morrer.html

Este é sum dúvida um dos pontos pouco trabalhados nas igrejas. E, curiosamente, escrevi o texto justamente no dia de Natal...

Abraços.

Eduardo Medeiros disse...

é verdade levi, como você diz no texto, o engraçado é exatamente o corpo queimar no "inferno" depois de "subir" e não de "descer"...rssss

será que foi algo parecido que aconteceu com os discípulos? você acha levi, que todas as "500 pessoas", segundo paulo, que "viram" jesus ascender aos céus em carne e osso tiveram uma alucinação coletiva?

ou de fato o nazareno subiu mesmo?

responde aí, mas cuidado com a fogueira da inquisição...kkkk

Eduardo Medeiros disse...

rodrigo, inferno sem fogo não tem graça!! os cristãos não abrem mão nem das suas ruas de ouro no céu para os salvos e nem do fogo no inferno para os reprovados no enen celestial...

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

De fato, Eduardo, o sistema religioso do cristianismo não abre mão deste poderoso instrumento de submissão das mentes que é a ameaça sobre o inferno e castigo eterno. Existiria alguma mensagem imagística mais assustadora do que a pessoa ser queimada num fogo eterno? Usando a mesma metáfora, o Alcorão ainda é mais rico em detalhes ameaçadores contra os descrentes e pecadores, os quais serão condenados à Geena "e lá permanecerão enquanto permanecerem os céus e a terra" (Sura 11:107; tradução de Mansour Challita).

Há versos alcoraítas que ainda chegam a ser assustadores como este:

"Os que rejeitam Nossos sinais, breve jogaremos no Fogo. Cada vez que suas peles forem queimadas, as substituiremos por outras para que continuem a experimentar o suplício." (Sura 4:56)

Mas o sectarismo monoteísta dos muçulmanos chega a ser evidente:

"Para aqueles que não creem em Deus e em Seu Mensageiro, preparamos um fogo flamejante." (Sura 48:13)

"Com certeza. Deus separará, no dia da Ressurreição, os que creem dos judeus e nazarenos [cristãos] e magos e idólatras (Sura 22:17)

"Quanto aos que renegaram e desmentiram Nossas revelações, serão eles os herdeiros da Geena." (Sura 5:86)

"São realmente crentes os que creem em Deus e em Seu Mensageiro, que não duvidam e que lutam, com sua vida e suas posses, pela causa de Deus." (Sura 49:15)

Apesar da Bíblia cristã ter ameaças que possam ser interpretadas como assustadoras, Jesus não é descrito como um Messias ameaçador nos Evangelhos, mas antes diz que Deus quer que todos sejam salvos e que o ifnerno foi feito para o diabo e seus anjos. Já o Alcorão, que considera a crença como uma permissão divina, mostra Allah como um deus assustador e sem critérios, como se fosse um sádico atirando na Geena quem bem entendesse:

"Se teu Senhor quisesse, todos os habitantes da terra seriam crentes." (Sura 10:99)

"Se quiséssemos, poríamos todas as almas no caminho da retidão. Mas digo-o em verdade, encherei o inferno de djins e de homens." (Sura 32:13)

Jà este verso parece ser bem parecido com uma citação da Torah feita por Paulo (um midrash?) e me faz lembrar a predestinação e a doutrina da eleição de uma ramificação do cristianismo:

"E Ele perdoa a quem Lhe apraz e castiga quem Lhe apraz". (Sura 2:284)

"Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão." (Rm 9.15; ARA - conf. com Êx 33.19)

De qualquer modo, a leitura que as religiões fazem dos textos sagrados é f...

Levi B. Santos disse...

Edu

O evangelho de Mateus diz: “quando os onze discípulos viram Jesus aparecer em um monte lá na Galileia, alguns não acreditaram” (rsrs)

Creio, não ser de bom alvitre mexer nos arquétipos cristãos.

Diz Jung: “o mito, não deveria ser encontrado no local em que o corpo foi colocado, e seria elevado outra vez de forma miraculosa”. Para ele, a ressurreição é, na realidade, a primeira etapa de uma tríplice sequência: “Ressurreição, Ascensão e Descida (Pentecostes)”.

Quando o crente diz: “O redentor vive”, é porque ele percebe em sua psique a força desse poderoso arquétipo.

Mas, a ressurreição de Cristo tem um paralelo mais antigo: “A reconstituição do corpo desmembrado de Osíris por Ísis, mediante a unção do corpo, que deu origem ao processo de embalsamento, que transforma o morto num corpo imortal”.

Esse processo dura 40 dias (Gênesis 50: 3)
“Quarenta” corresponde, justamente, à duração transcorrida entre a ressurreição e a ascensão de Cristo — diz Edward F. Edinger, no seu livro “O Arquétipo Cristão”.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Levi,

Tentando comrpeender animistamente a ressurreição de Jesus, sua ascensão e descida do Espírito Santo, podemos entender que o acontecimento místico do Pentecostes deve-se à compreensão do mover de Cristo pelos discípulos.

Pode-se dizer que, dos quinhentos e tantos, teriam sobrado uns 120 que perseveraram nesta compreensão. Além do mais, somente os discípulos e alguns familiares de Jesus puderam vê-lo novamente durante a ressurreição.

Contudo, o Espírito de Cristo volta a mover os homens que compreendem sua mensagem e se manifesta no Pentecostes como um, vento, um novo ânimo, uma energia. Algo que se comunica com a mente humana e passa a dar instruções visto que, em Atos, o Espírito fala.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Quero aproveitar para compartilhar aqui também aquilo que já havia dito sexta-feira ao Eduardo no mue blogue dentro do artigo "Um outro mundo é possível!":

"Quanto à ressurreição de Jesus, não temos condições de dizer com que ela ocorreu. Eu acredito na eternidade da alma! Paulo não fala em 1ªCoríntios 15 como será o "corpo espiritual", mas apenas que viveremos assim como Cristo vive.

Todavia, os relatos evangélicos falam de aparições de Jesus após sua ressurreição por um período de 40 dias, o que também é confirmado em outras partes do Novo Testamento. E são aparições metafísicas porque, embora o corpo do Senhor seja tocado e ele chegue a ingerir alimentos, suas materializações e desmaterializações ocorrem às vistas das pessoas e em locais totalmente fechados.

Ora, eu creio que, com a morte, nosso corpo vira pó e a nossa energia vital, que nos anima, volta para o cosmos (e fica com Deus). Pois bem. Como eu creio que uma energia pode ser materializada, foi permitido que determinadas pessoas "vissem" novamente Jesus três dias após sua morte durante um período de 40 dias. E também houve aparições posteriores a isto.

Já o fato de seu corpo físico não ter sido encontrado, podemos compreender que houve uma espécie de arrebatamento que foi teleportado assim como aconteceu com Elias, Enoque, Ezequiel, o João do Apocalipse e o corpo de Moisés. Ou seja, o corpo físico se desmaterializa e reaparece em outro lugar ou mesmo se desfaz.

Pode ser que tudo isto algum dia venha a ser confirmado pela ciência, mas pra mim basta a aceitação de que a alma é eterna e que a ideia que os escritores da Bíblia deviam ter sobre ressurreição na certa era uma concepção primitiva a respeito da eternidade da nossa energia que já era entendida naqueles tempos como um espírito consciente."

Sendo assim, como muita coisa sobre ressurreição foi concepção primitiva sobre a eternidade da alma, acho um equívoco as três principais religiões monoteístas do mundo ainda terem reservas à cremação.