13 maio 2011

A SUBJETIVIDADE DO “OLHAR”



Os evangelistas falam de um messias fazendo uso de metáforas para mostrar as nuances profundas do olhar: “Se o teu olho te escandalizar, arranca-o”. Em outra oportunidade, metaforicamente falando, o “mestre-servo” fez ver que o “cisco” que enxergamos nos olhos dos outros, nada mais é que o reflexo da “trave”, que inconscientemente, existe na nossa maneira de olhar.

Leonardo da Vinci, disse: “O olho é a janela da alma, o espelho do mundo”. “É sempre prudente olhar de frente, mas é difícil olhar para mais longe” — disse uma vez, Churchill. Ah, se eu pudesse entender o que dizem os teus olhosEscreveu o poeta e maestro, Tom Jobim.

Dizem os estudiosos da psique que toda forma de olhar é sempre contaminada por valores que foram introjetados em nosso cérebro, durante a nossa formação e, por esse ângulo, não existe um olhar neutro, pois cada olhar carrega em si, o nosso próprio mundo interior com as nuances dos costumes da cultura da qual fazemos parte.

João Batista Cintra Ribas — doutor em Antropologia pela USP, em seu livro “Antropos e Psique” (pág. 92), nos traz uma interessante reflexão sobre a subjetividade do olhar. Diz ele:

“Imagine uma reportagem de TV sobre um roubo seguido de morte da vítima. Três pessoas estão assistindo o programa: um parente da vítima; um militante pelos direitos humanos; um pesquisador das ciências humanas.

Os três enxergarão o mesmo crime de formas deferentes. O parente da vítima, em função da afinidade, possivelmente verá o crime como uma afronta à sua família, e talvez reivindique a pena de morte para o criminoso. O militante, devido ao caráter da militância, possivelmente verá o crime como um problema social e político e, defensor dos direitos humanos, provavelmente não vai propugnar a aplicação da pena de morte. O pesquisador, se for competente, embora se emocione e repudie o crime, terá de se distanciar emocionalmente, para analisar o que aconteceu e, só então, emitir um julgamento Essa imagem mostra com clareza que o pesquisador deve penetrar a realidade para observá-la de perto, mas é imprescindível que se afaste dela por algum tempo, para poder traduzi-la, analisá-la”.

Em analogia ao relato do Antropologista, poderíamos ressaltar o trecho evangelho de João 8:6, onde se pode perceber que Cristo, para emitir um olhar neutro (ou justo), diante dos doutores da lei que tinham decidido apedrejar a mulher adúltera, teve que se afastar por certo tempo, para refletir sobre o caso, reflexão essa, simbolizada pela metáfora: “escrever na areia com o dedo”.

O nosso olhar é realmente limitador, pois não leva em consideração o fator subjetivo que há no outro, não percebe que a imagem que fazemos de um objeto, pessoa ou relação nunca é a coisa em si. Cada sociedade ou cultura tem uma linguagem, uma maneira de olhar o mundo dentro de suas próprias expectativas. Só nos distanciando do lado emocional que envolve as nossas particularidades, é que poderemos enxergar que as águas que banham as diversas culturas, não estão turvas. Turvos permanecerão os nossos olhos se não forem constantemente reciclados para olhar e permitir admirar-se com o que vê no outro, que apesar de possuir códigos simbólicos diferentes em sua visão de mundo, não deixam de desfrutar da mesma relação transcendental.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 12 de maio de 2011

6 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

levi, quanta sabedoria em tão poucas palavras. que forças são essas que se movem em cada um de nós que nos fazem julgar o olhar do outro a partir do nosso próprio olhar?

J.Lima disse...

Mestre Levi.
Que texto.

Emile Durkeim na sua sociologia tentou elaborar uma metodologia que houvesse neutralidade entre o fato social e o cientista social.

Contudo ele não percebia que não pode haver distância na interpretação. Contudo não há como separar a subjetividade do observador diante do fato ocorrido.

Por isso todo juízo é relativo. Cristo advertiu: "não julgueis".
Ele sabia que os atos de uma pessoa não podem ser julgados a parte da história da pessoa.

Toda ação do sujeito não é uma ação desconectada da vida, mas sim toda a vida faz parte de uma ação.De forma que no ato de uma pessoa está toda a sua história pregressa.

Tento explicar isso para meus alunos de teologia mostrando que toda construção teológica é primariamente uma teológica pré-concebida.

Agostinho elaborou a teologia da "raça humana irremediavelmente perdida", como uma projeção inconsciente da sua vida que era muito aquém dos padrões morais da sua época.

PELÁGIO seu contemporâneo elaborou um teologia diametralmente oposta. Valorizou o homem isso porque da mesma forma tinha uma vida moral bastante elevada nos padrões estabelecidos.
Abraço.

Levi B. Santos disse...

É isso mesmo Edu

Os olhos dizem tudo, principalmente, quando não encontramos palavras para expressar certos afetos.

Levi B. Santos disse...

Meu caro e desaparecido J. Lima


De há muito venho sentindo a falta de suas fenomenais inserções filosófico-teológicas e psicológicas, tanto aqui nesta sala, com lá na C.P.F.G.

“De forma que no ato de uma pessoa está toda a sua história pregressa”.

Você sintetizou maravilhosamente na frase acima, tudo que escrevi.

“Tento explicar isso para meus alunos de teologia mostrando que toda construção teológica é primariamente uma teológica pré-concebida.

Sobre o que você escreveu acima, já dizia Spinoza:

“Assim como a Escritura costuma descrever Deus à semelhança do homem e, dada a ignorância do vulgo, atribuir-lhe mente, vontade, paixões, até mesmo um corpo e um hálito, assim também utiliza muitas vezes “espírito de Deus” por Mente.”

Abraços

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Muito bom o texto, Levi!

Parabéns!

Acho que tinha chegado a comentá-lo mais aí houve o tal do bug do Blogger que já nem me lembro bem.

Primeiramente gostaria de fazer esta consideração:

1)Devemos limpar nossos olhos para enchargarmos melhor a Verdade que é objetiva e a mente humana jamais consegue compreender.

2)Devemos tentar desenvolver a capacidade de tentar compreender como que o outro encherga esta Realidade fora de si. Ou seja, devemos levar em cotna sua subjetividade, a qual, inclusive, nos ajuda a compreender melhor a Verdade.

O grande barato disto é que se tento compreender a Realidade com a ajuda do olhar do outro, mais enriquecedor serão os meus estudos! Afinal, como diz um provérbio bíblico, "na multidão de conselhos há sabedoria".

Abraços.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Quero falar um pouco sobre a citação de Spinoza em seu comentário:

“Assim como a Escritura costuma descrever Deus à semelhança do homem e, dada a ignorância do vulgo, atribuir-lhe mente, vontade, paixões, até mesmo um corpo e um hálito, assim também utiliza muitas vezes “espírito de Deus” por Mente.”

Eu entendo que Deus é o Ser Supremo que está muito acima de nós, mas que se relaciona conosco no nosso nível.

Não conseguimos expressá-lO como Ele de fato É. Usamos metáforas dentro da nossa realidade visível de modo que até a palavra "espírito" (ar, sopro, vento) é metafórica assim como seria nos termos mais atual da Física a "energia" (se bem que o espírito poderia ser entendido como a energia em movimento).

Contudo, por ser Deus este Ser Superior, Ele tem a capacidade dde se relacionar conosco no nosso nível e se revelou à humanidade na pessoa de um homem - o Messias Yeshua (Jesus).