23 junho 2011

Saudades do São João de Minha Infância


Ah, que gratas recordações da simples gente de crenças robustas, moradores daquela aprazível rua na qual um velho bangalô acolhia meus pais, meu irmão (do meio), minha irmã caçula e eu! Só quando as noites de São João em Alagoa Grande (PB) coincidiam com os demorados cultos noturnos na igreja que frequentava, situada bem no final da São José (rua que era uma continuação da minha saudosa 13 de maio), é que a tristeza e a melancolia me invadiam. Não sei mesmo o que poderia acontecer comigo se meus pais soubessem que meus pensamentos, mesmo dentro do recinto sagrado, estavam muito mais centrados no lado de fora do que no interior do Templo, pensamentos que não comungavam com o enfadonho e longo ritual religioso do pregador, que me fazia perder a maior parte da festiva noite junto aos meus amiguinhos em seus folguedos juninos. Na maioria das vezes, tirava a sorte grande e não participava dos cultos religiosos, o que me deixava mais solto e livre para apreciar a beleza esplendorosa das lanternas multicores pregadas nas paredes de fora das casas, acima de cada janela e portas, se estendendo linearmente de cada lado da rua até se perder de vista. Lanternas em forma de pirâmides, de cubos, umas redondas como fole de sanfona, outras em forma de estrelas de variadas cores; todas escondendo a luz tremulante das velas em seu interior.

Lembro-me perfeitamente das noites de S. João, em que a lua cheia dava um toque todo especial aos balões multicores soltos pela gurizada irreverente e alegremente alvoroçada. Os balões de variados tamanhos subiam céleres, levados pelos ventos em meio a um céu límpido, e, aos poucos, iam se transformando em pontinhos de luz bruxuleante, em meio às estrelas cintilantes. Que maravilha era o espetáculo das girândolas cruzando o céu sobre nossas cabeças, encerrando o show pirotécnico. Logo após esse extasiante espetáculo, corríamos todos às nossas casas para recolher espigas de milho verde em palha a serem assadas nas brasas ainda avermelhadas do que restou das fogueiras. 

Nas prazerosas noites de São João, poderia citar uma por uma, todas as pessoas que residiam naquela bucólica, festiva e engalanada rua de barro batido, desde o largo da padaria de Seu Abdias onde ficava o pequeno pavilhão destinado às quadrilhas juninas, até desembocar em uma pequena vereda junto à linha do trem, onde ao lado e no alto de uma ribanceira, à semelhança de um pequeno castelo, ficava encravado o majestoso e rústico armazém de Zé Hipólito, local onde se vendiam estivas, cereais e produtos agrícolas.

Quando, ao declinar da tarde, soava a melodia sinfônica da Ave Maria de Gounod, precisamente às 18 horas, adultos e meninos, ainda deglutindo pedaços de pamonhas e queijos de coalho, acorriam à rua para acender suas tradicionais fogueiras. Quão gratificantes eram àquelas horas rápidas de gozo esfuziante passadas em pleno meio da rua, inesquecíveis momentos que compensavam as agruras e fadigas da vida tão duramente trabalhada.

Hoje, ainda sonho com os chuveiros de gôtas belas e fosforescentes que exalavam muita fumaça branca; o cheiro da pólvora dos traques, dos beijos de moça, mijões e pequenos rojões não me saem da memória olfativa e afetiva.

Decorridos quase sessenta anos daquele idílico tempo, encontro-me, agora, detido aqui, diante do computador, a rememorar as saudosas noites de São João do meu tempo de menino.

Ouvindo o pipocar dos fogos, entremeados com o som de velhas cantigas juninas cantadas pelos passantes lá fora na rua, e inalando o cheiro da canjica de milho verde vindo do meu fogão, trago a esse recanto uma das saudosas músicas nordestinas mais tocadas durante o mês de junho nos anos sessenta:                                                                                        


Olha Pro Céu 

Composição: Luiz Gonzaga / José Fernandes


10 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

"eita são joão dos meus sonhos.." também cantava o rei do baião. a minha fascinação sempre foram as enormes fogueiras que eu via pelas ruas de salvador quando garoto. eu e muitos primos saíamos à noite para soltar bombinhas e apreciar as fogueiras...na casa da minha vô sempre haviam variados pratos da ocasião.

tempo muito bom. isso era tudo que eu podia desfrutar das festas; dançar quadrilha nem pensar, já era demais para minha mãe que a contragosto, tolerava apenas olhar de longe as fogueiras.

levi, degustei este teu pequeno texto como se fosse uma boa tapioca.

MIRANDA disse...

Levi

Boas lembranças do meu tempo de menino.
Parabéns pelo texto e obrigado por me levar ao passado.
Abraço.

Levi B. Santos disse...

Eduardo e Miranda


Agora, a minha rua onde resido é asfaltada, e não podemos fazer fogueiras, mas os fogos juninos ainda têm o mesmo nome e exercem sobre mim a mesma fascinação.

Ainda há pouco o meu filho mais novo atiçou a memória daqueles tempos, ao trazer para soltar na calçada de casa, “beijos de moça”, “traques”, "chuveirinhos", "mijões" e "rojões". (rsrs)

VIVA SÃO JOÃO!!!

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Desde a época em que me converti, ouvia alguns pastores dizendo que o crente não pode participar de festa junina, o que afetava (e ainda afeta) o convívio de muitas crianças em suas escolas. Tais pregadores faziam questão de relacionar uma manifestação cultural popular com o pecado da idolatria, como se as pessoas envolvidas nas festividades estivessem prestando culto de adoração a Antônio, Pedro ou João Batista. Outros faziam questão de enfocar as raízes pagãs desses eventos para justificarem suas absurdas proibições.

Durante a minha infância, por exemplo, jamais identifiquei as festas juninas com a idolatria. Lembro que algumas músicas falavam de São João, mas eu não conseguia ver nada mais além da alegre reunião comunitária que ocorria tanto na escola quanto na praça do bairro (fui criado no Grajaú, Zona Norte do Rio de janeiro). Aliás, até hoje, quando penso no mês de junho, posso lembrar da época em que os adultos desenhavam um bigode no meu rosto antes de sair de casa e eu ia dançar quadrilha usando uma gravata presa com a caixa de fósforo.

Certa vez, numa de suas cartas, o apóstolo Paulo escreveu algo que de certo modo se aplicaria às festas juninas:

“Para os puros, todas as coisas são puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro. De fato, tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas” (Tito 1.15)

Lamento muito o fato da maioria das igrejas evangélicas no Brasil até hoje não terem aprendido a separar as festas caipiras da idolatria que alguns católicos ainda praticam (nem todos os católicos são idólatras). E, neste aspecto, a chegada do protestantismo no Brasil, dentro da visão missionária dominadora dos norte-americanos, acabou se tornando mais um choque cultural ainda que com uma intensidade menor do que a cristianização forçada dos povos germânicos na Idade Média.

Sempre que procuro entender os motivos pelos quais o Evangelho não cresce entre os orientais fico a pensar se de fato os missionários estavam interessados em levar as boas novas de Cristo ou a imposição de uma outra cultura. Ao invés de incentivarem que uma cultura submeta-se voluntariamente ao domínio de Jesus Cristo, muitas missões do passado distanciaram mais ainda o Evangelho do cotidiano das pessoas, como se a conversão fosse incompatível com os hábitos de um povo.

Felizmente esta mentalidade está mudando e hoje em dia algumas missões já treinam seus evangelistas a se adaptarem à cultura na qual eles pretendem ingressar para anunciarem a Cristo. E, embora o Brasil tenha uma expressiva população de evangélicos e de cristãos em geral, temos uma cultura de cinco séculos e uma década que não pode ser esquecida, cabendo às gerações manter e aperfeiçoar aquilo que receberam de seus antepassados.

Na minha opinião, as igrejas evangélicas deveriam promover suas festas juninas, o que seria um excelente atrativo para se relacionarem com as comunidades onde estão estabelecidas. Até o dia dedicado a João Batista, cujo nascimento é incerto, pode muito bem ser aproveitado para a evangelização, lembrando-nos da vida daquele corajoso profeta que pregava a chegada do Messias e não temeu dizer a verdade quando Herodes vivia em flagrante adultério com a mulher de seu irmão.

Núbia Mara Cilense disse...

Na minha infância, eu dançava a quadrilha na escola. Era ótimo! Mas quando fiquei mais velha, eu ía era para as festas juninas catar namorado. Um em cada festa. E não posso esquecer da canjica que a minha mãe fazia e até hoje ainda faz. Maravilhosa!

Núbia Mara Cilense disse...

Obs: Hoje sou esposa do Rodrigo e não caço mais namorado (rsrsrs).

Levi B. Santos disse...

"Ao invés de incentivarem que uma cultura submeta-se voluntariamente ao domínio de Jesus Cristo, muitas missões do passado distanciaram mais ainda o Evangelho do cotidiano das pessoas, como se a conversão fosse incompatível com os hábitos de um povo" . (Rodrigo)

Corroboro o que você escreveu acima.
Infelizmente esse tipo de "pregação evangélica" às avessas tem sido ainda regra e não excessão nos tempos atuais.

Abraços juninos

Levi B. Santos disse...

Bem, Nubia

Você, inteligentemente, uniu o útil ao agradável.

Tenha um bom São João junto com o seu querido Rodrigão. (rsrs)

Unknown disse...

Retribuindo a gentileza !!
Seguindo aqui
Bjs meus

Anônimo disse...

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