22 agosto 2011

NAS GARRAS DO PODEROSO “LEÃO”



É impossível que o homem possa um dia viver isolado. A metáfora bíblica — “Não é bom que o homem esteja só” — por si só, já explica que o OUTRO é imprescindível ou obrigatório para a demanda de nossa satisfação. Lacan, que fez a releitura das obras de Freud, já dizia que, “o individuo por ser incompleto necessita da presença do OUTRO para se constituir como sujeito”.

É em face do PODER que o indivíduo se ordena e se desordena seguidamente para a produção de sua singularidade” —, citou também, Joel Birman, psicanalista, filósofo e professor da USP, em seu livro "Psicanálise Ciência e Cultura" (página 111).

Parece-me que ali, onde está o aglomerado humano, sempre haverá uma espécie de “exército da salvação”, para impor no inconsciente dos prosélitos um modelo a se seguir.

A busca inconsciente pelo poder rege-nos em todos os aspectos de nossa vida. Trabalhamos, e ao recebermos o nosso salário, o que vem logo a nossa cabeça é o desejo de vestir o nu do nosso corpo com roupas de “griffe”. Ora, a palavra “griffe”, significa garra - “é o leão que deixa na presa morta a marca do seu poder —, diz o filósofo e psicanalista Renato Mezan, no artigo “Grifes Vistosas, Prazeres Secretos”, publicado no caderno “Mais” da Folha de São Paulo (14/11/2007). Diz ele, ainda, no seu lúcido artigo:

“Como os poderosos são em pequeno número, usar um objeto de marca prestigiosa é também sugerir que pertencemos ao conjunto seleto dos que “podem” e “mandam”. Eis por que, além de servir a fantasias de exibição fálica, a roupa, a caneta, o carro e o relógio (rolex) se tornaram ícones identificatórios, indicando que seu portador faz parte de um grupo valorizado do qual a maioria está excluída. Neste sentido, cumprem a mesma função que as marcas tribais, a circuncisão, os símbolos religiosos e políticos, etc. [...] Na sua vasta porção inconsciente, não nos basta ser amigos do rei: somos o próprio rei, o herói, o caubói – e o nosso cavalo nem precisa falar inglês.”

A vontade de potência é função inerente da psique humana. A demonstração de poder é um anseio comum em todas as civilizações, e, está presente desde os primórdios. A prática dos faraós do antigo Egito, que mandavam apagar dos monumentos o nome de quem os havia construído, e substituí-lo pelo seu, é um emblemático exemplo.

Na cultura judaica, o espaço delineado entre a força e o símbolo que funda o DIFERENTE, está presente na “Estrela de Davi”. A Estrela de Davi, foi cunhada para representar já uma amostra do poderio de um povo, ao associar no inconsciente judaico, o futuro ao passado no qual os judeus tinham o seu próprio país, e não havia, por enquanto, perseguições religiosas.

É provável que o vistoso escudo de Davi incutisse em que o usava, um sentimento de orgulho, pois aludia a uma figura da maior importância no Velho Testamento. No cristianismo, até a cruz maldita se tornou símbolo de um poder que envaidece. Na concepção do crente, ela é um distintivo representativo de um povo salvo e santo (portanto poderoso) que foi resgatado do meio de um povo imundo e perdido (impotente e fraco).

A tragicidade de um “cordeiro imolado” (Cristo) que é ao mesmo tempo “O poderoso Leão de Judá”, deu a Freud a senha para explorar os elementos paradoxais da psique humana, e assim ver, que a relação do sujeito com o poder é marcada pela contradição, pois o homem tende a perder a sua marca distintiva em face dos OUTROS que estão inseridos no seu mundo cultural.

Nos tempos atuais, a atuação sutil das garras do Leão, no sentido de obter a adesão do outro através da persuasão é uma marca registrada tanto na publicidade, quanto na política, no meio religioso, nas redes virtuais, enfim, nas diversas áreas de nossa sociedade.

Por enquanto, fica aqui a pergunta:

É ingenuidade continuar sonhando com o poder ideal —, aquele que não necessita ser exibido?


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 22 de agosto de 2011

Imagem: http://ciadosblogueiros.blogspot.com/2011_06_01_archive.htm

11 comentários:

Edson Moura disse...

Levi meu mestre, o que é poder senão a capacidade de impor nossa vontade sobre os demais? Sendo assim, considero contraditório um pensamento que tente mostrar uma outra faceta da terminologia poder. Poder que não é exibido não é poder de fato.

A quem diga, sobretudo os poetas e os românticos, que o maior poder é aquele que não necessita de força para ser empregado, mas tanto eu como você sabemos que isso não passa de confabulações utópicas. Costumo dizer que se quisermos conhecer o verdadeiro caráter de uma pessoa basta dar poder a ela, o que nos revelará o mal que mantemos latente simplesmente por não termos a condição (poder) de satisfazê-lo.

Abraços meu mestre.

Leonardo Gonçalves disse...

Grande amigo Levi,

Não sou psicanalista. Não tenho uma resposta acadêmica para a sua pergunta.

Mas sou cristão, e tenho uma resposta cristã:

O "poder ideal" é o único poder justificável, e é a unica medida que podemos anelar. No entanto, tal medida é utópica, mesmo para o melhor dos santos. O poder desperta a vaidade no coração, e todos os filhos de Adão são vítimas de tal sentimento.

O que fazer?

Só nos resta viver o paradoxo, resistir firmemente, e principalmente, confiar na Graça de Deus, que redime nosso orgulho.

Graça e Paz (e um grande abraço)

Leonardo.

Levi B. Santos disse...

“[...] considero contraditório um pensamento que tente mostrar uma outra faceta da terminologia poder. Poder que não é exibido não é poder de fato”

Você falou em contraditório, caro Edson Noreda. A contradição, a ambivalência, o paradoxal constituem, exatamente, a marca registrada de nossa psique.
Os “porcos-espinhos” quando se ajuntam guardam uma certa distância entre eles para que os espinhos poderosos de um não venham ferir o outro. Tomando essa metáfora para explicar as inter-relações humanas, podemos concluir que, a convivência entre nós humanos, só é possível, se a aproximação não for excessiva — para que não haja eriçamento ou repulsão nos pêlos narcísicos de cada um. (rsrs)

Mas concordo com você: “Porco espinho, que não tem espinho, não é porco espinho”. (rsrs)

Abraços, e volte sempre com seus instigantes comentários

Levi B. Santos disse...

Prezado amigo Leo

Sinto-me feliz em tê-lo comentando aqui nessa humilde sala (rsrs)

Só nos resta viver o paradoxo..

Parafraseando você, eu diria: Só nos resta explorar a intersubjetividade entre a psicologia e a religião, já que ambas tratam da alma humana e seus afetos mais profundos.

Na perspectiva de Freud dentro da sociedade rígida vienense do seu tempo, a psicanálise assumia uma postura crítica ao discurso religioso, na atualidade mantém uma relação de razoável coexistência pacífica. Os psicanalistas, em sua maioria, não consideram mais uma impossibilidade radical do indivíduo com a psicanálise e com a religião. Existem muitos deles que são crentes e tem a sua fé religiosa.

Françoise Dolto, responsável pela releitura do legado de Freud, por exemplo, é cristã de formação. Como crente e psicanalista passou anos a fundo estudando e retirando dos evangelhos subsídios para sua experiência de vida. No Livro “A Fé à luz da Psicanálise”, ela faz uma importante declaração:

“Jesus diz o que se passa no inconsciente. Ele dispõe uma cena para todos, pobres, ricos, jovens...- a dinâmica do desejo. Jesus prega o desejo e não uma moral, e esse desejo (mesmo utópico) é o que nos leva a buscar o que nos falta”.

Também achei interessante o que Françoise Dolto disse nesse trecho do seu livro:

“É surpreendente que alguns psicanalistas me recriminem por CRER, mas não se recriminam por não CREREM. Para eles, CRER é um mecanismo de defesa diante da angústia. Mas é mais valoroso se curvar sob o peso da angústia? Em nome de “quê” eles instauram essa discriminação? Em nome do seu conhecimento? Ou simplesmente em nome de uma pessoa “ “portadora de um suposto poder de saber”?

O Tillich, uma vez, falando sobre a mosca azul do “anseio de poder do homem em convencer o outro”, disse uma grande verdade teológica e psicanalítica:

“Quando acreditamos que tomamos (por nós mesmos) decisões livres, algo nos aconteceu que as orientou antes de agirmos”

Digo que essa redescoberta de que existe em nossa mente um porão desconhecido é teológica e psicanalítica ao mesmo tempo, porque ela inclui a ilusão da liberdade no sentido absoluto em que pensamos.

P.S.:

Quem sabe, Leo, se esse meu ensaio contra o poder das griffes, inconscientemente, não tem a ver com as griffes gospel que tanto combatemos em nossos blogs? (rsrs)

Seus contrapontos ao texto foram bem vindos e serão objeto de minhas reflexões.

A casa aqui é sua. Apareça mais vezes.

Abraços,

Donizete disse...

Caro Levi.
Excelente como todos os seus artigos. Leio-os sempre no blog da confraria. Qualquer hora volto com mais tempo para quem sabe eu reúna condições de dar os meus pitacos nos seus textos que vão além da minha capacidade.
Um abraço.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Prezado Levi e demais,

Primeiramente eu gostaria de cumprimentá-los tanto pelo texto quanto pelos comentários que são de alto nível. Parabéns!

Vou tentar responder à pergunta se seria ou não uma "ingenuidade continuar sonhando com o poder ideal —, aquele que não necessita ser exibido?

Tenho pra mim que não seria uma ingenuidade porque, mesmo em se tratando de mais uma utopia humana, esta serve de combustível para modificarmos a realidade e, desta maneira, evitarmos o excesso de poder. Ou impedirmos que estabeleçam um culto ao poder conquistado. E aí o nosso mano Leonardo Gonçalves posicionou-se muito bem. Inclusive em admitir também que nos resta "viver o paradoxo".

No entanto, esta busca do poder ideal deve ser sempre muito cuidadosa. A cruz, que deveria representar o enfraquecimento, a modéstia e o reconhecimento de nossa dependência da graça divina, tornou-se o símbolo do poder cristão dos soldados na Idade Média que marcharam rumo ao Oriente em nome de uma fé cristã legalista.

Assim, penso que precisamos aprender a conviver com esta nossa vontade de potência e não nos deixarmos escravizar por ela. Pois devemos lidar com o poder como um meio destinado a cumprir um propósito já determinado e não um fim em si mesmo.

Abraços.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo! Refletindo de um modo mais concreto, penso que o poder estatal é algo que precisa ser reduzido, bem como os poderes econômico-social, religioso, profissional e patriarcal.

Como advogado lido com os supor poderosos juízes que, segundo uma piada, diferenciam-se dos desembargadores por um pequeno detalhe. Pois enquanto aqueles pensam que são deuses, estes têm certeza...

Hoje o Judiciário é uma amostra do que restou do velho absolutismo e que se impõe pelas antigas formalidades (desde a idumentária forense até no trato entre o magistrado e as partes e seus advogados). Atrás de uma toga, juízes têm dificuldades de se verem como meros funcionários públicos e se apegam excessivamente ao cargo (houve até um magistrado que processou o seu condomínio para que fosse chamado de "doutor").

Se fossem casos excepcionais, talvez seriam hipóteses para uma terapia psicológica. Porém, o fato é que o apego dos juízes ao poder acaba sendo uma constante. Ainda mais porque eles não são eleitos e não precisam interagir com o público para se manterem no cargo, o que faz do magistrado um sucessor dos velhos monarcas luso-brasileiros...

Outrossim, percebo que, se algum juiz tenta se tornar mais acessível, ele pode não ser devidamente respeitado. Eu mesmo como advogado já percebi que se vou a uma audiência de terno e gravata, conforme é costumeiramente exigido, sou melhor respeitado pelos clientes, pelos juízes e demais pessoas. E, se entro em determinados locais com este uniforme, os seguranças pouco se interessam por me indagar no detector de metais e o atendimento é melhor.

Assim como os magistrados só têm poder porque nós ajuizamos nossas demandas e os políticos porque são eleitos, penso que muitos símbolos de poder apenas ganham alguma significação porque nós assim reconhecemos. E aí, se passarmos a entender que muitos poderes nada mais são do que expressões ficcionais, poderemos ir nos desintoxicando do excesso.

Abraços.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Escrevi um texto hoje em meu blogue onde trato da questão das algemas e também das prisões:

"As penas de prisão e as algemas precisam ser revistas!"
http://doutorrodrigoluz.blogspot.com/2011/08/as-penas-de-prisao-e-as-algemas.html

Levi B. Santos disse...

Prezado Donizete

Sinta-se em casa.

Pode mandar brasa nos pitacos , pois eles são a razão maior da existência desse recanto do Google (rsrs).

Aguardo-lhe ansiosamente.

Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

Rodrigão

Seus lúcidos comentários deram mais embasamento e realce ao tema que propus discorrer.

Agradeço muitíssimo a sua valiosa colaboração.

Quanto ao seu texto sobre "Penas de Prisão e Algemas", deixei lá o meu recado meio ácido (rsrs)

Abraços,

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Prezado Levi,

Li sua contribuição ontem no meu blog. Ficou show!

Na verdade, eu te mencionei este texto por causa do artigo anterior que você tinha escrito aqui sobre as algemas. Então achei melhor escrever um artigo onde pudesse expor melhor a minha posição a respeito desses assuntos e, como pôde perceber, gosto de buscar embasamentos históricos.

Abraços.