28 setembro 2011

A MAIS BELA HISTÓRIA - DE UM POETA “ATEU”




Que empreendimento extremamente difícil e ingrato é o de se imbuir da tarefa de rotular o OUTRO, de querer conceituar o diferente. Sempre que emitimos um conceito sobre alguém caímos na vala comum do preconceito e da falsidade, pois nada sabemos da subjetividade daquele que nos é estranho. No meio religioso fundamentalista é comum se pensar que aquele que é rotulado de ateu não combina com o supostamente cristão. Ora, se estudássemos com afinco a vida real das pessoas no surpreenderíamos, pois, com certeza iríamos encontrar muitos ateus amorosos que se preocupam com o bem estar do outro, mais do que aqueles que se dizem cristãos.

Se analisássemos as obras poéticas de alguns rotulados de ateus, não demoraríamos encontrar em suas palavras, raios de uma linguagem divina.

Quem em sã consciência poderia dizer que da mente de um poeta considerado "ateu", poderia um dia brotar pérolas dignas de registro em qualquer livro sagrado? Aliás, o poeta, é aquele que tem o dom de, através da força de uma persuassão leve e suave, tocar a face do “divino”. É aquele que torna sagrado os lugares profanos; que faz a lama da estrada dos seus pensamentos tornar-se pura como a água e bem alta como o céu.

Todo este preâmbulo foi no sentido de trazer à tona a razão maior dos evangelhos traduzida em poesia, pela pena do genial discípulo “ateu”, Fernando Pessoa.

Quem já se debruçou sobre as poesias desse poeta português, creio eu, não pode negar que elas têm o condão de tocar profundamente no âmago da alma humana.

Foi ele, de longe, quem fez a mais humana e a mais bela narrativa do menino Jesus, que nenhum cristão jamais ousou fazer, digna de ser canonizada e colocada em letras garrafais nas primeiras páginas do livro que conta as boas novas de Cristo — O Novo Testamento.

Como não poderia deixar de ser, a maravilhosa voz de Maria Bethânia, foi a única que se enquadrou para, numa magistral interpretação, transmitir com emoção ímpar as mais belas palavras já escritas sobre o menino que fugiu do Céu.





Poema do Menino Jesus (Fernando Pessoa)


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

24 setembro 2011

A IGREJA – Segundo Escreveu Dostoievski


Fiódor Dostoievski (1821-1881), foi o autor da fenomenal fábula — “O Grande Inquisidor” —, que pode ser considerada um dos pontos mais altos da literatura mundial. Essa história faz parte de um dos capítulos de sua fantástica obra: “Os Irmãos Karamazov”.

O interesse do famoso autor russo foi o de questionar a Igreja católica de seu tempo. Na sua crítica instigante, ele mostra como a instituição religiosa rejeitou a mensagem de Cristo, trocando-a pelo poder político e eclesiástico.

Olhando o atual mercado religioso que sobrevive graças à exploração do “divino”, achei conveniente trazer ecos da emblemática fábula escrita por Dostoievski, visando uma reflexão acurada sobre a religiosidade tão intensamente apregoada de forma desequilibrada em todos os rincões de nosso imenso país.

Richard Elliot Friedman, autor do livro ― “O Desaparecimento de Deus”, da Editora Imago (páginas 209 à 210) ―, expõe com primor os pontos principais dessa emblemática fábula:

Dostoievski (*) apresenta “O Grande Inquisidor” como uma história em forma de “poema e prosa” criada por Ivan, o irmão ateu, que a conta a seu irmão mais novo, Aliocha, o aspirante a sacerdote.

Na história, Jesus volta à terra durante a inquisição espanhola. A narrativa é inserida no contexto da ocultação da face de Deus, quando Ivan diz na introdução: “Quinze séculos se passaram desde que o homem parou de ver sinais vindos do céu”.

“E agora, a divindade aparece novamente entre os homens naquela forma humana em que Ele por três anos conviveu no meio dos homens quinze séculos atrás”. O visitante divino realiza milagres: um cego recupera a visão; uma criança ressuscita. Todos o reconhecem. E, então o velho cardeal que comanda a inquisição o e manda que o capturem e o tranquem na prisão. Na cela da prisão Jesus não diz nada; na verdade, o inquisidor é quem ordena que ele não diga nada, pois “Vós não tendes o direito de acrescentar coisa alguma ao que já dissestes no passado”. “Por que viestes agora para nos atrapalhar?” — diz o inquisidor para Jesus. Nos evangelhos são os ‘demônios’ que fazem esse questionamento a Cristo. E aqui, vai uma crítica ferrenha do autor da fábula, ao Catolicismo Romano: a idéia de que Deus não pode falar nem se intrometer, porque agora “Tudo já foi transmitido por Vós ao Papa, não havendo necessidade alguma de Virdes atrapalhar. “Mas a liberdade é muito difícil e assustadora para as massas, diz o inquisidor, e então a igreja aceitou os três assombrosos presentes do diabo, o “poderoso espírito”.

Em um trecho da narrativa, o Grande Inquisidor diz então a Jesus que ele errou quando resistiu às três tentações do diabo no deserto. O diabo lhe ofereceu milagre, mistério e autoridade, e Jesus os rejeitou. Mas, revela o velho cardeal, a igreja os aceitou. A igreja governa as massas exatamente através do milagre, do mistério e da autoridade; é disso, argumenta o cardeal, que as massas precisam.

Jesus não quis conquistar as pessoas através de atos milagrosos e dominá-las pelo poder; ao contrário, queria que elas tivessem liberdade de escolha.

Por fim, o cardeal declara que o invasor divino deve ser queimado na fogueira no dia seguinte. Mas Jesus ainda calado, apenas se limita a beijar o inquisidor nos lábios — “Essa foi a sua única resposta”. O Grande Inquisidor então abre a porta da cela e diz: “Ide e não volteis mais... não volteis jamais, nunca mais”. E o visitante divino vai embora.

Numa época em que as pessoas não anseiam por outra coisa que bens materiais e misteriosas curas, a fábula de Dostoievski ainda tem o condão de tornar lúcido ou claro que a mensagem do Messias Judeu não foi a de pregar a medíocre liberdade idealista da felicidade terrena a todo custo. Infelizmente, a “autoridade eclesiástica” da modernidade se apossou do “...e sereis livres”, com a finalidade espúria de saciar sua sede de domínio psicológico, político e econômico sobre as mentes receptivas, valendo-se de uma ordem supostamente "celestial" pré-estabelecida em épocas remotas.

Uma liberdade que se centra em um objetivo supérfluo como o de adquirir, de possuir, obter lucro, e o de produzir espetáculos em nome de Deus, não é realmente uma liberdade, é sim, uma alienação.


(*) Dostoievski morreu em 1881. Na juventude passou maus pedaços: doença, pobreza, uma sentença de morte aos vinte e sete anos, acorrentado entre criminosos inveterados na Sibéria. Esse período de sua vida foi decisivo. Foi quando descobriu a força de sua intuição psicológica; mais ainda, foi quando seu espírito se tornou mais doce e, ao mesmo tempo, mais profundo. [Carta a Gast, de Nice, publicada em 7 de março de 1887] . FONTE: “Um Mistério Divino” — Richard Elliot — Editora Imago


Por Levi B. Santos

Guarabira, 23 de setembro de 2011

18 setembro 2011

QUEM É ESSE HOMEM?!



Que homem é esse

Que apesar de todos os sucessos de fachada

Sente-se amputado de uma parte importante de si?


Desta obra de arte que é a VIDA

Somos nós mesmos os autores?

Se das lembranças de minhas angústias primitivas

O desejo de tecer minha poesia, nasce

É pelo anseio que o OUTRO a analise e a explore.


Por que embelezo o material dos meus sonhos?

É o desejo de atrair do OUTRO a simpatia?

Ou busco no seu passado impressões que também são minhas?


Se a força que se alevanta a partir dele

Faz remexer meu baú de esquecidos fragmentos

Melhor que eu veja o que é comum em todos

Para em um só momento não hesitar

De compreender-me na animosidade.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 18 de setembro de 2011

Site da imagem: coisasdeti.blogspot.com


12 setembro 2011

O Humano em KING KONG




Por que os contos e mitos que usam animais ferozes em seu enredo nos atraem tanto?

Talvez, por serem movidos pelos instintos selvagens é que esses monstros vêm encarnar o que há de mais primitivo em nós.

Perguntado sobre o que havia de tão atraente no conto do Gorila gigante — King Kong, o cineasta, Peter Jackson autor da nova versão da odisséia desse macaco gigante no cinema, conta que o original dessa história já o fascinava desde os 12 anos de idade.

Num nível mais profundo, o combate entre o homem e os monstros jurássicos, que simbolizam a natureza no que ela tem de mais violento e selvagem, talvez esteja no cerne dos nossos anseios mais arcaicos, uma vez, que o projeto humano é o de tentar dominar as forças naturais, colocando-as a seu serviço.

Segundo o psicanalista, Renato Mezan, a história de King Kong nos captura porque encena um roteiro arquetípico gravado em nosso inconsciente — e, tomados de terror e de piedade, como desde que se inventaram as epopéias e as tragédias são tomados espectadores, ouvintes e leitores –– percebemos que é de nós que se está falando: do homo sapiens, o mais feroz dos animais”.(*)

Quem assistiu a esse filme deve está bem lembrado da sexualidade incontrolável e o gozo do domínio presentes nas feições do Gorila diante de sua presa: uma moça, Ann, indefesa, um tanto estúpida, de tamanho minúsculo em relação ao corpo do monstro, mas despertadora da libido masculina cega e brutal. Do Gorila, apesar de tratar a moça com doçura, salvando-a de vários perigos, não se pode concluir que ele a ama. Talvez a “ame” porque a considera sua dama, sua presa.

Para Renato Mezan, o Gorila representa nossos instintos animais, ou quem sabe, a figura do pai primordial, cujo assassinato marca para Freud o início da civilização, a insensibilidade e a truculência dos personagens “civilizados” reafirmam uma verdade incômoda: sob a fina camada da cultura adquirida em uns poucos de milênios, subsiste em nós a virulência das paixões primitivas. Mesmo projetadas num primata pré-histórico, elas não deixam de ser ameaçadoras — e, por isso mesmo, fascinantes em sua crueza originária”.(*)

Quem sabe se de uma maneira inconsciente, o fascínio que faz parar a respiração de cada espectador de King Kong, esteja servindo de catarse, ao nos mostrar o que somos na realidade. Essas duas partes interagem em nós num todo inseparável: Ann, a moça frágil que desperta piedade e King Kong, simbolizando a força e a brutalidade, na verdade, destacam as nossas facetas paradoxais —"somos uma espécie única que tem um lado biológico e de instintos, e outro simbólico e cultural".

Pensar o selvagem é pensar o homem. King Kong repete a narrativa mítica dos velhos contos de fadas, cujas complexidades apontam para os conflitos de nosso aparelho mental. Cada adulto, ao revê esse filme, sem sombra de dúvida, está revisitando a criança de peito que exorcizava seus demônios e seus medos; que projetava seus anseios nas figuras míticas dos fenomenais contos infantis. Aquelas fantasias, para o "bem" ou para o "mal", continuam emitindo ressonâncias no imaginário singular e fundamental de cada um de nós, adultos.

Em suma, a epopéia de King Kong, nada mais é que um sucedâneo dos velhos e maravilhosos contos de fadas, que ainda tem o condão de provocar em nós um apaziguamento das ansiedades geradas a partir da impossibilidade de nos completarmos no plano real.



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(*) MEZAN, Renato - Intervenções [pag. 284 e 286] – Editora Casa do Psicólogo, 1ª Edição 2011


Site da imagem: c7nema.net


Por Levi B. Santos

Guarabira, 12 de setembro de 2011

06 setembro 2011

“Castigo Divino” — Combustível da Política Ocidental


Não tenho dúvida de que o desejo de todo “poder político” do mundo ocidental tem como base um deus talhado segundo os anseios humanos. O essencial aqui é mais a profundeza de uma inconsciência que, a partir da impressão de um deus intolerante, faz o homem revelar-se a si mesmo.

A destruição das Torres Gêmeas nos EUA, que esta semana completa dez anos, ainda emite ecos ou ressonâncias do inconsciente coletivo religioso do tempo das leis Mosaicas.

Segundo grande parte do mundo muçulmano, essa catástrofe foi resultado de uma intervenção de Alá, contra os pecadores americanos. Segundo Bush, ex-presidente dos EUA, tudo foi obra de Satã (que mora do lado de lá) para amedrontar o povo cristão que nos EUA tem o seu maior centro.

Mas há algo mais profundo por trás de todo este contexto de destruição do mal pelos deuses; algo mais maléfico, que é o uso das hecatombes e tragédias para fins político-eleitoreiros.

Note-se que existe sempre uma correlação estreita entre o ato de “satanizar” e o de “divinizar”. Afinal, a “divindade” se enriquece daquilo que o homem inconscientemente projeta sobre o outro, seu inimigo.

Esta semana, o “modus operandi à la Javé” foi exercitado por nada mais e nada menos que a pré-candidata à presidência dos EUA — Michele Bachmann, ao interpretar o terremoto e o furacão que, recentemente, atingiram a Costa Leste desse país, como um aviso de Deus aos americanos.

Disse ela, na velha e corriqueira linguagem do discurso neo-pentecostal:

“Não sei o que Deus deve fazer para chamar a atenção dos políticos. Tivemos um terremoto, tivemos um furacão. Ele está dizendo: vão começar a me escutar?”

Política e Religião aqui se entrelaçam para manter a sua dominação psicológica sobre as pessoas. Não existe maior filão para ser explorado pelos governantes, do que o de se valer dos fenômenos trágicos para atiçar o medo e a consequente agressividade entre grupos religiosos/políticos rivais.

Não são poucos os pastores fundamentalistas nos EUA que alcançaram êxito político ao invadir os meios de comunicação para doutrinar a população americana (os eleitores) na luta contra o “Império do Mal”.

A Michele Bachmann, nesse mês (setembro de 2011) em que a nação rememora as perdas de quase 3.000 vidas, nada fez senão o papel de uma pré-candidata “Cristã” à Presidência dos EUA, apoiada talvez pelos crentes fundamentalistas novos e velhos, e os endinheirados pastores da linha dura Javeliana.

Nesse momento, para gáudio dos americanos feridos em sua auto-estima, não havia presente maior do “deus dos exércitos americanos”, do que esse: a deposição recente do sanguinário Muammar Kadhafi, da Líbia. Não importa, para os soldados de Obama, que o substituto do ditador Líbio seja um outro sanguinário ao estilo “democrata-cristão”. O que importa, por enquanto, é ver a maior nação cristã do planeta (com seu deus Javé), se sentir vingada dos estragos causados pelo exército inimigo do general Alá.

Quanto a Cristo, personagem secundário, e portador da mensagem do “se alguém te bater no rosto, ofereça a outra face”, deixa pra lá...


Por Levi B. Santos

Guarabira, 06 de setembro de 2011

Site da imagem: livrepensar.wordpress.com