09 dezembro 2011

Ali Bem Perto do Rio Jordão




O Rio Jordão, onde os evangelhos contam que Jesus foi batizado, deságua no Mar da Galileia junto a pequenos rios que descem das Colinas de Golan (antes denominadas, Colinas da Síria). As Escrituras narram que foi ali nos arredores do mar da Galileia ou lago de Genesaré, a poucos quilômetros da Síria, que Cristo teria recrutado quatro dos seus doze apóstolos, para uma missão que duraria três anos.

O solo dessa região faz parte do “crescente fértil” ― a antiga Mesopotâmia ―, terra “maldita” e “sagrada” de deuses antagônicos que, desde os tempos de Noé, vem sendo alimentada e encharcada com o sangue dos seus descendentes em conflitos infindáveis.

Ao introjetar em suas mentes um deus que exclui o diferente, três religiões e muitos profetas transformaram a região considerada o berço da civilização, em um verdadeiro inferno. Mas os cruzados, de ontem e de hoje, não entendem que os inimigos aos quais desejam destruir, são apenas “espelhos” que refletem o próprio “lado mal” de sua natureza. Que bom seria se eles pudessem conceber a fé religiosa como um diálogo entre o homem e seus próprios “sentimentos de dependência”. Quão bom seria se, a invés de repelir uma parte inerente de si, o religioso entendesse que o dinamismo da alma, gira, graças aos dois pólos opostos intrínsecos da natureza humana.

Por felicidade, os poucos e frágeis momentos de paz entre os povos desse inóspito e cálido deserto têm funcionado como um “oásis”, como um bálsamo fugaz entre fratricidas, naquilo que nesses 2.000 anos de história, resumiram em uma palavra que nem eles acreditam mais — Armistício.

Ao invés da paz interior entre os nossos afetos opostos, pregada pelo pacificador, cognominado como o Messias ― Jesus Cristo, filho do casal Maria e José ―, o que se vê, é o que Freud denominou de “instinto de morte ou destruição”, uma carnificina provocada pelo fanatismo religioso inconseqüente, em que cada grupo de guerreiros ferrenhos rivais crê que fala e luta por Deus.

O jornalista e sociólogo, Ali Kamel, em seu livro “Sobre o Islã” (Editora Nova Fronteira), disse uma verdade insofismável: “para os extremistas religiosos desse deserto fértil, não há diferença entre matar dezenas, ou morrer para matar milhares”

Desta vez, é a Síria (Capital – Damasco) que está em guerra civil que na semana passada atingiu o seu ápice. O cientista político carioca, Paulo Sérgio Pinheiro, que comandou uma equipe do Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar a situação nessa região, dá conta de que, 4.000 pessoas, dentre elas 307 crianças entre dois e catorze anos foram cruelmente torturadas antes de serem assassinadas. (leia aqui a reportagem)

Paradoxo dos paradoxos: muitos, nessa época, extasiam-se percorrendo os embelezados shoppings decorados com temas natalinos, ficam deslumbrados com o espetáculo das luzes coloridas que piscam, ininterruptamente, nas noites engalanadas de suas cidades, encantados com os Papais Noéis que fazem a alegria da garotada do mundo ocidental, a deslizar em trenós entre artificiais estrelas cintilantes e gigantescas árvores da Natal. Enquanto, ali, bem perto do Jordão (rio considerado sagrado pelos cristãos), o que está a ocorrer não é um solene batismo nas águas, como foi o de Cristo ― personagem principal de uma tão sonhada fraternidade entre judeus e gentios ―, mas um batismo de sangue de inocentes crianças que nem ao menos sabem por que estão morrendo.

Relatam os evangelhos que sobre esse Homem sofredor, pesaram os anseios de um povo por um messias que restauraria Israel do jugo Romano. No mais íntimo do nosso ser, ainda reverberam as palavras desse Homem que, lá do alto de um monte, ao avistar a Jerusalém das classes dominadas, entre lágrimas de impotência, fez ecoar: “Quantas vezes eu quis juntar os teus filhos, como a galinha junta os pintinhos seus debaixo das asas, e tu não quiseste”


Ali, na Síria, bem perto do Rio Jordão, onde o intitulado “Filho do Homem”, de 30 anos de idade, iniciava seu périplo em prol da paz e da fraternidade entre as gentes de um mesmo sangue, neste momento, o governo do tirano e insano Bashar Assad, está a metralhar o seu próprio povo nas ruas e nas praças, num quadro não tão diferente daquele do início da era cristã.

Apesar de ter sucumbindo com requintes de extrema brutalidade aos 33 anos de idade, o Homem de Nazaré deixou um legado de vida, que fendeu a História em dois períodos: “Antes” e “depois” Dele.

De Jesus, se diz que sofreu a oposição do espírito de sua época. Tenho uma leve impressão de que o espírito transvestido de natalino, que no mês de dezembro move o mundo ocidental, é o mesmo que incomodou João Batista e o Homem de Nazaré.


P.S.:

Bateu-me uma imensa vontade, e eu não resisti à tentação de, duas semanas antes da ceia íntima e familiar do próximo dia 24, compartilhar com os amigos, um vídeo de Arnaldo Jabor, que trata de mais uma reedição do insolúvel e violento conflito que agora, tem como palco a Síria, ali, bem perto do rio Jordão, onde o filho do carpinteiro José, foi batizado pelo destemido João Batista ―, profeta que mais tarde foi degolado por não compactuar com o corrupto rei Herodes.




Por Levi B. Santos

Guarabira, 09 de dezembro de 2011


Site da imagem 1: ebdweb.com.br

Site da imagem 2: noticias.uol.com.br

Site da imagem 3: http://veja.abril.com.br

5 comentários:

Guiomar Barba disse...

Levi meu amado, você escreve com tanta alma, que fica difícil não perceber que o homem de Nazaré faz uma revolução dentro do seu ser.

Levi o que mais me dói é que por lá a guerra apesar de demasiadamente cruel, é verdadeiro nos corações que estão fazendo por amor ao seu Deus.

Estes dias tenho pensado que nós, os que nos dizemos cristãos, estamos tão aquém do amor pregado pelo Nazareno. Tudo gira só em torno de igreja e obediência ao que interessa. O amor que é a máxima cristã é negado em todas as suas formas.

Eu amo o natal, o colorido, mas sei que é comércio, festa apenas.
Beijo.

Eduardo Medeiros disse...

Levi,

você expõe magistralmente esses dois momentos; o Nazareno chorando por Jerusalém e as crianças sírias morrendo sem saber por quê.

Tudo é muito triste. Não sei até onde essa "primavera árabe" vai chegar. O comentário do Jabour é também esclarecedor.

ah, gostei da "piada do dia". rs

Levi B. Santos disse...

Guiomar


O choro de impotência de Jesus, diante do instinto de destruição do homem, ainda reverbera lá na "terra santa", e aqui no nosso solo do evangelho da prosperidade.

Infelizmente... (rsrs)

Levi B. Santos disse...

Edu

Realmente tudo é muito triste: tanto o texto postado, como a piada do poderoso Silas (rsrs)

Jesus queria juntar e não pode

Já o Silas quis juntar e pode... (rsrs)

guiomar barba disse...

Levi, seria impotência ou respeito pela decisão dos homens?

Abraço e feliz natal para você e toda a sua família. Te amo.