25 julho 2013

“Mais Médicos” ― Para Acalmar as Ruas




Foi Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), que editou o extravagante manual político ― “O Príncipe” ―, ainda em voga em nossas plagas, cujo conteúdo está repleto de astutas lições marqueteiras sobre como devem agir os reis, imperadores e príncipes, diante das massas sublevadas. Esse conselheiro político, diante da situação de inconformismo do povo, fez ver como as autoridades opressoras de sua época deveriam comportar-se: ante o povo insatisfeito deveriam lançar mão de medidas que apesar de ter fundo ilusório ― pudessem ter o condão de deixar as massas momentaneamente satisfeitas ou anestesiadas.

A frase maquiavélica usada para desviar a atenção da população do real problema de descaso no campo da Saúde Pública eu encontrei bem no miolo do discurso de lançamento do “Programa Mais Médicos” da atodoarda base aliada de um Governo que está, fale-se a verdade, com a cabeça inteira na campanha pela reeleição:

“Mas nós precisamos admitir, honestamente, que algo deve ser feito para que todos os brasileiros tenham direito a um médico, e é disso que se trata, se trata de garantir que todos os brasileiros tenham direito a um médico” ― disse a presidenta, omitindo a gravidade do gargalo entupido de uma garrafa, denominada SUS.

Aos sessenta e seis anos, como médico ginecologista, quero aqui enfatizar que fornecer uma medicina de qualidade, independe da distribuição de médicos generalistas indiscriminadamente por nossos rincões, como quem oferece pirulitos para agradar crianças.  As pessoas, cara presidenta, estão protestando nas ruas justamente por não aceitar mais os ditames do manual de Maquiavel. Elas parecem, presidenta, que resolveram deixar de ser massa de manobra. Tentar tapar o sol com uma peneira, escondendo da população os verdadeiros gargalos do sistema perverso dos atuais serviços de saúde, é o mesmo que brincar com fogo. Entenda, cara presidenta, que as pessoas desassistidas estão mandando-lhe um recado duríssimo: não aceitam mais profissionais de saúde a passar mezinhas e medidas paliativas, fazendo de conta que estão tratando-as. Elas já sabem, presidenta, que  estão a necessitar de cuidados de médicos especialistas. Elas já entendem o que faz um gastrenterologista, um colposcopista, um cardiologista, um reumatologista, um urologista, um nefrologista, um infectologista, um neurologista, um endocrinologista, um cancerologista como o que recentemente fez com sucesso o seu tratamento.

Já se foi aquele tempo, cara presidenta, em que como urgentista numa Maternidade recebia louvores e aprovação por fazer a anestesia, a cesariana e os cuidados ao recém-nato da parturiente tendo apenas uma auxiliar de enfermagem ao meu lado no centro cirúrgico.

Sabia, cara presidenta, que no linguajar nordestino, uma das frases que mais ouço em minhas atividades na Prevenção do Câncer Cérvico Uterino, é esta: “nós não somos mais bestas!”?

No meu campo de atuação, cara presidenta, as pessoas não aceitam mais saber que é suspeita de ser portadora de Neoplasia Epitelial Cervical e ter que esperar cerca de três meses para receber o resultado de sua biópsia de Colo uterino.

É triste, cara presidenta, constatar que seu “Programa Mais Médicos”, a meu ver de franca aparência eleitoreira, esteja esvaziando as policlínicas municipais, impedindo os médicos especialistas de, semanalmente ou quinzenalmente, saírem de grandes centros populacionais, para prestar um atendimento condigno às pacientes que não têm meios de tratar de suas específicas patologias longe da cidade onde residem.


Por Levi B. Santos (CRM/PB 900)

Guarabira, 25 de julho de 2013


Site da Imagembigfull.wordpress.com

9 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa tarde, Levi. No artigo É preciso ponderação diante dos protestos de branco, publicado em meu blogue no dia 17 deste mês, enfrentei as seguintes questões:

1) O nosso país tem um número de médicos relativamente baixo, na proporção de 1,8 para cada mil habitantes, o que é pouco se comparado com países desenvolvidos como a Inglaterra onde o índice é de 2,7.

2) As faculdades de Medicina hoje existentes não conseguem dar conta da demanda! Para as 147 mil novas vagas no mercado de trabalho, surgidas nos últimos dez anos, apenas 93 mil profissionais foram formados neste período.

3) A distribuição de médicos pelo território nacional chega a ser bem desigual. Existem 1.900 municípios com menos de um médico por 3 mil habitantes. Sem esquecermos que, até nos próprios grandes centros urbanos, temos unidades com carência de profissionais nos bairros de periferia.

Entretanto, concordo que APENAS aumentar a quantidade de médios não resolve e para isto a presidenta está aumentando a quantidade de recursos para a saúde. Questões como as condições de trabalho, melhores meios diagnósticos, mais leitos e hospitais não estão sendo esquecidas pelo Palácio do Planalto e penso que a população deve dar o seu voto de confiança.

Evidentemente que melhorar a saúde significa mexer com certos interesses. Tanto os corporativistas (vindo mais médicos do exterior, a remuneração da categoria pode ser reduzida) quanto os planos de saúde, os quais sabem que o SUS é maior concorrente deles. Pois se os hospitais públicos melhorarem, ninguém mais vai precisar da Golden, Unimed, do Bradesco e outros meios de saúde complementar que precisarão investir mais na qualidade de seus serviços para manterem a clientela. Penso que, se os conselhos de Medicina não tivessem boicotado tanto novos cursos universitários, talvez o Brasil não precisasse agora importar mão-de-obra.

Sem dúvida, precisamos, sim, de mais médicos. Nisto eu tô com a presidenta.

Abraços.

Levi B. Santos disse...

Faltou você falar, Rodrigo, sobre o grande gargalo que cada vez se estreita mais, à cada manobra que se faz em época de pré-campanha eleitoral . Uma coisa é “Mais Médicos”, outra coisa é “Mais condições dignas de trabalho para o médico”.

Reflita mais a vagar sobre o último parágrafo do texto que escrevi sobre o esvaziamento das Policlínicas municipais no interior do Estado.


Abçs,
Levi B.Santos

Levi B. Santos disse...

Se na cidade mundialmente conhecida como maravilhosa (Rio de Janeiro) os Hospitais estão sendo criminosamente sucateados (vide o link abaixo), avaliem a situação no resto do Brasil.

LINK:
https://www.youtube.com/watch?v=NyeS-9cozso

VERGONHA, VERGONHA!!!

guiomar barba disse...

Levi, tenho a impressão que em uma entrevista na TV na época de eleição, a presidente Dilma afirmou que o Brasil tinha médicos suficientes para a demanda, o que para mim pareceu absurdo.

Outra coisa, lembro-me que ela afirmou que o Brasil era o único país que oferecia remédios gratuitamente. Eu sei que nos EUA a pessoa a partir dos 60 anos, não compra mais medicamentos, recebe do governo, mesmo não estando legalizado no país. Na Inglaterra, segundo um amigo meu que teve
câncer, a qualidade do tratamento e internação grátis, é coisa pra fazer inveja a qualquer usuário de planos, no Brasil.

Levi B. Santos disse...

Guiomar

Veja só uma Prova da ineficiência e falta de seriedade dos gestores de saúde do Brasil:

Em Cuba cada médico formado é obrigado a trabalhar no bairro onde mora. O médico cubano tendo mais intimidade com o doente pelo fato de conhecer os habitantes vizinhos de sua residência encontra-se, dessa forma, mais habilitado a tratar das atenções básicas dos doentes que são conhecidos seus e pessoas de sua intimidade.

Importou-se o modelo cubano para o Brasil que só foi consolidando a partir de 1994 nos municípios e zonas rurais carentes do Brasil os famosos PSF (Programa de Saúde da Família) destinados ao atendimento de problemas de saúde da comunidade em torno do Posto de Saúde.

Mas ao contrário de Cuba, nenhum médico brasileiro depois de formado, trabalha no PSF do bairro onde reside. O Programa, ao que parece, foi totalmente desvirtualizado: Numa cidadezinha de 30.000 habitantes, os seus cerca de 6 postos de PSF são preenchidos por médicos de regiões distantes que não conhecem a problemática da população onde presta serviço.

Um agravante:

Os PSF foram criados para pessoas com doenças que deviam ser atendidas em ambulatórios, e dessa forma deixar os Hospitais livres para atender só casos de urgência e emergência.

Como no Brasil, quase tudo é feito sem o mínimo de planejamento e supervisão, aconteceu exatamente o contrário:

Os médicos não aptos que atendem nos PSF é que estão a abarrotar os Hospitais com encaminhamentos de casos que deviam ser atendidos nos próprios PSF. Para complicar mais ainda, os pacientes que não confiam nos PSFS, preferem passar horas e mais horas a frente dos Hospitais para ser atendidos, como se fossem casos de urgência. Durma-se com um barulho desses. Por sua vez, os PSF não têm como funcionar a contento, pois faltam pediatras para atender a grande demanda de crianças doentes e faltam obstetras para realizar o pré-natal das gestantes.


RESULTADO:

Depois da criação dos PSF, houve aumento ao invés de haver diminuição de pessoas à procura dos Hospitais para sanarem seus problemas. Tornaram cômico aquilo que era trágico.

Levi B. Santos disse...


Até que enfim um ponto positivo (mesmo com falta de controle e supervisão por parte dos órgãos superiores):


Os Estados, são obrigados por lei a fornecer medicamentos gratuitos a portadores de doenças excepcionais através do programa CEDMEX.

Levi B. Santos disse...

Colocar um médico no interior, que já tem os PSF, é demagógico.

No “Programa Mais Médicos”, a única coisa que o profissional de saúde poderá fazer no atendimento aos casos graves e crônicos (que são muitos) será colocar o paciente numa ambulância e mandar para especialistas em Hospitais sucateados e superlotados de outra cidade”.

Senhor ministro da Saúde, acorde, e não brinque com a inteligência do povo brasileiro. As placas dos manifestantes nas ruas pediam: HOSPITAIS PADRÃO FIFA. Ou está dando uma de esquecido?


Veja e reflita bem sobre o link do vídeo que vai abaixo:


http://www.youtube.com/embed/NyeS-9cozso

guiomar barba disse...

Levi, outra coisa que me preocupa são os interesses econômicos.
Sei por fonte segura, que na África os médicos cubamos não recebem o seu salário, que se não me engano deveria ser cinco mil dólares. O governo cubano fica com quatro mil e o pobre médico apenas com mil e o governo ajuda a família do médico que reside em Cuba com alguma migalha.
Fiquei tão indignada...

Levi B. Santos disse...

"O gerenciamento ineficaz gera desperdício do já minguado dinheiro destinado à saúde pública. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Saúde deixou de executar cerca de R$ 17 bilhões disponíveis em seu orçamento.

Diante de tal quadro, afirmar que o problema principal do SUS é a simples falta de médicos é demagogia, um reducionismo de quem parece não ter capacidade de encontrar soluções para os reais problemas do setor. Pior, é trabalhar para jogar a opinião pública contra os médicos, que são tão castigados por esse sistema quanto os outros profissionais de saúde e a própria população, essa sim a maior vítima"
.


FONTE:

A Medida da Mentira
(Publicada hoje na Folha de SãoPaulo) e reproduzida no Blog do Murilo, cujo link segue abaixo:


http://avaranda.blogspot.com.br/2013/07/a-medida-da-mentira-florisval-meinao-e.html