20 abril 2016

A Nossa "Inevitável Imparcialidade"






Ao ser acusada recentemente pelo bloco governista de que não tinha isenção para ser relatora do processo de impeachment da presidente da república no Senado, a senadora Ana Amélia, do PP (bancada que fechou questão em favor da saída da presidente), prontamente respondeu: “Todos tem lado no Congresso.” (Vide Link)

A descoberta da instância psíquica que Freud denominou inconsciente golpeou profundamente o conceito de que a vontade é autônoma. O que ele queria dizer com isso? O pai da psicanálise foi um dos primeiros a reconhecer nas abordagens analíticas aparentemente “imparciais” de seus clientes, a presença ocasional de alguns derivativos inconscientes que irrompiam através do seu profissionalismo, no que ficou conhecido em psicanálise como “Contratransferência”. É através da contratransferência que deixamos escapar verdades inconvenientes que, defensivamente, nós não queríamos que viessem à tona.

Daniel Kessler de Oliveira, em seu artigo “Razão e Emoção no Ato de Julgar” diz algo para se refletir, principalmente, em meio a um julgamento jurídico-político como esse do impeachment da presidente: “Durante muito tempo se tentou racionalizar as decisões judiciais, obviamente que devemos estar cientes de que atrás deste ato jurídico, existe uma gama de aspectos subjetivos inerentes a pessoa do julgador, que não podem ser ignorados, até mesmo pelos graves efeitos concretos que projetam na vida das pessoas. Durante muito tempo se tentou racionalizar as decisões através do velho paradoxo: 'Razão X Emoção', como estas se encontrassem em polos contrapostos e fosse necessária a eleição entre um e outro.

Para embasar mais seu trabalho, Daniel Kessler, acrescenta um trecho emblemático da lavra de Eugênio Fachini Neto sobre a “Função Jurisdicional e a Subjetividade: “Pois o juiz é um ser humano e mesmo não querendo, mesmo que não tenha plena consciência disto, ele não consegue afastar uma enorme carga de subjetividade na sua função de julgar”. Sobre essa mesma questão, o mitólogo americano Joseph Campbell, numa forma agradavelmente junguiana, fez essa afirmação: “No reino humano, abaixo do solo do comparativamente ordeiro e pequeno recanto que chamamos consciência, encontram-se insuspeitas cavernas de Aladim. Mas não são apenas joias que lá se encontram, há gênios perigosos também: os poderes psicológicos inconvenientes ou recalcados que não pensamos ou ousamos integrar às nossas vidas”.

Para driblar a imparcialidade inevitável de todos os possíveis relatores, o importante é fazer um relatório equilibrado” disse a senadora Ana Amélia na sua recente fala. Do ponto de vista psicanalítico faria mais sentido trocar aqui a expressão "imparcialidade inevitável" por "imparcialidade (des)humana".

A escolha da relatoria no caso da senadora, obedeceu a um critério consciente e lógico: das duas maiores bancadas parlamentares é que sairia o relator do processo de impeachment. Mas qual o manejo que o julgador fará para fugir da tal contratransferência, sabendo que pela leitura psicanalítica, a consciência é apenas a ponta de um iceberg cuja maior porção ou força maior está submergida nas profundezas obscuras da psique? Não devemos deixar de ressaltar que em momentos de tensão ou de grave crise, poderosas influências vindas desse sótão psíquico esquecido afluem para turvar o terreno já escorregadio da consciência, como estivessem a desmentir a nossa lógica comum ou utópica de que somos seres imparciais.

Como em Psicanálise se busca sempre “o não dito” oculto na fala do sujeito ou nas entrelinhas do que ele falou, pergunta-se: Será que a expressão “driblar a nossa inevitável imparcialidade” (especialmente o termo driblar”) entendida de forma metafórica ou psicológica, não teria o significado de uma jogada de efeito ou uma finta para aplausos de uma exigente torcida?


Por Levi B. Santos
Guarabira, 20 de abril de 2016 

Site da Imagem: canaldootario.com.br 

10 abril 2016

É Tempo de Rever Justo Veríssimo


Site da Imagem: coisasdecajazeiras.com.br


Nunca antes na história de nosso país” um humorista retratou tão bem o nosso risível cotidiano quanto Chico Anysio(no dia 12 de abril de 2016, completaria 85 anos). Para caricaturar os diversos tipos do “homem cordial brasileiro” dentro da sociedade, o rei dos humoristas criou mais de duzentos personagens.

Para quem não lembra, foi nos anos de chumbo da ditadura militar que, Chico, com ousadia incomum, criou o personagem Justo Veríssimo. Segundo David Rêgo, antropólogo e cientista político da UFRN, esse personagem foi inspirado a partir de uma conversa que Chico teve com Alceu Valença. O cantor e compositor pernambucano revelou ao humorista que em seu Estado havia um político que tinha horror a povo. O certo é que o “Eu quero é que o pobre se exploda!”, dito pelo deputado caricaturado, de forma ríspida, no final de suas aparições na TV, ficou conhecido nacionalmente como um dos mais risíveis e incisivos motes inventados pelo insuperável comediante. “Ao criar o personagem, Chico não tinha como intenção profetizar a respeito daquilo que aconteceria no Brasil” concluiu o cientista político da UFRN, em um artigo publicado em 13 de abril de 2015 no site cartapot!guar, sob o título Chico Anysio, Justo Veríssimo e a Caricatura da Política Nacional”.

No vídeo “Justo Veríssimo e a Corruptocracia” colhido no Youtube e replicado abaixo, o maior humorista de Nossa História, faz uma sátira irretocável desse tipo de parlamentar, quando ainda não se sonhava com mensalão, petrolão nem Operação Lava Jato. A sátira política na pele do corruptocrata Justo Veríssimo, na verdade, ratifica o que disse a filósofa política alemã de origem judaica, Hannah Arendt, no seu antológico livro, A Condição Humana: O desaparecimento do senso comum nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. Em toda crise é destruída uma parte do mundo, alguma coisa comum a todos nós.”

O rei, sábio e poeta bíblico, Salomão, evidenciando que tudo na vida é cíclico, como quem caminha num círculo e está sempre pisando por mares antes navegado, já dizia: “Nada há de novo debaixo do Sol”.

No vídeo postado, são imperdíveis as falas (aliás de fundo psicanalítico) de dois alunos do mestre em Corruptocracia, quando fazem uma revelação que Freud vivo fosse assinaria embaixo, sobre o “jeitinho bem brasileiro de levar vantagem em tudo”(A famosa Lei do Gerson). Sobre a nossa perversa tendência hereditária-cultural de querer levar vantagem em tudo e ser condescendente com atos antiéticos, a psicanalista Inez Lemos, em um artigo ao site “em.com.br/Política”, fez essa contundente observação:

Faltou-nos o significante paterno aquele que opera como referência simbólica na estrutura do sujeito”.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 10 de abril de 2016