03 janeiro 2017

Consulte o Google e Nada Lhe Faltará






O historiador Israelense, Yuval Noah Harari, autor de Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (Editora Companhia das Letras), em um artigo intitulado ― “Adeus Ao Livre-Arbítrio” ―, veiculado na última edição da Revista Veja do ano 2016, em rápidas pinceladas, discorre sobre o que ele considera um novo credo: o “Dataísmo”.

O Dataísmo percebe o universo como um fluxo de dados, veem os organismos como pouco mais que algorítmos bioquímicos e acreditam que a vocação cósmica da humanidade é criar um sistema de processamento todo-abrangente ― e depois fundir-se nele” ― diz o autor israelense.

Numa entrevista dada à Folha de São Paulo, há pouco mais de um mês, Yuval Noah acentuou que “a idolatria da informação, ou Big Data, pode substituir o humanismo liberal e tornar-se a “religião” do século XXI, com grave ameaça para aquilo que a ciência não consegue explicar com seus algorítmos: a consciência”.

Animados por dados de pesquisas comprovando que “estímulos de tecnologias digitais podem mudar o cérebro e a maneira como ele percebe as coisas”, os cientistas, de uma maneira geral, estão cada vez mais sonhando com o tempo em que a tecnologia desvendará, afinal, os segredos da alma humana.

Quem não se deslumbra ante a possibilidade de um dia ver a tecnologia do mundo virtual penetrar nas profundezas do cérebro humano para trazer, enfim, através de remodulações das conexões neurais, a tão sonhada felicidade? Freud concebia que o “princípio do prazer” regia o homem do seu tempo. Mas os deuses da religião advogavam e ainda advogam que o sofrimento é essencial para o amadurecimento. Lacan dizia que a falta ou vazio é que fazia nascer o desejo. Por essa época se pensava que a satisfação plena dos desejos poderia levar ao fim do homo sapiens e consequentemente do mundo.

Esse desejo ardente de desvendar os recônditos da psique, vem de muito longe. Encontrar o fundamento do universo humano foi a preocupação maior dos filósofos da antiguidade. “Conhece-te a ti mesmo” ― esse conhecidíssimo bordão atribuído ao personagem Sócrates, criado por Platão, resume todo o desejo de plenitude que nunca nos abandona. Hoje, a célebre máxima do grande filósofo, está sendo substituída por algo como: “Quer saber tudo sobre você? ― pergunte ao Google”.

Incrível, mas o Google, em certos casos, já substitui o médico. “Empresas on line já oferecem diagnósticos médicos em seu sistema de buscas”(Vide Link). Você pode fazer perguntas sobre temas de saúde que o Google responde automaticamente.

O Google, assim como o Deus-Pai da religião, sondará a alma dos que frequentam os templos cibernéticos e penetrará, nos arquivos privados ou secretos dos cidadãos para conhecer seus pontos fracos, nos mínimos detalhes. Se não sabia, fique sabendo que há trabalhos acadêmicos demonstrando que o espírito cibernético já supera o homem no desvendamento de problemas aparentemente insolúveis, numa rapidez imensurável. Ele já força a imaginação humana no sentido ou direção daquilo que bem deseja. “Onde a razão termina a criatividade do Google começa”. O Google é tão poderoso que já foi criado para si uma versão bíblica do Salmo 23 ― “O Google é o meu Pastor” (Vide Link)

Programas de computadores, dizem os modernos tecnocratas do mundo virtual, poderão futuramente substituir, os médicos, advogados, músicos e poetas. “Os heróis serão facilmente manipulados pelos supercomputadores”. Em vez de se dizer: “Ouça seus sentimentos!”, o Dataísmo ordenará: “Ouça seus algorítmos!. Eles sabem como você se sente”. Mas você, para atingir tal nível de conhecimento, “deverá permitir que o Google e o Facebook leiam todos seus e-mails, todos seus bate-papos e mensagens e mantenham um registro de todas as curtidas e cliques”. “...essas redes analisarão quantidades astronômicas de dados que nenhum humano é capaz de abranger, e aprendem a reconhecer padrões e a adotar estratégias que escapam à mente humana” ― advoga o autor de “Homo Deus”.

Discorrendo sobre a era Google, Carlo Ginzburg afirma que esse site é, ao mesmo tempo um poderoso instrumento de pesquisas históricas e um poderoso instrumento de cancelamento da história. Porque, no presente eletrônico, o passado se dissolve”. (Vide Link)

Provavelmente muitos de nossa geração não mais estarão aqui para presenciar a tecnologia digital interferir em áreas cerebrais responsáveis pela cognição, afetividade e tomada de decisões importantes. A alma humana, enfim, navegará por caminhos preconcebidos, e porque não dizer des-humanos.

Com certeza, não estarei mais aqui para experimentar essa gerigonça cibernética em forma de capacete que pretende fazer a humanidade viajar longe, na imaginação, até o terceiro céu, descrito pelo apóstolo Paulo há quase dois mil anos. Tenho a impressão de que a vida futura artificial criada pela tecnologia digital, ao pretender anular os traumas da primeira infância do sujeito, lhe trará consequências desagradáveis, entre elas, o apagamento do sentimento nostálgico ou de saudade, além dos desejos utópicos que tanto nos inspiram a escrever e versejar. Essa paz cibernética, reino onde tudo é preconcebido milimetricamente, transformará o homo sapiens em um ser autômato e sem graça. Ao deletar os nossos arquivos primevos, a neurociência digital tornará a vida muito insossa, pois a dessemelhança de nosso passado é que nos faz interagir, sonhar e dialogar. Sem o passado que nos move e nos inspira seremos seres semelhantes e, como linhas paralelas, caminharemos indefinidamente sem nunca encontrarmos.

Aí então, o Frankenstein (1817) ― ser humano artificial produzido pela fértil imaginação de Mary Shelley ―, deixará de ser ficção científica para se tornar a mais pura realidade.

Tempo virá em que, a um simples clique no seu computador, o Google revelará coisas maravilhosas que você jamais imaginou. Você experimentará prazer sem surpresa, e adeus sem lágrimas. Passeará por bosques soberbos, e subirá em altos carvalhos sem sair do canto. Tudo virá à sua mente sem o mínimo esforço. Você se encantará dentro de suntuosas catedrais, onde terá a oportunidade de escolher a sua música futurística predileta. Enfim, viajará por mares nunca navegados.

E quanto ao perigo do conectado morrer de uma overdose ao se embriagar com a felicidade virtual? Refletindo bem, não acredito que isso possa acontecer, pois, o algorítmo responsável pela inteligência artificial, ante o risco iminente de morte, desligará automaticamente as novas modulações de conexões neuroniais, trazendo o sujeito cibernético de volta ao modo natural de vida.

Quando o conectado entregar seu corpo e sua mente ao total controle da engenharia biológica da computação, deixará de ser risível a recente versão digital do Salmo 23 (Vide Link): “...Ainda que eu ande pelo vale da ignorância e da insensatez, não temerei mal algum, Porque Tu estás comigo diuturnamente. Os teus Links e os teus Arquivos me consolam”.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de janeiro de 2017


6 comentários:

Unknown disse...

Texto denso e reflexivo. Como propõe o autor, na forma de hipertextos lincados outros textos sobre o mesmo tema, acaba por fornecer ao leitor a oportunidade de mergulhar mais fundo naquilo que a sua curiosidade dê preferência, seja para a neurociêcia, seja para a cibernética, para o mundo dos bits e bytes ou qualquer outro tema relacionado com a sua abrangente abordagem. Ler Levi, é sempre uma agradável surpresa, principalmente quando trata da mente humana e das suas possibilidades. George Orwell, no seu clássico 1984, imaginou o Grande Irmão, uma super máquina capaz de controlar tudo e a todos, demonstrando o incansável sonho totalitário que vive a se digladiar permanentemente com o nosso sonho de liberdade, com as nossas utopias. Nada deterá os avanços da ciência. Nada deterá a vontade de controlar, como também nada deverá deter a vontade libertária dos que não aceitam padrões ou algorítimos controlando as suas existências. Tenho a impressão que a essência de tudo voltará sempre para o mais simples e misterioso, como o perfume da manga rosa que pacientemente descasquei e comi no café da manhã. Um grande abraço e obrigado pelo pelo presente de começo de ano.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

É profético o que escreveu. Realmente isso é algo muito preocupante e que de algum modo atualiza o Apocalipse de S. João. Pois, suponha que de fato comecem a implantar chips nos seres humanos a fim de monitorarem não só por onde nos locomovemos no espaço geográfico bem como as nossas emoções e sentimentos, possibilitando uma rápida conexão com a internet para pagamentos virtuais, celebração de contratos, etc. Seria a destruição da humanidade e um domínio completo do Estado sobre o cidadão.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Ou de poderosas empresas sobre o cidadão...

Levi B. Santos disse...

“Tenho a impressão que a essência de tudo voltará sempre para o mais simples e misterioso, como o perfume da manga rosa que pacientemente descasquei e comi no café da manhã”. (Alexandre)


Você Alexandre, com essa simbólica frase poética, resumiu maravilhosamente tudo em duas linhas.

Devemos ter o máximo de cuidado com o progresso estonteante e globalizante do mundo cibernético, pois ele pode nos transformar em OBJETO de seus desejos midiáticos. O mundo virtual do Google nos presta um grande serviço, como o de nos juntar em uma grande rede de amigos para bate-papos sobre temas que nos são comuns.
Mas, no que tange à experiência subjetiva que está viva em cada um de nós e que como a nossa impressão digital é singular, única ou exclusiva, creio que jamais será afetada pela tecnologia científica cerebral. Os “deuses” não iriam permitir tal interferência (rsrs). Concorda?

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigo

Como explicitei no meu comentário acima, entendo que o Google pode monitorar muita coisa a respeito de nosso caminhar ou de nossa exterioridade, mas nunca anulará a nossa singularidade. O ser humano deve escapar dessa arrogante pretensão da Ciência.

Não sei se a geração dos meus netos verão essa atualização do Apocalipse a que você se refere. (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Oi, Levi.

Fato é que todas as gerações vivem uma certa versão do Apocalipse, o que exige de nós a atitude de dizermos não ao que o mal tenta nos impor por diversos modos. Hoje o culto ao imperador que era prestado na Antiguidade para os reis de Roma de alguma maneira se perpetua quando pessoas bajulam políticos corruptos em proveito próprio tendo elas consciência dos danos que tais governantes causam à coletividade humana.

Abraços.