21 abril 2017

O Petróleo é Dele$






O Semanário de maior circulação das Américas (de 19 de abril), publicou um enorme brasão de Nossa República tomando quase toda a extensão de sua capa, com os seguintes dizeres em sua faixa inferior: “República Federativa da Odebrecht”.

Talvez não saiba o(a) leitor(a) que tudo se iniciou no tempo em que não tínhamos televisão nem internet para levar aos nossos lares, ao vivo e em cores, as negociatas republicanas entre governo, congresso e o poder privado. Como todo aluno dos primeiros anos de escola sabe, foi Getúlio Vargas quem no idos de 1953 criou a estatal Petrobrás para exploração, refino, transporte e comercialização dos derivados do petróleo. Na época prevalecia os oligopólios da Shell, Texaco, Mobil Oil e Esso. Por esse tempo o slogan populista de Getúlio, “O Petróleo é Nosso”, correu o país de ponta a ponta com toda pujança. Só depois de dois anos de renhidas batalhas travadas no Congresso, a Lei que tratava da estatização do petróleo foi aprovada no Senado e sancionada pelo presidente em outubro de 1953. Não me perguntem a que preço foi obtida tal façanha. Fico a pensar com os meus botões: será que os métodos de enriquecimento ilícito da atual República da Odebrecht não são uma reprise, em maior grau, das primeiras transações tenebrosas no campo da exploração do ouro negro pelo Governo e o Congresso da década de 1950?

A História do Brasil registra que foi em 1944 que o jovem Noberto Odebrecht, descendente de alemães, criou sua organização em Salvador na Bahia. Pulando para o ano de 1953 damos de cara com Getúlio e Noberto entabulando um acordo para a criação do oleoduto Catu-Candeias na Bahia. Uma pergunta aqui se impõe: Será que a interação interesseira entre o poder público e o privado acabava de nascer ali, bem pertinho do local onde Pedro Álvares Cabral desembarcara com sua esquadra em abril de 1500?

Acertadamente, os estudiosos dizem que a história é cíclica, ou seja, tudo que está acontecendo hoje já foi parte de um passado. Basta navegar em sentido contrário para se constatar que a rica organização de Noberto Odebrecht, hoje presente em 27 países, começou a ganhar contratos e mais contratos na base da velha amizade com os poderosos, desde o tempo da célebre frase de Getúlio “O Petróleo é Nosso”. Daí por diante a história dessa mega-empresa tomou conta da república de uma forma devastadora e cruel. A Odebrecht se entranhou em todos os partidos de uma forma avassaladora e irresistível, a ponto de o Congresso Nacional, hoje, se debruçar sobre um projeto de anistia para livrar a todos que pecaram e destituídos ficaram do Reino da Glória da República que, com Deodoro e Floriano Peixoto, nasceu fisiologicamente fadada a não dar certo.

Recentemente, com uma tranquilidade incomum que choca até o mais simples cidadão, disse o patriarca Emílio do conglomerado Odebrecht ao Juiz Sérgio Moro: “desde a minha época, da época de meu pai, sempre existiu caixa dois para doações de campanha não oficiais. Na minha época as coisas eram muito mais simples”.

Para salvar a própria pele o delator confessa seus pecados, trazendo à tona procedimentos que nos primórdios eram rotineiramente encobertos. Quem de nós poderia um dia imaginar que um dos Odebrecht viria a público afirmar categoricamente que de 2005 a 2015, para seu bel prazer, influenciara na aprovação de vinte atos do governo e do Congresso as malfadadas medidas provisórias?

Tem razão, Emílio, o mundo tecnológico de hoje está muito complexo. Tudo vê, tudo cata e não perdoa nada. No fundo, tudo é culpa da era cibernética que deixou o homem mais nu, ou excessivamente transparente. Com relação as práticas pouco republicanas nunca é demais fazer um retrospecto sobre a nossa depravada história, para compreender que os tristes e vergonhosos procedimentos atuais são apenas um repeteco do que se praticava no Brasil-Imperial, como narra de maneira lúcida e carregada de humor, Laurentino Gomes, em sua Trilogia histórica.

Em 2010, o patriarca da Odebrecht já reclamava dos destaques que a imprensa dava a cada escândalo que surgia, um atrás do outro. “Me incomoda isso, como se fosse surpresa” concluiu, uma vez, Emílio.

Até parece que o delator, orgulhosamente, em analogia ao dito salomônico “Nada há de novo debaixo do sol” está aqui a demonstrar que tanto os fatos do passado quanto os fatos escabrosos do presente continuam os  mesmos em nossa republiqueta. Em que pese a ação insistente da Lava-jato, eles parecem ter a certeza de que seus crimes prescreverão e o petróleo continuará sendo deles.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 21 de abril de 2017

14 abril 2017

A Carne é Fraca





Muito se tem falado nos últimos dias sobre a “carne fraca” em nosso país. Mas não quero me deter, aqui, sobre a questão comercial de alguns frigoríficos que, na ganância pelo lucro fácil, foram pegos em graves irregularidades na conservação da carne bovina destinada ao consumo da população.

A expressão “Carne Fraca” remete aos meus tempos de estudante do curso científico no Liceu Paraibano em João Pessoa – Pb. Na semana da páscoa, quarta-feira era o último dia de aula. Como reza a música de Dorival Caymmi, “era quarta-feira santa, dia de pescar e de pescador” que o peixe se tornava farto nas mercearias e feiras das cidades. Por não haver carne à venda, muitos protestantes terminavam por se alimentar do bacalhau seco, que nesse tempo era um prato economicamente bem accessível aos menos abastados.

Os padres, seguindo a tradição do catolicismo aconselhavam seus fiéis a se abster da carne nesse período. Os pastores protestantes, por sua vez, afirmavam convictos que não comer carne na semana santa não tinha respaldo bíblico. No nordestinês: nenhum dos lados davam o braço a torcer.

Na casa de minha mãe (Bazinha) todo o final de semana a galinha caipira cozida acompanhada do feijão verde, arroz e macarrão era o menu sempre servido no almoço aos domingos. No final da semana santa, para satisfazer os desejos e vicissitudes de nossa fraca carne, não resistíamos em comer da carne dessa saborosa ave, tão comum em nossas plagas. 

Minha mãe criava muitas galinhas no quintal de casa em Alagoa Grande - Pb. Bia, uma prima nossa, considerada nossa segunda mãe por morar conosco desde os tempos em que eu e meu irmão éramos bem pequenos, de madrugada, com o dia ainda não totalmente claro, dirigia-se ao quintal para, em silêncio e com pés de lã, matar uma galinha caipira que secretamente ao meio dia devorávamos no almoço. Pelo que sei nenhum vizinho tomou conhecimento de nossa refeição de portas fechadas. Acho que coisa boa não poderia acontecer se algum católico (ou mesmo um crente fundamentalista) aparecesse de surpresa na hora de nossa herética refeição. Lembro que a caçarola de galinha fervendo era bem tampada para não deixar vazar o odor agradabilíssimo para fora de casa e chamar a atenção dos vizinhos. Em suma, fazíamos de tudo para evitar o escândalo de ser cognominado de sacrílegos.

Agora, me vem à mente a frase atribuída ao Jesus dos evangelhos: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca”.

Não sei, talvez a expressão a carne é fraca” acima tratada pelos evangelistas, como figura de linguagem representativa de nossas vicissitudes, tenha, naqueles idos, nos redimido da culpa por um almoço extravagante degustado às escondidas em plena Sexta-Feira da Paixão.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 14 de abril de 2017