Atenas
era a capital do mundo da política, da cultura e da filosofia quatrocentos anos antes de Saulo de Tarso, fundador do cristianismo, fazer menção a um “corpo
corruptível” ―, um corpo
que não era imune ao vírus maléfico da corrupção.
Do
livro de Eduardo Giannetti,
“Auto-Engano”,
um formidável e
irrefutável trecho do capítulo
“Dissimulação Social e Parcialidade Moral” sobre
a natureza corruptível do homem, replico
aqui, à guisa de reflexão:
“O
fato é que, por mais diversificada e heterogênea que se conceba a
experiência psicocultural da humanidade no longo percurso histórico
desde a conquista da linguagem, é difícil imaginar uma sociedade na
qual os indivíduos não prefiram ser respeitados a ser desprezados
por aqueles com quem vivem, e não prefiram sentir orgulho a sentir
vergonha em serem quem são. Mesmo o membro de uma comunidade
ultratradicional — alguém que, digamos nem sequer se pense a si
próprio como indivíduo enquanto obedece cegamente às normas e
tabus de sua tribo ― não escapam de ter de cuidar, vez por outra,
de sua imagem e reputação aos olhos dos demais. Mesmo ele só
poderá sentir de uma forma individual e privada, no silêncio de
sua mente, o terror secreto de que os outros membros da comunidade
cheguem a descobrir a sua eventual ― capciosa ou inadvertida ―
transgressão da norma”.
Que
fique claro que o autor de “Auto-engano”
não está fazendo uma apologia à corrupção, tanto
é que na contracapa de seu emblemático livro, o editor faz essa
enfática declaração:
“Para
o nosso bem ou nossa ruína, o auto-engano permeia grande parte das
opções e julgamentos que fazemos. […] Eduardo Giannetti faz aqui
uma reflexão profunda e original sobre a necessidade que tem o ser
humano de iludir a si mesmo,”
“O
cinismo substantivo e dissimulado existe, é inegável, mas o
auto-engano e a racionalização sincera também.” ―
afirmou reticente o
autor, neste mesmo capítulo, mais a frente.
Quando
o oportunismo imediatista que faz com que membros dos poderes de
nossa república se enfrentem
numa querela sem fim,
procurando cada um
defender-se
dos contornos imprecisos de suas
próprias
sombras, refletidas no
espelho do outro, faz mister
citar o
sábio grego, Tucídides
(460 a.C), pela pena do historiador irlandês, Eric Robertson Dodds:
“A
tremenda falta de respeito às leis que ocorreu por toda a cidade de
Atenas durante a guerra de Peloponeso teve início com essa
epidemia, pois, à medida que os ricos morriam e os que antes nada
possuíam tomavam conta de suas posses, as pessoas começaram a ver
diante dos seus olhos reversões tão abruptas que passaram a fazer
livremente coisas que antes teriam ocultado ― coisas que jamais
admitiriam fazer por prazer. E, desse modo, vendo que suas vidas e
suas posses eram igualmente efêmeras, eles justificavam a sua busca
de satisfação rápida em prazeres fáceis. Quanto a fazer o que era
considerado nobre, ninguém se daria a esse trabalho, visto que era
incerto se morreriam ou não antes de realizá-lo. Mas o prazer do
momento e tudo que contribuía para isso tornou-se o padrão de
nobreza e utilidade. Ninguém recuava com assombro, seja por temor
dos deuses ou das leis dos homens: não dos deuses, visto que os
homens concluíram não fazer diferença cultuá-los ou não, já que
todos pereceriam da mesma forma; e não das leis, visto que ninguém
esperava viver até o momento de ser julgado e punido por seus
crimes. Mas eles sabiam que uma sentença muito mais severa pairava
agora sobre as suas cabeças, e antes que ela desabasse eles tinham
alguma razão para tirar algum prazer da vida.”
O
texto acima, de Tucídides,
fala do “modus vivendi”,
da
ganância, da
iniquidade e do
desrespeito às leis na
sociedade
Ateniense de dois
mil e quatrocentos anos atrás.
A sua
fala continua
tão atual
e intimamente ligada
à nossa corrupta
republiqueta que,
sem tirar nem por, poderia
ser estampada em
nossos principais veículos de imprensa, como
a crônica do dia.
Dando
um pulo da Grécia (em apuros no momento)
para o Brasil pré-republicano de 1882, vamos encontrar um
emblemático conto de Machado de Assis ―
“A Sereníssima República”. Como
mostra o livro, “Retorno
ao Republicanismo” de Sérgio Cardoso, Machado se vale da vida
das aranhas, para definir as
artimanhas do mundo político
de seu tempo, que em nada
difere do nosso:
“Antes
de significar desvio ou roubo do patrimônio público, a corrupção
que cabe no conto de Machado significa degradação dos costumes”
—
diz Sérgio Cardoso, bem no início de sua narrativa.
Não
poderia deixar de trazer à tona um imperdível trecho
do conto machadiano —
“A Sereníssima
República” —
carregado
de humor satírico,
retrato fiel da hipocrisia
presente nos criadores e gestores dos partidos
políticos (sopa de letrinhas
da atualidade):
“Uns
entendem que a aranha deve fazer as teias
com fios retos,
é o partido
retilíneo; ―
outros pensam, ao contrário, que as teias devem ser trabalhadas com
fios curvos, é o partido
curvilíneo. Há
ainda um terceiro partido, misto e central, com este postulado: as
teias devem se urdidas de fios retos e fios curvos, é o partido
reto-curvilíneo;
e finalmente uma quarta divisão política, o partido
anti-reto-curvilíneo,
que fez tábua rasa de todos os princípios litigantes, e propõe o
uso de umas teias urdidas de ar, obra transparente e leve em que não
há linhas de espécie alguma.”
Sérgio
Cardoso, no seu livro, faz uma conclusão que, a meu ver, explica
muito bem o que se esconde por trás das crises fomentadas nos dias
atuais, onde os destinados a permanecerem no andar de baixo são os
que verdadeiramente pagam o pato. Diz ele:
“Mais
do que isso, talvez, o efeito da corrupção política acentua as
condições da maioria ao argumento, na aparência, irrefutável de
que parece tolice obedecer às regras quando se espera que os demais
venham a obedecê-las e quem, porventura, deixa escapar uma chance de
obter algum tipo de vantagem ou benefício pessoal nessa sociedade,
ainda que trapaceando suas normas, passa necessariamente por otário”.
Em
grego, a POLIS deriva de “murar”.
Tanto na Atenas de Tucídides e Péricles quanto no Brasil de hoje, a
corrosão desse muro de separação entre o privado e o bem público tem sido fator prepoderante na degradação da sociedade.
Não
há como negar que o conluio criminoso entre a esfera pública e o
interesse privado, nos últimos tempos, tem sido a causa do
assombroso nível de corrupção que assola, de uma maneira geral, as
nossas instituições.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
20 de julho de 2015
Levi, eu ficaria satisfeito se esse bendito/maldito princípio do prazer, desse explicação a tudo de bom e ruim que passamos.
ResponderExcluirBrasil seu nome é enigma. Para compreende-lo precisaria-mos de um filósofo brilhante e um matemático genial munidos do mais avançado supercomputador que possa existir.
ResponderExcluirSerá que o arsenal técnico-científico do nosso mundo ultra-moderno poderá nos
livrar dessa contingência bendita/maldita, Gabriel? (rsrs)
Acho que quando uma sociedade chega num nível de degradação tão baixo a ponto de corroer as suas principais instituições, abre-se espaço para o surgimento de uma cultura estúpida que, por sua vez, servirá de veículo para uma nova formatação. A Atenas de 2400 a.C., uma vez derrotada por Esparta, veio a ser depois conquistada pelos macedônios e posteriormente pelos romanos, os quais formaram impérios que não proporcionavam o mesmo nível de democracia da antiga polis grega. Porém, foi assim que a cultura sobreviveu por mais alguns séculos até ser novamente formatada pelo cristianismo. E sob a influência da Igreja Ortodoxa, a Grécia fez parte do Império Romano do Ocidente (Bizantino) e suportou 400 anos de dominação turca na Idade Moderna. Ao se libertar do domínio turco, quase teve o nosso D. Pedro I como seu monarca, mas prosseguiu como um país religioso que até hoje paga o sustento dos seus padres, mesmo com uma crise tão complicada. De qualquer modo, o que quero dizer é que a Grécia nunca mais foi a mesma dos tempos de Sócrates, Platão e Aristóteles.
ResponderExcluirPois bem. A pergunta que não quer calar é o que será desse Brasil hoje tão corrompido? Será que iremos sobreviver como nação no decorrer do século XXI? Experimentaremos os avanços da tecnologia ou vamos nos condenar a um atraso histórico em que seremos uma permanente periferia do mundo junto com os demais países vizinhos latino-americanos?! Pior é que a qualidade do ensino vem caindo, nossos jovens parece que estão cada vez mais emburrecidos, os malafaias exploram a ignorância, bestas no Congresso defendem a maioridade penal como solução para os problemas da violência, o PT, PMDB e PP desviam bilhões da Petrobrás, jovens morrem nas favelas, o crack se alastra até pelo interior, idosos ão recebem atendimento digno nos hospitais e reina a desordem. Será que o fundamentalismo religioso (in)vangélico é que irá formatar o Brasil do século XXI?!
ResponderExcluirRodrigo, o Eduardo Giannetti, em seu livro Auto-engano nos deixa uma triste, dura e cruel constatação: “ a de imaginar que o “homem moral” possa vir a ser radicalmente aprimorado ou regenerado, seja por meio de homílias, cursos intensivos e exortações inspiradas, seja por meio de engenharia política e novos modos de produção”. Para ele, ...a promessa do novo homem já haveria se cumprido incontáveis vezes no devir histórico. (rsrs)
Boa dia, Levi. Ainda não desisti de anunciar o Evangelho de Cristo para que possamos construir uma nova humanidade... Acredito que estaremos de acordo ao menos quanto à necessidade de que a comunicação seja o fio condutor das transformações sociais que vão acontecendo. Ora, será que o Eduardo Giannetti em algum momento desistiu d uso da palavra?! Do contrário não teria ele deixado de escrever livros e dizer ao mundo o que pensa?! Claro que a todo momento devemos ser capazes de nos auto-questionar para não nos enganarmos quanto ao discurso utilizado. Sei muito bem que qualquer homem, inclusive eu, mesmo quando ajoelho no chão e digo estar arrependido dos pecados, sou capaz de reincidir nos velhos erros após tomar a Santa Ceia. E como escreve o conscienciólogo e administrador de empresas Luciano Vicenzi no seu livro Coragem para evoluir, pág. 121,
ResponderExcluir"Não podemos fugir à nossa realidade consciencial, mas podemos transformá-la. O aprendizado evolutivo demonstra a necessidade de compreender para superar, e, por esta razão, procurar o pensamento mais lúcido é sempre melhor indicativo de acerto."
ResponderExcluirO instinto de destruição, a que Freud denominou Tânathos, Rodrigo, está levando o homem a exterminar o seu próprio planeta. O antropólogo Levi Strauss, em sua tetralogia sobre os mitos, foi outro desenganado que chegou a concluir que ”... há uma INVOLUÇÃO dos recursos da combinatória Universo/Natureza/ Homem. “
Triste balanço de uma civilização conquistadora e “exemplar”, essa morte infligida por trás do rosto hipócrita da aventura e do encontro com o Outro - constatação de François Dosso, em seu livro “A História à Prova do Tempo”.
Sobre o tão sonhado evolucionismo, Charles Darwin já assegurava:
“Quando a mediocridade é a força motriz, a tendência é a extinção”.
Boa noite, Levi!
ResponderExcluirRealmente, com tanta gente medíocre, egocêntrica e perigosa, não dá para sermos 100% otimistas quanto ao futuro do nosso planeta.
Novas tecnologias vão surgindo e hoje, além da preocupante questão ecológica, cientistas têm dado seus alertas para riscos de extinção da raça humana, citando como potenciais ameaças a manipulação genética, a nanotecnologia para fins bélicos e a inteligência artificial.
Imagine nossos filhos e netos amanhã (ou se bobear nós mesmos) tendo que proteger o espaço aéreo de suas residências de um ataque de "drones" armados usados por criminosos?! Pois, se algo assim virar rotina das páginas policiais do futuro, a humanidade terá que viver abrigada nos subterrâneos ou no espaço.
Uma equipe internacional de cientistas, matemáticos e filósofos do Instituto do Futuro da Humanidade, da Universidade de Oxford, tem investigado quais poderão ser os maiores perigos contra a humanidade. Recentemente, eles argumentaram em um texto acadêmico chamado Riscos Existenciais como Prioridade Global que autores de políticas públicas devem atentar para os riscos que podem contribuir para o fim da espécie humana. O diretor do instituto, o sueco Nick Bostrom, já afirmou que existe uma possibilidade plausível de que este venha a ser o último século da humanidade!
Bostrom comparou as ameaças existentes a uma arma perigosa nas mãos de uma criança. Ele disse que o avanço tecnológico superou nossa capacidade de controlar as possíveis consequências. Assim, experimentos em áreas como biologia sintética, nanotecnologia e inteligência artificial estariam avançando para dentro do território do não intencional e o imprevisível. Por exemplo, a nanotecnologia, se realizada a nível atômico ou molecular, poderia também ser altamente destrutiva ao ser usada para fins bélicos. Por isso ele tem escrito que governos futuros terão um grande desafio ao controlar e restringir usos inapropriados.
Há ainda temores em relação à forma como a inteligência artificial ou maquinal possa interagir com o mundo externo. Esse tipo de inteligência orientada por computadores pode ser uma poderosa ferramenta na indústria, na medicina, na agricultura ou para gerenciar a economia, mas enfrenta também o risco de ser completamente indiferente a qualquer dano incidental...
Sinceramente, Levi, não sei por quanto tempo ainda deve durar a democracia e os direitos fundamentais do indivíduo tal como conhecemos. Em nome de uma segurança, a humanidade pode experimentar um tremendo retrocesso político até que saibamos lidar com a nova realidade. Aliás, vejo como inevitável termos amanhã um governo mundial e um rígido controle sobre os direitos de ir e vir dos cidadãos. Aí só me resta olhar para os céus e clamar:
Que venha o Teu Reino, Senhor!
Sou cético quanto ao destino do Homo Sapiens, Rodrigo.
ResponderExcluirCompartilho do pensamento do filósofo, sociólogo e psicanalista alemão, Erich Fromm, quando, dissertando sobre o Caráter Mercantil do Homem Moderno, assim se expressou:
“ a INTELIGÊNCIA MANIPULATIVA atual do homem, na consecução de seus fins práticos, é perigosa e autodestrutiva. […] A grande promessa de progresso ilimitado de sujeição da natureza, de abundância material, da maior felicidade para o maior número de gente, fracassou”.