15 outubro 2011

O CUSTO DA DESPERSONALIZAÇÃO




Pessoas que se sujeitam, incondicionalmente, às normas, regras e dogmas que a razão teima em não aceitar, perdem os limites de sua individualidade, ficando eternamente desprovidas de qualquer opinião.

É claro que não podemos olhar com bons olhos normas sociais, políticas ou religiosas que estimulam o indivíduo a castrar a sua capacidade de pensar, a ponto de achar heróico morrer pela instituição ou pela pátria sem saber o real motivo da guerra na qual imaginariamente está inserido.

Entendo que uma pessoa pode participar do seu grupo ou confraria sem que seja necessário abrir mão do seu senso crítico. Dedicar o melhor de si para satisfazer vontades e caprichos de pessoas egocêntricas que não respeitam a subjetividade do outro, não significa altruísmo ou generosidade: é, sim, uma alienação.

Certo é que, nós, como seres da falta e do vazio existencial primevo, ansiamos pela completude e imortalidade. Mas isso não significa que devamos perder o nosso espírito de decisão pessoal, agarrando-se ao que a mídia preconiza como “tábua de salvação”.

Há situações em que dominados pelo MEDO, alguns correm para familiarizar-se com grupos ou instituições eclesiásticas que oferecem aconchegos “espirituais” os mais diversos. No mais das vezes, ao adentrar esses recintos templários são obrigados a carregar fardos pesados, sofrendo uma espécie de descaracterização ou despersonalização que subverte totalmente o sentimento religioso autêntico.

O recalcamento do ”eu” interior desse indivíduo não é exercitado impunemente. Não raro, o indivíduo despersonalizado passa a denegrir a realidade terrestre.

Ao sentir-se todo iluminado pelo que percebe como “luz celeste ou divina”, lançando as suas sombras infernais sobre quem não é de seu grupo, essa pessoa cai na obsessão ou cegueira de não admitir que o “profano” é parte intrínseca de si, esquecendo esse lado obscuro da moeda humana. Consequentemente, esse indivíduo é levado a “satanizar” tudo e todos que estão fora de seu convívio, como se a divindade se enriquecesse daquilo que o homem se despoja. Não consegue se desvencilhar daquele ser de voz tonitruante que, lá dentro de si, se zanga e o intimida. Quando sai do “script”, por enxergar em seus sonhos uma tênue linha além dos medos, sente-se imensamente culpado.

A despersonalização provoca no homem uma dependência ou vício. Como fregueses contumazes de grandes lojas, pagam um preço alto por um produto, sem o qual não pode se sentir participante do status midiático institucional. Nesse estado, ele traduz como “verdadeira” a sua tez florida vista com outros olhos, que não os reais. O seu Deus benfeitor e compassivo nasce do fervor com que é enfeitado, como se fosse simples lata ou latão resplandecente. Diz que essa é a única maneira autêntica de CRER, porque não é aviltado por aquilo que mais reprime ou teme: a dúvida.

Incessantemente, o indivíduo despersonalizado tem que reprimir sua vida interior, para tentar viver de acordo com o ideal de perfeição vigente na sociedade de consumo. Para que isso “aconteça”, ele não titubeia em repelir todo tipo de sensação ou desejo que esteja em desacordo com seu “IDEAL HERÓICO”, mesmo que para isso tenha que abdicar de viver a sua intimidade de forma livre e rica.

Eis a cruel receita para a despersonalização:

FALAR SEMPRE O QUE LHE FOI DITO” — “OLHAR SEMPRE A MESMA PAISAGEM” — OUVIR SÓ AQUELA MÚSICA EXAUSTIVAMENTE ENSAIADA”.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 15 de outubro de 2011

Site da imagem: seuanonimo.blogspot.com

12 comentários:

Anônimo disse...

Sem de modo algum querer parecer um reacionário, o próprio discurso da "opinião própria", do pensamento independente, loge das amarras morais, culturais, religiosas, etc., está fadado ao fracasso, sob o argumento de que mesmo a posição de "pensador independente", fora dos "padrões midiáticos", na verdade não existe, pois está própria postura vanguardista segue um "discurso pronto", um caminho e postura conhecidos, e acaba querendo fugir dos padrões, enquadrando-se também em um modelo já regurgitado por tantos outros que defendem uma mesma idéia.
Ora, como diria Pessoa, tormamo-nos esfinges, ainda que falsas, até chagarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque de resto, nos o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que realmente somos.
Além disso nunca me esqueço do poema do próprio Pessoa, na figura de um de seus heterônimos,Alberto Caeiro, no Guardador de Rebanhos, que diz assim: "Passou a diligência pela estrada e foi-se
E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia;
Assim é acção humana pelo mundo afora.
Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos;
E o sol é sempre pontual todos os dias."
Quando pensamos que somos os arautos da inteligência e do pensamento vanguardista, independente e moderno, nos debatendo contra o pensamento enlatado comprado ali na esquina de casa, não estamos nada mais nada menos que nos debatendo ingênua e inutilmente, posto que pregando a oposição à despersonalização do pensamento humano, e talvez a sua reificação por tabela, estamos também fazendo "nosso" discurso, que é engrossado por um grande coro que reza pela mesma cartilha de idéias que estamos internalizando, calcificando, petrificando... e que acabamos normatizando nosso próprio discurso contra a norma, normatizando o discurso contra os padrões culturais, religiosos, políticos, etc. Vai por mim, é igual aquela hitória do Oscar Wilde, do apaixonado. O apaixonado, ele diz, é alguem que começa enganando a si mesmo e acaba enganando os ouutros, e é isso a que se denomina romantismo. Não nos iludamos, não podemos nos enganar a nós mesmos como o apaixonado. Somos todos frutos de um mesmo caldo de idéias predeterminadas, requentadas, frutos do pensamento social mais degenerado dos tempos hodiernos, as mesmas idéias com uma variação ou outra. O que acontece é que tentamos nos proteger uns dos outros, devido a nossa misantropia atávica. Afinal Wilde e o seu gênio irascível certa feita arrematou: Moralidade é simplesmente uma atitude que adotamos frante às pessoas que não gostamos", risos...
George Bronzeado de Andrade

Levi B. Santos disse...

Caro jurista, pensador, escritor e filho

Os evangelhos dizem: “quem vê o filho vê o pai” . Na verdade, o teu texto- comentário, tem muito da água do meu “poço”.(rsrs)

Desconstruíste o meu texto (rsrs). Esse gosto pela “desconstrução” me contagia também. A saudade do tempo em que éramos UNO com o Pai no tempo de nossa infância psicológica, é que faz nascer o desejo de ir ALÉM do trivial.

Mas no meu texto eu quis ressaltar o MEDO ou temor de falar, enxergar e ouvir fora do “script”. Às vezes, com medo de voar de avião, deixamos de conhecer outras paisagens. Só quando ultrapassamos essa barreira, é que vemos como esse nosso mundo cultural que nos foi imposto para não ultrapassarmos os seus limites, é muito pequeno.

Alí bem próximo, na Argentina, tão perto do nosso país, você, que já andou por lá pesquisando e entrevistando pessoas, viu cidades sem Templos protestantes onde o povo tem um modo diferente de se comunicar com o sagrado. E você, sabiamente, não os satanizou, justamente por entender que “templo” não é fator “sine qua non” para a experimentação do nobre sentimento que Boff denominou de oceânico.

O desfecho do seu texto com a frase de Oscar Wilde, foi coisa fora de série:
Moralidade é simplesmente uma atitude que adotamos frente às pessoas que não gostamos"...

Infelizmente, a moral dita “cristã” apregoada nos quatro cantos do nosso país, é a maior prova do que Oscar Wilde falou:

“ela elegeu um povo de conduta moral irrepreensível para julgar, no final dos tempos, os que não aceitaram o seu “modus vivendi”.

Sem semear ou adubar o medo do “inferno” será que a religião subsistiria?

Abçs paternos e filosóficos (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Excelentes reflexões, Levi!

Parabens! E, como disse um amigo meu ateu, "pensar é transgredir"...


"Entendo que uma pessoa pode participar do seu grupo ou confraria sem que seja necessário abrir mão do seu senso crítico. Dedicar o melhor de si para satisfazer vontades e caprichos de pessoas egocêntricas que não respeitam a subjetividade do outro, não significa altruísmo ou generosidade: é, sim, uma alienação."

Estou de acordo com isto, meu mano! E, quando um grupo, igreja ou instituição começa a bloquear a maneira livre da pessoa pensar, castrando suas experiências subjetivas, a melhor iniciativa é sair daquele ambiente.

Estar em meios bitoladores não contribuem para o crescimento pessoal e acabam forçando o sujeito a se despersonalizar através de métodos abusivos de inadequação. Ou seja, para se sentir acolhido pelas pessoas, ser aprovado e respeitado, o membro rebelde acaba mudando a sua opinião e comportamento.

Sendo assim, considero muito edificante o seu texto que deveria ser leitura obrigatória para muitos líderes religiosos.

Abração!

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Lendo agora os comentários do nobre autor e de seu filho, achei bem interessante a "desconstrução".

Afinal, o modo livre de alguém pensar não leva necessariamente a uma libertação. Podemos criar um autoritarismo independente que, por sua vez, superaria a orotodoxia aprisionadora do grupo dominante.

Contudo, penso que lutar incansavelmente contra as prisões (a dos outros e a nossa) deve ser um ideal constante a ser perseguido.

"Assim é acção humana pelo mundo afora. Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos"

Bem, esta citação so respeitável escritor me fez lembrar de Eclesiastes, um dos mais interessantes livros da Bíblia. E aí diante de nossa impotência quanto à repetição de fatos, talvez me console os benefícios da palavra em ação, quando surgem realizações transformadoras no meio social capazes de concretizar algo.

Não faz muito tempo, li um livro antigo do caio Fábio que propõe reflexões sobre o profeta Jonas. Em seus textos, escritos antes da "queda" do pastor, ele usa um termo que é a trans-história. Esta corresponderia ao tempo em que batalhamos por mudanças e estas não se completam nos dias em que vivemos. Por exemplo, almejamos uma nova era de paz, amor e justiça, ou que venha o "Reino de Deus", mas tal momento não se concretiza plenamente nos nossos dias. Então cremos que, independentemente de retrocessos futuros, a vitória final será certa. E aí aqueles milímetros cúbicos de água transportados pelo bico do beija-flor na tentativa de apagar o incêndio terão o seu devido valor.

Curiosamente, a humanidade teve ótimas chances de construir este Reino na Idade Média em que a Igreja estava no controle do poder. Contudo, aquele foi o momento de maior afastamento do Reino de Deus.

Taçvez o segredo da vida e o caminhar em direção ao "Reino" ou a um ideal libertário sejam a permanente desconstrução de tudo. Se acabo de desconstruir e questionar algo, significa que acabei de construir algo novo. Porém, amanhã o meu novo será velho e precisará ser desconstruído. E por aí precisamos prosseguir, pois só se movimentando é que a águia lança o seu voo e se mantém nos ares.

Um abraço a todos e tenham uma excelente semana!

Eduardo Medeiros disse...

levi,

depois de ler teu brilhante texto, eu pensei exatamente em desconstruí-lo só um pouquinho dizendo que muitas vezes, a transgressão acaba virando também uma amarra; o transgressor transgride apenas pelo gosto de ser diferente mas não constrói nada de sólido para ter como parâmetro de exsitência.

mas aí, dou logo de cara um comentário fabuloso desse a primeira vista, "anônimo" e depois,ao final, vejo a assinatura e a surpresa: um bronzeado comentando um texto do bronzeado-mor...kkkkkkkkkakakak

o comentário do teu "garoto" com certeza, tem a marca da inteligência do pai.

o que tenho pensado ultimamente sobre o tema do teu texto é exatamente isso:

"Entendo que uma pessoa pode participar do seu grupo ou confraria sem que seja necessário abrir mão do seu senso crítico."

esse é o grande barato. não é feio ter raízes, feio é achar que suas raízes são as únicas capazes de produzir boas árvores.

* * * *
p.s. acabei postando um texto do jl lá na confraria(o mesmo que publiquei no meu blog) para compensar a ausência do evaldo e do bill. não sei se escolhi um texto palatável para o gosto majoritário dos atuais membros da nossa confraria. mas enfim, tá lá.

Donizete disse...

Amigo Levi,

Você disse:

"Entendo que uma pessoa pode participar do seu grupo ou confraria sem que seja necessário abrir mão do seu senso crítico."

Eu diria Que:

O PODER ODEIA O PENSAMENTO. O integrante de grupos políticos e/ou religiosos que ousa pensar e apresentar propostas para fazer valer a liberdade de expressão e ideias, geralmente não são excluídos pela oposição. ELE PRÓPRIO SE EXCLUI!

Abraços.

Levi B. Santos disse...

“O PODER ODEIA O PENSAMENTO

Donizete

Como não há TESE sem ANTÍTESE, Aí vai a minha (rsrs):

“O Pensamento Ama o Poder

O Hinário “Harpa Cristã” não me deixa mentir:

O que mais se evidencia em seus hinos são pensamentos, ou coisas imaginadas relacionadas ao PODER, tais como: Glória, Galardão, Coroa, Rua de Ouro, Vitória, Viver sem trabalhar, Descanso, Ser amigo do Rei.
Claro é que não se pode deixar de lado o velho sentimento de Vingança (Até quando Senhor, não VINGARÁS o nosso sangue – Apocalipse de João) - rsrs

guiomar barba disse...

Cultura e mais cultura, sabedoria e mais sabedoria, palavras e mais construções que enchem a vista e satisfazem as vezes o intelecto.

Que não daria eu para acompanhar um grande pensador após a morte...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

guiomar barba disse...

"Ora, como diria Pessoa, tormamo-nos esfinges, ainda que falsas, até chagarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque de resto, nos o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que realmente somos."

Beijo.

Levi B. Santos disse...

É Guiomar

Você gostou imensamente dessa citação do Fernando Pessoa, e esqueceu de expressar a sua opinião sobre: “A MAIS BELA HISTÓRIA DO MENINO JESUS” escrito por este mesmo autor, republicada há três semanas lá no “Ensaios & Prosas”. (rsrs)

Passe lá para dar um grande Glória a Deus. O link vai abaixo:

http://levibronze.blogspot.com/2011/09/mais-bela-historia-de-um-poeta-ateu.html

Levi B. Santos disse...

Estou de acordo com isto, meu mano! E, quando um grupo, igreja ou instituição começa a bloquear a maneira livre da pessoa pensar, castrando suas experiências subjetivas, a melhor iniciativa é sair daquele ambiente. (Rodrigo)

Caro Rodrigão, a sua fala acima, fez com que eu o deixasse para o fim (rsrs)

Esse trecho do seu emocionante comentário é duro, e alguns podem pensar ser muito radical, a atitude de se retirar desse meio.

Mas eu lhe digo que nesse caso não é o membro que deixa a igreja, é o trem que não nos deixa refletir, pela pressa mercantil de andar veloz demais, deixando-nos na estrada caminhando à pé.(rsrs).

Mas há uma vantagem de se andar à pé: apreciamos melhor e mais demoradamente as paisagens, mesmo que para isso tenhamos de, às vezes, esfolar a planta dos nossos pés pela aspereza do caminho.(rsrs)

guiomar barba disse...

Levi, eu não estive lá no menino Jesus. Seu filho no entanto é um assombro, claro tem a quem puxar.

Beijo.