26 novembro 2008

ÍNTIMA COMPAIXÃO versus MERCADO GOSPEL




Foi uma oração lida recentemente por acaso, na Internet, que me levou a escrever este ensaio. Há muito tempo já vinha refletindo sobre o “amor” interesseiro, sobre o amor condicionado a determinados paradigmas, que se tornaram jargões no meio evangélico. Percebi no meu meio de convivência a quase unanimidade expressa naturalmente através da seguinte assertiva: “Se não fosse a promessa do céu, e o medo de ir para o inferno, eu estaria no mundo gozando o que ele tem de ‘bom’, estaria ‘pintando e bordando’ ”, como se diz na gíria popular.

A bela e significativa oração de Rabia (mulher Iraquiana - 800 DC), resumiu para mim tudo que eu sempre queria dizer, que há tantos anos estava latente dentro de mim, e eu não conseguia passar para o meu interlocutor, pois não tinha sabedoria ou palavras para expressar convenientemente essa “Grande Verdade”. Algumas vezes que tentei expressar o meu ponto de vista sobre este tipo de “amor” que para existir necessita de uma troca, fui muito mal compreendido.

Gostaria que todos, sem exceção, deixassem as resistências ou parcialidades de lado, para refletir de forma acurada sobre o alto valor metafórico implícito na oração que se segue:

"Se eu te adorar por medo do inferno, queima-me no inferno. Se eu te adorar pelo paraíso, exclua-me do paraíso. Mas se eu te adorar pelo que Tu és, não escondas de mim a Tua face”. (Rabia 800 D.C.)

Imediatamente após ler essa interessante e sábia oração, me veio à lembrança a Parábola do “Bom Samaritano”. A oração de Rabia trouxe para bem perto de mim a figura do Samaritano (excluído da sociedade). Samaritano, como os demais, considerado por muitos como um ser da pior espécie. No entanto, moveu-se de “ÍNTIMA COMPAIXÃO”, porque não dizer “AMOR” prestando imediato socorro a um homem que havia sido assaltado, despojado e espancado, e que jazia quase morto a beira da estrada (Lucas 10: 30 à 37).

Não me passa, nem nunca passou pela minha cabeça, que aquele ato de AMOR executado pelo Samaritano estivesse vinculado a alguma coisa em troca. O samaritano excluído e marginalizado viu naquela cena a imagem de si próprio refletida no espelho de sua consciência.

Não! Não! Não tenho nenhuma dúvida, que se houve uma oração por parte do “Bom Samaritano”, foi uma oração idêntica à inspirada por Deus no coração da sua serva “Rabia”.

Amor ao próximo é a maior prova de adoração a Deus (quem fizer a um desses a Mim o faz). Sim, é possível amá-Lo sem pensar em recompensa ou castigo ─, que me perdoe o meu irmão Paulo de Tarso.

Mil vezes acreditar nesse tipo de amor (do Bom Samaritano), do que se render ao “amor” que barganha, que busca os próprios interesses, através de um “pragmatismo gospel” que mais parece um MERCADO de coisas, supostamente apresentadas como sagradas.
Esse espírito de mercado vem de muito longe, pois os filhos de Zebedeu, à época de Cristo, queriam negociar o Reino de Deus, pedindo assentos à direita e à esquerda do Seu Trono. Cuidavam que se devesse servir a Deus por algo que não é Ele mesmo.

Em resumo, a história do “bom samaritano” se converte hoje naquilo de mais emblemático que Cristo deixou para os que querem entender que no relacionamento humano, o AMOR não pode estar atrelado a CONDICIONAMENTOS ou TROCAS. ELE É DE “GRAÇA” MESMO.

A compaixão, de que foi portador aquele samaritano foi espontânea e íntima. Compaixão que não tem esses atributos é pura exibição ou representação. E como qualquer representação, está presa aos falsos valores das estratégias mercadológicas.



Ensaio por: Levi B. Santos
Guarabira, 26 de Novembro de 2008

06 novembro 2008

OBAMA ─ ARAUTO DA ESPERANÇA OU DA ILUSÃO?



“Com a recentíssima eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, os americanos renovam seus sonhos e remoçam suas esperanças no verdadeiro “sonho” americano, propalado no passado pelo reverendo Martin Luther King.

Barack Obama não representa somente a vitória sobre o racismo velado de hoje em dia, que encobre as atrocidades do passado, nem tão pouco a ascensão do menino negro e pobre da periferia lutando contra um sistema injusto e excludente. É a vitória do novo contra o velho, a vitória do vanguardismo idealista-progressista contra o conservadorismo arcaico e provinciano do pensamento Republicano. Obama é mais do que o mundo esperava em seus mais lindos sonhos. Obama é a oportunidade mais certa e perfeita no corpo de um homem, a chance mais concreta que os norte-americanos têm de se reconciliarem com o mundo, o momento azado para fazer as coisas certas, no momento propício.

Barack Obama acena como um pequeno fio de esperança que pode ressuscitar os ideais democráticos americanos mais longínquos, esquecidos desde a época da Declaração de Direitos, perdidos na noite do tempo. Obama pode, e tem plenas condições de mudar a forma e orientação política com que a os americanos conduzem os seus laços internacionais com a comunidade internacional, deixando de lado a arrogância monologal americana e repensando as posições arbitrariamente unilaterais que marcaram o governo Bush, no que diz respeito á guerra no Afeganistão e no Iraque, e no que tange as questões ecológicas que versam sobre o aquecimento global e a poluição, podendo rever a sua posição em relação aos tratados. Obama é ainda um sopro de vida para os pulmões tão violados dos Direitos Humanos, e até mesmo pela sua origem humilde e formação humanista, representa um “sinal” de bonança para Cuba, e para por um fim no absurdo de Guantánamo. A vitória de Obama é a vitória da democracia, do multiculturalismo, do diálogo, do pensamento, das idéias, do progresso, do moderno, do humanismo. Obama representa a possibilidade de mudança no diálogo da nação mais poderosa do mundo com o próprio mundo. É como se os americanos agora tivessem a chance de verbalizar suas idéias no mesmo idioma do mundo inteiro. E dependendo dos seus posicionamentos, sendo ele, o homem mais influente e importante do mundo à frente da “máquina americana”, pode influenciar a política mundial, interferindo significativamente na orientação das políticas internacionais em relação às nações subdesenvolvidas e a questão da pobreza e da miséria na África, Índia, etc., pode mudar o foco do pensamento ocidental sobre os grandes problemas do nosso mundo pós-moderno.

Portanto, saudemos a esse jovem negro idealista, que chega à Casa Branca como o arauto benfazejo da esperança em dias melhores, dias tão intensamente almejados por um mundo sedento de Paz e Justiça”


(George Bronzeado)

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O emblemático e empolgante texto acima, relatando os ecos da vitória de Barack Obama, partiu da pena e do coração de um jovem sincero da pós-modernidade, moço já experimentado às asperezas da injustiça que campeia tanto na política, como na economia da maior nação do planeta que vem tomando, de há muito, a responsabilidade de reger os destinos do mundo ocidental e parte do mundo oriental.


Não queria por água na fervura dessa geração que vem depositando tantos anseios, tantos projetos de vida por um mundo melhor com a eleição recente de Barack Obama. Quisera eu ter a mesma ênfase, e a mesma esperança. Porém, no coração cansado de um velho pai, de 63 anos de idade, reverbera um sentimento de frustração imprimido por antigos sonhos inacabados, que se tornaram projetos infinitamente adiados. Na cabeça desse velho estão bem vivas as lembranças de Getúlio Vargas (o defensor do pobre?), de Jânio Quadros (a vassoura que varreria a imundície do país?), de Collor de Melo (o caçador de Marajás?) e mais recentemente LULA e sua turma do “sem medo de ser feliz”.


Assim como aconteceu com Obama lá no hemisfério norte, ocorreu com o nosso atual presidente. Ambos vieram das camadas paupérrimas de um sofrido povo. Para mim e para muitos, a eleição do propalado torneiro do ABC paulista, traria a redenção e a moralização do país, e deu no que deu. Não haveria pessoa melhor para resgatar a moralidade do que aquela que vivenciou as maiores agruras no esturricado e infértil sertão Pernambucano. A esperança que os Americanos hoje depositam em seu novo presidente, foi a mesma que depositei em um homem de dores, acostumado a sentir na pele o peso da miséria, da fome e da exclusão. E o que vi, foi uma monstruosa máquina espoliadora triturar tudo de bom que tinha imaginado, fazendo-me baixar a cabeça, e ter vergonha de ser brasileiro, diante de escândalos nunca antes imaginados.


Assistindo no momento a euforia generalizada em torno de um jovem negro assumindo o trono da maior e mais poderosa nação do mundo, me vem a grande pergunta: “O que fará por uma nação que se diz cristã, um homem de uma raça que, apesar dos ventos do progresso, vem sendo duramente castigada e injustiçada há séculos?". Vejam o que ocorreu com os habitantes de Nova Orleans em sua recente tragédia , que como fruto de uma proposital incompetência foram abandonados ao Deus dará, pelas próprias autoridades.


A engrenagem de uma máquina que privilegia o capital em detrimento dos que nada têm, por acaso aceitará em seu mecanismo insano, um Obama decidido a reparar injustiças, a ressuscitar a ética e a honestidade na coisa pública? Ou será simplesmente ele, uma voz no deserto a clamar como João Batista: “arrependei-vos...”.


Ao ver jovens alegres, cheios de ufania, batendo no peito e gritando “Obama, a esperança”, me refaço, me recomponho, procurando não deixar transparecer o desânimo e a decepção que me persegue. De longe, mesmo tocado pelo ceticismo, fico torcendo para que os “Herodes” do mundo globalizado não destruam mais um grande sonho da juventude americana sedenta de justiça.



Levi Bronzeado dos Santos

Guarabira, 06 de Novembro de 2008

03 novembro 2008

LÍRIOS PARA MORTOS E VIVOS



Dia de Finados. A nossa principal praça amanhece multicolorida de flores, contrastando com vestes de cores variadas de pessoas que se espremem, a fim de adquirir ramalhetes destinados a ornamentar os túmulos dos entes queridos que hoje vivem em um outro mundo totalmente desconhecido de nós, os ainda vivos.

As flores que eu vejo nesse dia são flores mortas, de pétalas com pálido brilho, cujo viço artificial é mantido por gotículas de água jogadas de instante a instante por ávidos vendedores. Flores que foram arrancadas cuidadosamente de seus caules para serem trocadas por moedas, que por sua vez serão transformadas no pão farto do mês de Novembro, na mesa dos ambulantes desse mercado espetaculoso de variadas cores e suaves perfumes.

Não sou adepto das flores ornamentando ritual de festa fúnebre. Acho que as flores nasceram para serem apreciadas no seu próprio habitat, que são os campos. Lá, elas são mais vivas, são mais belas, mais misteriosas, mais inspiradoras. O Mestre dos Mestres apreciava mais os lírios, não atados com fitas, nem enfeitando túmulos. Observando atentamente os lírios no campo, Ele foi inspirado a construir uma metáfora, que passados dois mil anos, ainda repercute entre nós, de maneira marcante. Metáfora esta, que serviu de tema a Érico Veríssimo no seu inesquecível livro, “Olhai os Lírios do Campo”.

Dia de Finados é um dia triste, mesmo tendo monte de lírios e muita gente ao redor. Na minha mente um contraste fala mais alto, pois vejo na imaginação, Cristo,tendo ao seu lado uma multidão, e logo ali a sua frente uma plantação de lírios até se perder de vista, no horizonte. Vejo-O parando e observando meticulosamente os lírios flutuantes ante o sopro de uma brisa suave. Vejo-O observando também a multidão preocupada com o que havia de vestir. Vejo-O respirando fundo e falando poeticamente:
“Aprendei com os lírios do campo, como crescem, não trabalham e nem fiam. E, no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como um deles”.

Dei uma última olhada na praça de minha cidade e saí para minha casa, deixando atrás uma multidão bem vestida, tendo às mãos flores em sua maioria brancas, que bem poderiam ser, quem sabe, “lírios do campo”.
Mais tarde, tive a impressão de ver muitas pessoas cabisbaixas balbuciando preces inintelegíveis, enquanto outras impassíveis e com o olhar vazio, contentavam-se em observar ramos de lírios murchos deitados sobre uma lápide fria.



Ensaio por: Levi B. Santos
Guarabira, 03 de Novembro de 2008