23 fevereiro 2014

A Cidadela do “Auto-Engano”




Este pequeno ensaio poderia ter outro título, tal como: “No Reino da Subjetividade”. Fica evidente que para adentrar no mundo do que é subjetivo, não se pode prescindir dos conceitos trazidos por Freud que, no campo dos desejos, contra-desejos e pulsões conflitantes intrapsíquicas, fez importantes descobertas, ainda hoje em voga. A nova ciência – a Neuro-psicanálise está aí para demonstrar que os pressupostos psicanalíticos continuam sendo pilares básicos para quem quer compreender um pouco do funcionamento intrigante da mente.

A teoria freudiana sobre os mecanismos de defesas permanecem inabaláveis no meio científico. A idéia de que excluímos ou recalcamos impulsos intrusos que consideramos inaceitáveis em nossa sala de visita interna para evitar constrangimentos ainda não foi ultrapassada. Em resumo, vivemos sob o jugo do “enganar ao próximo e a nós mesmos”  

O auto-engano intra-psíquico é uma constante em nossa vida de relação. E aí cabe muito bem a máxima de Mark Twain: “Há um modo de descobrir se um homem é honesto: pergunte a ele; se ele responder sim, você sabe que é desonesto”.

Machado de Assis, em “Dom Casmurro”, faz um emblemático alerta que cai bem aqui citá-lo: “Quantas intenções viciosas há assim que embarcam, a meio caminho, numa frase inocente e pura! Chega a fazer suspeitar que a mentira é muita vez tão involuntária como a transpiração.”

No dizer de Eduardo Giannetti, sobre o “Auto-Engano”: O poeta fingidor, mestre na arte de se transportar por inteiro e mergulhar sem reservas nos abismos do eu profundo e dos outros eus, é um artista consumado no looping do auto-engano. O homem finge, e como diria Fernando Pessoa, ‘ele finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente’”. O poeta Drummond de Andrade, nesse sentido, chegou a afirmar: “Por muito que examine minha vaidade, não lhe vejo o mesmo tom desagradável da dos outros o que é uma vaidade suplementar”.

Desde a mais baixa escala no mundo animal o “engano” tem sido uma arma imprescindível para sobrevivência. É o caso da raposa que se finge de morta para enganar seu predador. É o caso do animal que emite falsos uivos para assustar os demais membros da alcatéia e assim ficar com a comida só para si. É o que acontece com as fêmeas de insetos que pela emissão de seus sinais luminosos emboscam os machões e os devoram. No reino vegetal acontece o mesmo ― as plantas carnívoras são um dos inúmeros exemplos.

Mas voltando ao homem. O que ele faz para enganar ao outro? Ele é um exímio ou astuto manipulador da linguagem. "O bebê de poucos meses de vida aprende a enganar antes de falar. O bebê, na sua iniciação lingüística, desde muito cedo, faz do seu choro uma arma para manipular seus pais: ao simular o choro ele se torna inconscientemente poderoso, e, via de regra, consegue vencê-los em prol da satisfação dos seus próprios desejos". A arte do engano, portanto, teve o primeiro palco lá em nossas origens. E por que não dizer que o Mito da Criação no Gênesis bíblico, é a história do “Big-Bang” do nosso Auto-Engano?

Dirão os religiosos fundamentalistas: “Isso é uma aberrante argumentação e uma blasfêmia contra Deus!”

E eu responderei, fazendo minhas, as palavras de Eduardo Giannetti:

É um engano, ou auto-engano acreditar que as Escrituras Sagradas dotadas de infinita sugestividade, possua uma única interpretação correta, no qual não precisamos incorrer”.

“No princípio foi o engano. E o engano estava com o homem...”


Por Levi B. Santos

Guarabira, 23 de fevereiro de 2014