Este
pequeno ensaio poderia ter outro título, tal como: “No Reino da Subjetividade”.
Fica evidente que para adentrar no mundo do que é subjetivo, não se pode
prescindir dos conceitos trazidos por Freud que, no campo dos desejos,
contra-desejos e pulsões conflitantes intrapsíquicas, fez importantes
descobertas, ainda hoje em voga. A nova ciência – a Neuro-psicanálise está aí
para demonstrar que os pressupostos psicanalíticos continuam sendo pilares básicos
para quem quer compreender um pouco do funcionamento intrigante da mente.
A
teoria freudiana sobre os mecanismos de defesas permanecem inabaláveis no meio
científico. A idéia de que excluímos ou recalcamos impulsos intrusos que
consideramos inaceitáveis em nossa sala de visita interna para evitar
constrangimentos ainda não foi ultrapassada. Em resumo, vivemos sob o jugo do “enganar ao próximo e
a nós mesmos”
O
auto-engano intra-psíquico é uma constante em nossa vida de relação. E aí cabe
muito bem a máxima de Mark Twain: “Há um modo de descobrir se um
homem é honesto: pergunte a ele; se ele responder sim, você sabe que é
desonesto”.
Machado
de Assis, em “Dom
Casmurro”, faz um emblemático alerta que cai bem aqui citá-lo: “Quantas
intenções viciosas há assim que embarcam, a meio caminho, numa frase inocente e
pura! Chega a fazer suspeitar que a mentira é muita vez tão involuntária como a
transpiração.”
No
dizer de Eduardo Giannetti, sobre o “Auto-Engano”:
“O
poeta fingidor, mestre na arte de se transportar por inteiro e mergulhar sem
reservas nos abismos do eu profundo e dos outros eus, é um artista consumado no
looping do auto-engano. O homem
finge, e como diria Fernando Pessoa, ‘ele finge tão completamente que chega a
fingir que é dor a dor que deveras sente’”. O poeta Drummond
de Andrade, nesse sentido, chegou a afirmar: “Por muito que examine minha vaidade, não lhe vejo o mesmo tom
desagradável da dos outros – o que é uma vaidade suplementar”.
Desde
a mais baixa escala no mundo animal o “engano” tem sido uma arma imprescindível
para sobrevivência. É o caso da raposa que se finge de morta para enganar seu
predador. É o caso do animal que emite falsos uivos para assustar os demais
membros da alcatéia e assim ficar com a comida só para si. É o que acontece com as fêmeas de
insetos que pela emissão de seus sinais luminosos emboscam os machões e os
devoram. No reino vegetal acontece o mesmo ― as plantas carnívoras são um dos
inúmeros exemplos.
Mas
voltando ao homem. O que ele faz para enganar ao outro? Ele é um exímio ou
astuto manipulador da linguagem. "O bebê de poucos meses de vida aprende a
enganar antes de falar. O bebê, na sua iniciação lingüística, desde muito cedo,
faz do seu choro uma arma para manipular seus pais: ao simular o choro ele se
torna inconscientemente poderoso, e, via de regra, consegue vencê-los em prol
da satisfação dos seus próprios desejos". A arte do engano, portanto, teve o
primeiro palco lá em nossas origens. E por que não dizer que o Mito da Criação
no Gênesis bíblico, é a história do “Big-Bang” do nosso Auto-Engano?
Dirão
os religiosos fundamentalistas: “Isso é uma aberrante argumentação e uma
blasfêmia contra Deus!”
E
eu responderei, fazendo minhas, as palavras de Eduardo Giannetti:
“É
um engano, ou auto-engano acreditar que as Escrituras Sagradas dotadas de
infinita sugestividade, possua uma única interpretação correta, no qual não
precisamos incorrer”.
“No princípio foi o engano. E o engano
estava com o homem...”
Por Levi B. Santos
7 comentários:
Caro Levi,
Como vc tocou no livro de Gênesis, faço menção da atitude enganosa tomada por Adão e Eva quando tentaram se esconder da presença de Deus indo eles para trás das árvores do Paraíso (Gn 3:8). Ou seja, acharam que poderiam se ocultar do Criador Onisciente, mas não foi possível.
Meu amigo, o homem não consegue esconder NADA de Deus! Por algum tempo, conseguimos enganar o nosso semelhante, mas nunca mentir contra a Suprema Realidade. Logo, se trapaceio A ou B, como esconder meu pecado quando fico a sós em qualquer lugar?
Ao contrário dos pais terrenos que se deixam manipular pelo choro do bebê, creio que Deus se comove por sua infinita misericórdia. Por causa disso a humanidade não é destruída de imediato pelas suas muita maldades.
Toda essa narrativa do Gênesis tomada de forma literal não nos ensina quase nada. Agora, se tomá-la como mito, representativo de nossos afetos paradoxais, colheremos frutos valiosos.
O Mito fala de nossas idiossincrasias, e com eu me referi no início do ensaio, poderia ter esse título: “ No Reino da Subjetividade”.
Subjetividade humana, que sem a introspecção, dela não nos damos conta. Sem a tradução dos caracteres peculiares presente nos elementos míticos, não se tem acesso ao recesso da mente.
Cairemos no auto engano perpétuo se não levarmos o “Mito da Criação” para dentro de nós, ao invés de projetá-lo para fora de nós.
Então você verá, Rodrigo, que o Mito do Gênesis traduzido intrapsiquicamente, poderia (por que não?) começar assim:
“No princípio foi o engano. E o engano estava com o homem...” (rsrs)
Boa tarde, Levi!
Concordo quando vc diz que "Sem a tradução dos caracteres peculiares presente nos elementos míticos, não se tem acesso ao recesso da mente". É o que busco passar nas minhas abordagens bíblicas ainda que limitadamente pois também sou sujeito aos meus enganos. Mas antes "seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso" como bem escreveu o apóstolo Paulo (Rm 3:4)...
Agora, irmão, não nos esqueçamos de que Deus criou o homem perfeito, reto, mas ele se meteu em muitas encrencas (Ec 7:29). Pois recebemos a oportunidade de aprender a caminhar com autonomia e dar os nossos passos, mas nessa evolução, levamos os nossos tombos. Felizmente, a bendita graciosidade da vida está aí para nos amparar de modo que recebemos nova chance para acertarmos o alvo.
A paz do Senhor!
O que caracteriza o homem é a imperfeição.
Portanto, Rodrigo, a idéia de que houve um homem perfeito é mais uma utopia, uma vez que não há no homem ressonâncias de que um dia foi dotado de tal perfeição. A essência desse desejo de ser perfeito, na história do mito da criação, foi divinizada pelo homem. Em suma a história do homem é a história de Deus.
Se nos aprofundarmos, esmiuçando o Mito da Criação, veremos que ele mostra o desejo ou anseio do homem de transportar a sua “essência divina” que reside dentro dele, para fora de si. Como também mostra o paradoxo humano: a luta permanente pela perfeição imaculada, que confere ao homem um poder ilusório, simbolizado pelo desejo de expulsar de si a “essência agressiva” instintual.
Lá no Éden (colo materno) o bebê dirige sua primeira agressividade contra a mãe, e depois contra o próprio pai. Veja que nesse fenomenal Mito, toda essa trama de afetos ambivalentes está simbolizada ou representada na figura de um Ser angelical superior que dentro de uma “harmonia celestial”, tal qual, a primeira alienação “mãe-bebê”, expulsa do seu seio (céu) uma parte de si mesmo. A consciência nasce, quando a criança se vê só, quando ela compreende que não é mais uma extensão física de sua tutora. O choro aparentemente inocente deu lugar ao choro teatral que “engana o pai”.
Em suma, tudo gira em torno do princípio do prazer: diante da falta de leite ou sua escassez, o bebê na sucção morde de forma agressiva o mamilo da mãe ― no que seria uma amostra de sua primeira agressividade destrutiva.
O doce engano paterno foi não ter descoberto desde o início, que o bebê simulava o choro real, e fazia dele uma poderosa arma em benefício dos seus desejos narcísicos. Daí eu ter escrito no epílogo do ensaio:
“No princípio foi o engano...” (rsrs)
Prezado, Levi.
Você escreveu que "a idéia de que houve um homem perfeito é mais uma utopia, uma vez que não há no homem ressonâncias de que um dia foi dotado de tal perfeição". NO entanto, vejo as coisas de uma outra forma.
Se refletirmos bem sobre os nossos corpos, veremos que, apesar das nossas imperfeições genéticas e enfermidades, somos detentores de uma máquina que até hoje a robótica não conseguiu criar outra idêntica. Tudo coopera em nosso organismo para o seu bom funcionamento através das harmônicas atividades de cada aparelho ou sistema. Assim nós respiramos, metabolizamos o alimento, excretamos as substâncias nocivas e nos reproduzimos gerando outros semelhantes para darem continuidade à nossa espécie. Assim, embora todo mundo tenha o seu probleminha de saúde, pode-se dizer que a perfeição existe em certo aspecto.
Igualmente o mesmo pode ser afirmado em relação ao planeta e seus ecossistemas, aos movimentos da Terra e de outros astros, e em resumo às leis da Física. Todo o Universo nos leva a concluir pela existência da perfeição e também de que algo encontra-se errado entre nós. Principalmente no meio social onde o homem opera por meio de suas trágicas decisões. Deste modo, o julgamento divino em relação à humanidade carece de uma melhor análise:
"E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dais de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela fostes formado; porque tu és pó e ao pó tornarás." (Gn 3:17-19)
O irmão fala numa "luta permanente pela perfeição imaculada", o que considero como o nosso esforço (ou de uma parte da humanidade) para viver bem sem prejuízo do próximo. Uns despertam-se para essa necessária busca de aperfeiçoamento e de santificação enquanto que outros preferem pensar somente no próprio eu tirando proveito daqui e dali, seguindo o princípio do prazer e não do amor. Este traduz um momento de maturidade humana quando passamos a buscar o nosso bem em conjunto com a inclusão do próximo.
Do mais, aprecio a oportuna comparação que fez em relação à criança. Apenas tenho um ponto de vista diferente quanto à perfeição pois ela é real ainda que estejamos bem longe de sermos perfeitos como perfeito é o nosso Pai Celestial.
A paz!
"Enganoso é o coração do Homem", Rodrigo!
(rsrs)
Com certeza, Levi! Por isso que precisamos também ouvir a voz de Deus e à instrução ancestral que encontramos na Bíblia Sagrada. A paz!
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