24 novembro 2018

“A MOÇA DO SONHO” E A “DEMOCRACIA BANGUELA”



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A canção “A Moça do Sonho” de Chico e Edu Lobo , foi esboçada para o show Cambaio em 2001. Em uma nova e magistral interpretação - foi incluída no recente Show e CD “CARAVANAS” de Chico Buarque.

Foi lá no magnífico Teatro Pedra do Reino – João Pessoa (15 de setembro de 2018 – pouco mais de duas semanas antes do primeiro turno da eleição para presidente da república), que tive a oportunidade de ver um Chico de pé (com sinais na face, denunciando seus setenta e quatro anos de idade). Impassível, só as mãos meio trêmulas acompanhavam, sob a forma de sentidos gestos, sua voz melancólica. Teatro lotado. Na plateia nenhum pio se ouvia, e as estrofes da dolente canção “A Moça do Sonho” extravasavam de sua boca, agitando e vibrando as cordas dos corações daqueles que estáticos o ouviam sentados em aconchegantes poltronas.


Arrisquei perguntar: Quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó.

Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: Quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu.” (Primeira parte de “A Moça do Sonho”)

O poeta é o rei das metáforas.

É impossível pensar em qualquer sonho sem que uma motivação original não tenha passado pela mente: quer seja um desejo, anseio ou impulso. O Sonho simplesmente é produto de uma elaboração dramática que parte dos fragmentos históricos pré existentes no subsolo de nosso aparelho psíquico”. (Já dizia Freud, em “A interpretação dos Sonhos” – página 86)

E Chico, o poeta maior da MPB, por fim, como um exímio artista em “A Moça do Sonho”, exibia seus próprios desejos, seus próprios sonhos, sua utopia, sua esperança/desesperada, seu anseio em retornar ao “Jardim do Éden”, seu gozo imaginário por um venturoso “Milênio de Paz e Justiça” de que trata a religião cristã no livro do Apocalipse Bíblico.
Como metáfora para os dias atuais, por que não traduzir a “Moça do Sonho”, como a Democracia sonhada por muitos, principalmente, em tempos sombrios de mudança de governo?

Sou da época de Chico Buarque, e aprendi nos livros de História que a Democracia (ou sonho democrático) nasceu na Grécia de Péricles e Aristóteles - 500 Anos a.C.. Mas a coitada, creio eu, foi tão maltratada que já chegou ao Novo Mundo desdentada.

A título de realce, não poderia deixar de repetir, aqui, o que escreveu o pai de Chico (o Historiador Sérgio Buarque de Holanda) sobre nossa suposta cordialidade democrática ─ no antológico clássico ─ “Raízes do Brasil”:

A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. […] Nossa independência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa evolução política vieram quase de surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com displicência ou hostilidade”.

E por falar em “sonho democrático”, não é que o cartunista, André Dahmer, da Folha de São Paulo (no Caderno Ilustrada da Folha de São Paulo de 10 de novembro de 2018) publicou um humorado quadrinho (Vide Figura no Topo do texto) que, muito bem, poderia ter esse título: “Você Beijaria a Democracia Banguela?”

Bem, pelo menos em sonhos (utopia), o poeta maior da MPB deixa implícito na pungente canção, o desejo (que também é o nosso) de um dia encontrar essa “Moça”, e não voltar jamais (que fique claro: com todos os dentes e não banguela)


Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a Vida não…


Um lugar deve existir
Uma espécie de Bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre as escadas que fogem dos pés
E relógios que andam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava jamais”. (final da letra de “A Moça do Sonho”)




03 novembro 2018

QUANDO O ATO DE PERDOAR É UM “TAPA NA CARA DO OUTRO”







Quando se fala em perdoar o outro, há que se deter no fato de que há perdões para todos os gostos. Existe até aquele tipo de pedido de perdão que faz cessar a raiva de quem planeja a tal ação não tão virtuosa assim. Digo não virtuosa por ser de fundo egoístico. No ato do “generoso” está escondido o desejo inconsciente (ou consciente) de constranger àquele que o injustiçou.


Há quem afirme que o ato de perdoar uma pessoa inimiga pode, por incrível que pareça, ser uma espécie de vingança recolhida. Nesse caso, a pessoa que pede perdão ao faltoso, sente-se como se tivesse dado um soco no estômago ou tapa na cara de quem lhe fez mal. Na realidade, a solicitação de perdão da pessoa atingida em sua sensibilidade àquele que provocou o dano, tem mais a função de aliviar o ressentimento interior do magoado ― uma forma sutil e até certo ponto covarde ―, que pode muito bem ser considerada um revide a suposta ofensa recebida. Refletindo bem, esse ato de pedir perdão confere a quem o pede, uma sensação de superioridade sobre o outro que, nessas ocasiões, se mostra desconcertado ou constrangido. Uma versão bíblica mais versátil sobre essa modalidade de perdão se encontra no Livro de Provérbios de Salomão (25: 21, 22): “Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer, e se ele tiver sede, dá-lhe água para beber. Porque juntarás brasas ardentes sobre sua cabeça”.

Em resumo, é mais ou menos assim, o que se passa na mente de quem resolve pedir perdão ao inimigo:


...esperei demais que ele viesse me pedir perdão, até que encontrei uma fórmula de me vingar dele: ao invés dele vir a mim, quem vai a ele sou eu, quando deveria ocorrer o contrário”.


Por outro lado, lá no fundo do coração ou do inconsciente de quem pede essa modalidade de perdão, flui uma nesga de prazer ao ver o outro humilhado ou lívido de vergonha. Reza a psicanálise que isso faz parte das nossas relações narcisistas de cada dia.


Na verdade, o simbolismo da expressão ― “tapa na cara ou soco no estômago” ―, pode corresponder a mistura de duas dores: a de um que, fomentado pela mágoa, não conseguiu esquecer uma ferida antiga e a do outro que não teve como guardar remorso por algo acontecido em sua vida pregressa.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de novembro de 2018