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29 agosto 2018

Como Será o “Admirável Mundo Novo” das Próximas Décadas?






Em 1932, Aldous Huxley, publicou o clássico “Admirável Mundo Novo”. Acredito que essa obra de “ficção” tenha provocado muita sensação naquela época. Tempos, em que praticamente engatinhávamos em matéria de tecnologia e ciência. O que esse famoso autor inglês pensava que pudesse acontecer seiscentos anos para frente, será que em questão de poucas décadas se tornará uma realidade?

Pelo andar da carruagem, não estamos muito longe de ser dominados pela ciência e tecnologia, como Aldous Huxley, há 80 anos, tão bem previu, com ares de utopia. Muitos cientistas contemporâneos constatam que esse Éden utópico nunca esteve tão próximo de nós quanto agora.

Tomemos a China de hoje, como exemplo. Para quem ainda não sabe, o governo chinês já obriga as pessoas a efetuarem um cadastramento facial a fim de que, através de uma plataforma, possam ser observadas onde quer que estiverem, vigiadas por inúmeras câmeras, à semelhança das instaladas em toda parte para descobrir os opositores da ditadura do “Grande Irmão”, no clássico “1984” de George Orwell.

No campo da Medicina, robôs e maquinários digitais de última geração já substituem o encontro entre médico e paciente, principalmente, no que diz respeito aos exames de imagens. O paciente avalia, ele próprio, seus sintomas e se dirige às clínicas imagéticas a fim de realizar ultrassonografia, tomografia ou cintilografia. Nos EUA, para uma maior rapidez na obtenção de lucro, as empresas médicas têm que usar o precioso tempo de que dispõem para aumentar sua produtividade. Para isso, terceirizam a confecção dos laudos de imagens com empresas de tecnologia médica na Índia. Quando anoitece nos EUA o dia está amanhecendo na Índia. Enquanto os profissionais da medicina e os pacientes nos EUA dormem, as imagens são recebidas via internet para serem analisadas por técnicos indianosA coisa é tão sincronizada que na manhã do dia seguinte o paciente está recebendo seu resultado de exame, realizado por um agente que nem a própria clínica que o atendeu nem o beneficiário sabem quem foi o examinador e com que presteza foi elaborado o diagnóstico.

No filme “Eu Robô” de Will Smith, um personagem suicida-se ao perceber que a máquina dotada de inteligência artificial, com o tempo, passara a decidir o que os humanos deviam ou não deviam fazer uma espécie de ditadura das máquinas.

Já pensou nisso, caro pai ou avô dos dias atuais: Ginoides, como Sophia do filme "Eu Robô"(produzido em 2004), portadoras de inteligência artificial e altamente condicionadas, a passearem lado a lado com nossos bisnetos e tataranetos? 

No “Admirável Mundo Novo” imaginado por Aldous Huxley, o sentimentalismo e as emoções naturais do indivíduo são substituídas por um bem estar ou estado prazeroso de variada graduação, produzido de forma instantânea por substâncias químicas; tudo a depender da quantidade da dose ingerida do comprimido por ele denominado soma”. No mundo historiado pelo autor não existem mães nem pais para se alienar aos filhos. Os embriões são gerados em laboratórios e mantidos em incubadoras, para um posterior condicionamento psicobiológico. De acordo com a necessidade da comunidade (divididas em classes), produzem-se em séries, os alfas(entes superiores), e os de escala inferior ou decrescente: os betas, os gamas, deltas e ypsilons.

Na narrativa alegórica criada magistralmente por Aldous, todos os livros filosóficos e religiosos foram antecipadamente trancafiados em cofres superseguros, para que os seres produzidos laboratorialmente por cientistas não pudessem descobri-los. Se tal descoberta viesse acontecer, com certeza, provocaria um grave desequilíbrio ou conflito perigosíssimo entre os condicionados pelo avanço tecnológico/científico e os considerados selvagens(nascidos de forma natural). Na realidade, em sua fantasiosa descrição, o autor faz uma crítica ao mundo que, em sua época, dava os primeiros sinais de progresso, ensejando até a castração do lado afetivo humano, proveniente da ancestralidade paterna e materna internalizada em cada um. As criaturas de Aldous Huxley, chocadas em laboratório e depois condicionadas, são levadas a exclamarem de forma autômata: “Graças a Ford!” uma deferência ao poderoso Henry Ford, expressão que corresponde ao “Graças a Deus” dito de forma natural pelo primitivo ou selvagem.

A fantasia de Aldous, em sua antológica obra , tem muito a ver com a sociedade pós-moderna, cada vez mais influenciada pelas admiráveis conquistas tecnológicas que, em vão, tentam abafar o sofrimento, a angústia, os conflitos e as frustrações humanas. O homem da modernidade líquida é um sucedâneo do “Cidadão kane” que Orson Welles tão bem descreveu nos idos de 1941: personagem que queria reformar a sociedade construindo um mundo só seu, mas, no final, acabou sendo vítima de suas próprias armadilhas.

Certo dia, um dos Administradores do Conselho Supremo do Centro de Condicionamento (equivalente a um Alfa maior), sem querer, teve um sonho. “Sonhou que retirara um livro do cofre secreto. Ao abri-lo no lugar marcado por uma tira de papel, começou a lê-lo: nós não pertencemos a nós mesmos, assim como não nos pertence aquilo que possuímos. Não fomos nós que nos fizemos, não podemos ter a jurisdição suprema sobre nós mesmos. Não somos nossos próprios senhores.” (Admirável Mundo Novo Aldous Huxley ― Editora Globo página 277)

A Conclusão óbvia a que chegamos, após a leitura reflexiva de o “Admirável Mundo Novo”, é a de que o indivíduo, por mais que se considere evoluído, jamais poderá anular ou liquidar a idade média e o primitivismo que habitam as profundezas sombrias de sua psique. Por mais que tente se modernizar, nunca deixará de sentir as ressonâncias daquilo que foi arquivado e permanecerá eterno enquanto a vida venha durar. Cabe aqui relembrar o poeta e cantor cearense, Fagner, que nos deixou essa pérola de expressão que resume bem os afetos incontroláveis e imponderáveis do nosso inconsciente: “Quando a gente tenta de toda maneira dele se guardar/Sentimento ilhado, morto, amordaçado/Volta a incomodar” [“Revelação” Canção de Raimundo Fagner]


Entorpecido pelo SOMA que lhe deram pela boca, o Selvagem jazia adormecido. O sol já ia alto quando ele acordou. Ficou imóvel por um momento, os olhos piscando à luz, numa incompreensão de animal mutilado, depois, repentinamente, lembrou-se de tudo.

Oh meu Deus, meu Deus! cobriu os olhos com as mãos”. [Desfecho última página do livro “Admirável Mundo Novo”]


Por Levi B Santos
Guarabira, 29 de agosto de 2018

03 janeiro 2017

Consulte o Google e Nada Lhe Faltará






O historiador Israelense, Yuval Noah Harari, autor de Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (Editora Companhia das Letras), em um artigo intitulado ― “Adeus Ao Livre-Arbítrio” ―, veiculado na última edição da Revista Veja do ano 2016, em rápidas pinceladas, discorre sobre o que ele considera um novo credo: o “Dataísmo”.

O Dataísmo percebe o universo como um fluxo de dados, veem os organismos como pouco mais que algorítmos bioquímicos e acreditam que a vocação cósmica da humanidade é criar um sistema de processamento todo-abrangente ― e depois fundir-se nele” ― diz o autor israelense.

Numa entrevista dada à Folha de São Paulo, há pouco mais de um mês, Yuval Noah acentuou que “a idolatria da informação, ou Big Data, pode substituir o humanismo liberal e tornar-se a “religião” do século XXI, com grave ameaça para aquilo que a ciência não consegue explicar com seus algorítmos: a consciência”.

Animados por dados de pesquisas comprovando que “estímulos de tecnologias digitais podem mudar o cérebro e a maneira como ele percebe as coisas”, os cientistas, de uma maneira geral, estão cada vez mais sonhando com o tempo em que a tecnologia desvendará, afinal, os segredos da alma humana.

Quem não se deslumbra ante a possibilidade de um dia ver a tecnologia do mundo virtual penetrar nas profundezas do cérebro humano para trazer, enfim, através de remodulações das conexões neurais, a tão sonhada felicidade? Freud concebia que o “princípio do prazer” regia o homem do seu tempo. Mas os deuses da religião advogavam e ainda advogam que o sofrimento é essencial para o amadurecimento. Lacan dizia que a falta ou vazio é que fazia nascer o desejo. Por essa época se pensava que a satisfação plena dos desejos poderia levar ao fim do homo sapiens e consequentemente do mundo.

Esse desejo ardente de desvendar os recônditos da psique, vem de muito longe. Encontrar o fundamento do universo humano foi a preocupação maior dos filósofos da antiguidade. “Conhece-te a ti mesmo” ― esse conhecidíssimo bordão atribuído ao personagem Sócrates, criado por Platão, resume todo o desejo de plenitude que nunca nos abandona. Hoje, a célebre máxima do grande filósofo, está sendo substituída por algo como: “Quer saber tudo sobre você? ― pergunte ao Google”.

Incrível, mas o Google, em certos casos, já substitui o médico. “Empresas on line já oferecem diagnósticos médicos em seu sistema de buscas”(Vide Link). Você pode fazer perguntas sobre temas de saúde que o Google responde automaticamente.

O Google, assim como o Deus-Pai da religião, sondará a alma dos que frequentam os templos cibernéticos e penetrará, nos arquivos privados ou secretos dos cidadãos para conhecer seus pontos fracos, nos mínimos detalhes. Se não sabia, fique sabendo que há trabalhos acadêmicos demonstrando que o espírito cibernético já supera o homem no desvendamento de problemas aparentemente insolúveis, numa rapidez imensurável. Ele já força a imaginação humana no sentido ou direção daquilo que bem deseja. “Onde a razão termina a criatividade do Google começa”. O Google é tão poderoso que já foi criado para si uma versão bíblica do Salmo 23 ― “O Google é o meu Pastor” (Vide Link)

Programas de computadores, dizem os modernos tecnocratas do mundo virtual, poderão futuramente substituir, os médicos, advogados, músicos e poetas. “Os heróis serão facilmente manipulados pelos supercomputadores”. Em vez de se dizer: “Ouça seus sentimentos!”, o Dataísmo ordenará: “Ouça seus algorítmos!. Eles sabem como você se sente”. Mas você, para atingir tal nível de conhecimento, “deverá permitir que o Google e o Facebook leiam todos seus e-mails, todos seus bate-papos e mensagens e mantenham um registro de todas as curtidas e cliques”. “...essas redes analisarão quantidades astronômicas de dados que nenhum humano é capaz de abranger, e aprendem a reconhecer padrões e a adotar estratégias que escapam à mente humana” ― advoga o autor de “Homo Deus”.

Discorrendo sobre a era Google, Carlo Ginzburg afirma que esse site é, ao mesmo tempo um poderoso instrumento de pesquisas históricas e um poderoso instrumento de cancelamento da história. Porque, no presente eletrônico, o passado se dissolve”. (Vide Link)

Provavelmente muitos de nossa geração não mais estarão aqui para presenciar a tecnologia digital interferir em áreas cerebrais responsáveis pela cognição, afetividade e tomada de decisões importantes. A alma humana, enfim, navegará por caminhos preconcebidos, e porque não dizer des-humanos.

Com certeza, não estarei mais aqui para experimentar essa gerigonça cibernética em forma de capacete que pretende fazer a humanidade viajar longe, na imaginação, até o terceiro céu, descrito pelo apóstolo Paulo há quase dois mil anos. Tenho a impressão de que a vida futura artificial criada pela tecnologia digital, ao pretender anular os traumas da primeira infância do sujeito, lhe trará consequências desagradáveis, entre elas, o apagamento do sentimento nostálgico ou de saudade, além dos desejos utópicos que tanto nos inspiram a escrever e versejar. Essa paz cibernética, reino onde tudo é preconcebido milimetricamente, transformará o homo sapiens em um ser autômato e sem graça. Ao deletar os nossos arquivos primevos, a neurociência digital tornará a vida muito insossa, pois a dessemelhança de nosso passado é que nos faz interagir, sonhar e dialogar. Sem o passado que nos move e nos inspira seremos seres semelhantes e, como linhas paralelas, caminharemos indefinidamente sem nunca encontrarmos.

Aí então, o Frankenstein (1817) ― ser humano artificial produzido pela fértil imaginação de Mary Shelley ―, deixará de ser ficção científica para se tornar a mais pura realidade.

Tempo virá em que, a um simples clique no seu computador, o Google revelará coisas maravilhosas que você jamais imaginou. Você experimentará prazer sem surpresa, e adeus sem lágrimas. Passeará por bosques soberbos, e subirá em altos carvalhos sem sair do canto. Tudo virá à sua mente sem o mínimo esforço. Você se encantará dentro de suntuosas catedrais, onde terá a oportunidade de escolher a sua música futurística predileta. Enfim, viajará por mares nunca navegados.

E quanto ao perigo do conectado morrer de uma overdose ao se embriagar com a felicidade virtual? Refletindo bem, não acredito que isso possa acontecer, pois, o algorítmo responsável pela inteligência artificial, ante o risco iminente de morte, desligará automaticamente as novas modulações de conexões neuroniais, trazendo o sujeito cibernético de volta ao modo natural de vida.

Quando o conectado entregar seu corpo e sua mente ao total controle da engenharia biológica da computação, deixará de ser risível a recente versão digital do Salmo 23 (Vide Link): “...Ainda que eu ande pelo vale da ignorância e da insensatez, não temerei mal algum, Porque Tu estás comigo diuturnamente. Os teus Links e os teus Arquivos me consolam”.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de janeiro de 2017


13 dezembro 2016

Um Tenebroso Sonho com a República



Não raramente tenho tido sonhos angustiantes. Mas esse que tive recentemente, pela gravidade do momento que ora atravessamos, talvez tenha sido o mais estarrecedor. Não obstante, os antigos acreditarem que sonhos podem prever o futuro, na minha cética compreensão, acompanho Freud, quando ele diz que “todos os sonhos se originam do passado em todos os sentidos”. Mesmo projetado num futuro, o sonho do tempo presente tem, em seu bojo, conteúdos já experimentados e recalcados no subsolo obscuro da mente.


Sonhei que estava no início de julho três meses antes da eleição presidencial de 2018 , época em que a operação Lava-Jato, como nunca tinha ocorrido antes, vinha funcionando de forma temerária e avassaladora. Lembro bem da voz tonitruante que fez estremecer todo meu corpo: “já contamos com mais de trezentos congressistas denunciados como réus”. Manchetes dos principais jornais do país passavam por minha mente dando conta de que nossos seis principais partidos políticos estavam sem pré-candidatos à presidência da república. Ninguém estava em condições de assumir o posto maior da nação, provocando, em consequência, uma crise sem precedentes desde que o mundo é mundo.

Em minha visão, um senhor de longa beca preta, parecendo um dos ministros do Supremo, saiu-se com essa: “Eu avisei! Eu avisei que a Lava-Jato, com seu ímpeto puritano, terminaria por inviabilizar o país!” No desenrolar do sonho veio a minha percepção que o vaticínio do ministro teria começado a se concretizar em uma reunião secreta, por ocasião da recusa de um membro do Senado em assinar uma intimação enviada pelo próprio STF, nos idos de dezembro de 2016. Um detalhe do sonho, nunca vou esquecer: O senhor de preto, usando da ironia, cantarolava (baixinho, para ninguém ouvir) o último verso de ― ”FESTA” ―, música funk muito conhecida, na voz da grande intérprete baiana, Ivete Sangalo: “...Vai rolar a festa/Vai rolar/O povo no gueto/Mandou avisar.”

De repente, me vi em um grande salão ricamente condecorado. Um guarda com vestes imperiais, dirigindo-se a mim, detonou: aqui você não pode entrar, os três poderes estão se reunindo para descascar um grande abacaxi! Depois de vários jantares secretos nesse belíssimo salão nobre, as autoridades levantaram-se cabisbaixas e, tomando seus valiosos automóveis, desapareceram com destino incerto, como fantasmas evaporando no ar. Foi quando vi uma fumaça branca subindo no céu do planalto central brasileiro, indicando que haveria eleição para presidente da república: Do lado de fora do prédio vi uma grande faixa branca onde estava escrita, em letras vermelhas reluzentes, a inscrição: “A fórmula encontrada foi uma intervenção vinda do Céu!”. Por falar em Céu, pude escutar uma voz cavernosa a imitar a célebre e sábia decisão de Cristo diante dos apedrejadores da prostituta, narrada nos Evangelhos: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra”

Perguntei ao guarda sobre o motivo dessa reunião secreta. Após olhar para frente, para trás e para os lados e não vendo ninguém por perto, segredou-me ao ouvido: Pelo placar de 9X1, ficou decidido que só os réus com até três processos é que poderiam se candidatar ao posto máximo do país. Pelo mesmo escore, também decidiram que a Lava Jato seria controlada por um Conselho, aos moldes do CNJ. Diante do caráter urgente prevalecera o bom senso de que não se deveria retardar o veredicto. Imediatamente, após a fala do guarda, vi uma enorme pomba falante passar em voo rasante sobre minha cabeça. Em todo seu esplendor, ela estava alí, bem evidente a grasnar em latim: “Periculum in mora!”


Em minha mente, eu tinha a nítida percepção de que a decisão tomada de urgência pela alta cúpula dos poderes não tinha agradado aqueles presidenciáveis que, apesar dos fardos pesados que carregavam nos ombros e em outros recantos, estavam na crista da onda midiática.

Como é comum em sonhos se pular em frações de segundo de um ambiente para outro completamente diferente, de repente estava eu deitado no sofá de minha sala assistindo ao Jornal da GloboNews (edição da meia-noite), do qual, só retive na memória a última fala do comentarista de plantão, especialista em política e economia:

...Talvez tenha sido por isso que o dólar subiu e a Bolsa despencou. O Mercado, as empresas nacionais/internacionais e os banqueiros não gostaram da solução acordada pelos três poderes. Os que estavam de corpo e alma envolvidos em muitas denúncias na Lava-Jato eram os preferidos do Mercado. O Mercado temia os mais puros de coração(os com menos de três processos): é que os imaturos, devido a falta de traquejo político-econômico, poderiam por tudo a perder ao assumir o cargo de presidente da república. Os barões, administradores dos bancos e das grandes empresas, apesar de confiarem no espírito poderosamente inflamável do Neo-Liberalismo, temiam que o presidente eleito, imbuído de um idealismo edênico, interferisse em suas futuras e obscuras negociatas com o poder público”.

O desfecho do sonho foi tremendamente assustador. Lembro que estiquei-me todo, ficando nas pontas dos pés sobre o assoalho de madeira de lei, a fim de me debater com mais vigor contra a água turva de odor irrespirável que inundava o salão nobre. Quando me encontrava no momento de maior agonia, lutando para que a água turva não entrasse em minhas narinas, nauseado e completamente sem forças, acordei do meu tenebroso sonho republicano.




Por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de dezembro de 2016

06 outubro 2015

Sem “Wi Fi” Não Dá






De há muito ele vinha observando o avanço tecnológico chegando a lugares nunca dantes navegados. O tal do “Wi-Fi” está sempre presente em locais onde há bastante gente com celulares, smartphones tablets e laptops. Agora, o Reverendo pensava com seus botões: Se esse espetacular recurso cibernético está em supermercados, em shoppings, livrarias, restaurantes, consultórios médicos e concessionárias de automóveis, por que não nas igrejas do Senhor?

Quando viu os professores chegarem a um estudo bíblico em sua igreja empurrando carrinhos de supermercados abarrotados de Bíblias, disse para si mesmo: chegou o momento de estabelecer o Wi-Fi em minha igreja. É para já ― pensou de forma altaneira.

Nessa noite não houve estudo. O Pastor mandou todos voltarem com seus carrinhos cheios de bíblias. Um dos irmãos disse que estava transportando cerca de 90 quilos de “Escrituras Sagradas”. É que iríam realizar um mega-estudo sobre as discordâncias nas inúmeras traduções de Bíblias do Mercado Gospel, pois estava havendo uma confusão danada entre as mais de duas mil denominações evangélicas existentes no Brasil, que na dúvida, confabulavam: Será que essa contém a mais verdadeira tradução? Depois, ao lerem outras de interpretação diferente da sua, achavam que deviam mudar. E era aquela celeuma sem fim de traduções bíblicas conflitantes a deixar todo mundo com  o "pé atrás". Havia a Bíblia de Dake, a de Thompson, a de Scofield, a de Jerusalém, a bíblia de Estudo Pentecostal, bíblia de Estudo NVI, bíblia da Mulher, bíblia na Linguagem de Hoje, bíblia de Estudo de Genebra, etc. Para a descrição não ficar tão cansativa, o(a) leitor(a) quer quiser saber mais sobre os tipos de bíblia, basta clicar aqui.

Não foi tão difícil chegar a um acordo sobre a senha do Wi-Fi que seria usada na igreja. A senha seria “DeuséGrande54321”. O reverendo trouxe um texto científico de um renomado instituto de Neuro-Teologia dos EUA, que dizia ter o homem moderno apenas um Giga de memória em seu cérebro, e que os computadores modernos chegavam a ter até 8 gigabytes de potência, ou seja, 800 mais espaço de memória que o do humano. Um fiel que tinha trazido 90 quilos de bíblias em seu carrinho de supermercado ficou de olhos arregalados, quando o reverendo lhe explicou que o conteúdo de todos os livros sagrados em seu poder, bastaria meio megabite de potência de um tablet, para guardá-los todos em sua memória. Ficou deveras contente quando soube que, no site de Busca do Google, só de tipos de orações, existiam mais de vinte mil.

E não é que no Google, existe até uma versão do mais conhecido trecho da bíblia O Salmo 23, bem ao modo da Era Digital [Vide Link: O Google é Meu Pastor”]

O sábio reverendo ao ver, enfim, que a busca da felicidade, em virtude da natureza humana, era baseada no modo TER de existência, passou a aconselhar seus fiéis a não importunarem Deus com coisas que os sites de busca já dão prontinhos a um sutil clique. Ficaria para apelação divina o que não se conseguisse através do Google. Passou a ser obrigatório o uso dos aparelhos digitais pelas crianças no aprendizado nas escolas bíblicas, em pesquisas de assuntos que diziam respeito mais ao fantasioso e religioso mundo infanto-juvenil.

A sua igreja cresceu assustadoramente. Ao ver o ar alegre estampado no rosto e olhos cintilantes dos que ali estavam reunidos em torno da telinha a tomar conhecimento das últimas novidades e milagres da era digital, quem ali chegasse, só poderia concluir que aquele povo tinha algo diferente para oferecer.

No culto das noites de domingo, em que era permitido mandar mensagens, vídeos e fotos para grupos do WhatsApp, numerosos paus de selfies com smartphones em uma de suas extremidades pareciam dançar sobre as cabeças dos fiéis, como se fossem arcos de violinos de uma invisível orquestra sinfônica em ação. Mensagens seguidas de fotos choviam, tais como: “Olha eu aqui a cantar!”, olha eu aqui a tocar!”, “Viu o meu vestido novo?” “Como acha que me saí?”

De início, os opositores do Wi Fi em igrejas reagiram de forma dura, digamos até violenta. Depois, foram se acostumando pouco a pouco com as “maravilhas” do evangelho digital dentro dos templos.

Tempos depois, apareceu um enorme cartaz bem na entrada do templo do reverendo inovador:
A Operadora informa que quem for pego roubando sinal de Wi Fi da Igreja será multado. A reincidência na prática desse vil pecado terá como consequência o alijamento do infrator do rol de membros da 'sancta ecclésia'.”


Por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de outubro de 2015

Link da Imagem: blogspot.com.br/2015/02/10-maneiras-de-se-tirar-uma-selfie-para.html

11 agosto 2014

Divagações Sobre “Onipotência do Desejo”




A onipotência do desejo pode ser comparada a uma vara de condão das histórias infantis. Sua força é tamanha que pode fazer com que o indivíduo passe a ignorar a realidade que o cerca. Mas convenhamos: o que não podemos é magicamente nos servir o tempo todo do objeto dessa idílica potência.

É difícil falar em onipotência do desejo sem ter que se reportar aos afetos que a religião tomou para si. André Eduardo Guimarães, filósofo e teólogo da PUC, de Belo Horizonte (MG), sobre esse pantanoso desejo no campo da sacralidade, assim discorreu:

 “as verdades religiosas são sublimações compensatórias. O homem passa à dimensão vertical, aquela do céu, porque os seus desejos não se realizam sobre o plano que constitui a sua sede e a sua meta, isto é, o plano horizontal das relações humanas. Neste ‘voar ao céu’ consiste a segunda função econômica da religião: a consolação”.

A psicanalista, Betty Milan, que deixou a sua Vila Esperança (São Paulo) para estudar com Lacan em Paris ― onde tudo lhe era frio, distante e estranho ―, em "Carta ao Filho"(Editora Record), conta  que “ao sair de casa à noite pelas ruas semi-iluminadas de Paris, passando pelo cais do Sena, olhando pela primeira vez as torres da Conciergerie, ouvia o seu pai dizer”: Em Paris, é preciso estar sempre de olhos voltados para o alto”.

Seu pai tinha falado isso há décadas, no entanto ela parecia ouvir a sua recomendação a cada passeio que fazia. Escolhera a psicanálise, talvez porque seu pai desejasse que ela fizesse Medicina. “Acho que essa escolha se explica, por um lado, pelo espelhamento, e por outro lado pelo desejo que o pai tem de prolongar a própria vida através da vida do filho e pela impossibilidade que este tem de dizer não àquele. Nessa situação o pai é vítima da ilusão da imortalidade, e o filho, do medo de matar o pai com a palavra não” ― narrou Betty.

 Em “A Vingança da Esfinge”, o psicanalista, Renato Mezan, interpondo-se entre a onipotência do desejo e as rígidas exigências da realidade, recorre a Conrad Stein: “a onipotência consistiria, caso se realizasse, num estado de ser simultaneamente o alfa e o ômega, abarcando o universo inteiro, de modo que não fosse necessário mais desejar ― porque todo o desejo implica uma falta, ainda que a varinha mágica pudesse removê-lo instantaneamente”.

Por outro lado, no plano imaginário, a escritora, Betty Milan, em seu arrebatador livro, “Carta ao Filho”, fala de uma característica singular do sujeito que é a de poder situar-se aquém ou além do presente:
À nossa maneira, nós humanos conseguimos ignorar a realidade e fazer o passado existir de novo graças à onipotência do desejo”. [...] A gente pode até esquecer os ancestrais. O desejo deles nunca esquece a gente, é o chamado ‘desejo do outro’, que só não é destino porque tanto podemos dizer SIM a ele quanto NÃO.”

Em um tempo que o cientificismo teima em dissecar alma humana em seus mais profundos recônditos, as velhas idéias teológicas, dogmas e sentimentos, como o que Leonardo Boff costuma denominar de “oceânico”, permanecem sem ser expurgados totalmente do homem, corroborando o que disse, certa vez, Mircea Eliade, no prefácio de seu primoroso livro Origens (Edições - Perspectivas do Homem):

“O homem moderno continua a sonhar, a apaixonar-se, a ouvir música, a ir ao teatro, a ver filmes e ler livros ― em resumo, a viver não só num mundo histórico e natural, mas também num mundo existencial privado e num Universo imaginário”.

Parece-me que nas artes, nos rituais religiosos, nas leituras e filmes de ficção, a onipotência do desejo continua a reinar absoluto em nossa psique ― talvez, quem sabe, uma reprise da onipotência mágica dos desejos experimentados ou vivenciados em nossa curta infância.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 11 de agosto de 2014