O
historiador Israelense, Yuval Noah Harari, autor de
“Homo
Deus:
Uma
Breve História do Amanhã”
(Editora Companhia das Letras), em um artigo intitulado ― “Adeus
Ao Livre-Arbítrio” ―, veiculado na última edição da
Revista Veja do ano 2016, em rápidas pinceladas, discorre sobre o
que ele considera um novo credo: o “Dataísmo”.
“O
Dataísmo percebe o universo como um fluxo de dados, veem os
organismos como pouco mais que algorítmos bioquímicos e acreditam
que a vocação cósmica da humanidade é criar um sistema de
processamento todo-abrangente ― e depois fundir-se nele” ― diz
o autor israelense.
Numa
entrevista
dada à
Folha de São Paulo, há pouco mais de um mês, Yuval Noah
acentuou que “a idolatria da informação, ou Big Data, pode
substituir o humanismo liberal e tornar-se a “religião” do
século XXI, com grave ameaça para aquilo que a ciência não
consegue explicar com seus algorítmos: a consciência”.
Animados
por dados de pesquisas comprovando que “estímulos de
tecnologias digitais podem mudar o cérebro e a maneira como ele
percebe as coisas”, os cientistas, de uma
maneira geral, estão cada vez mais sonhando com o tempo em que a
tecnologia desvendará, afinal, os segredos da alma humana.
Quem
não se deslumbra ante a possibilidade de um dia ver a tecnologia do
mundo virtual penetrar nas profundezas do cérebro humano para
trazer, enfim, através de remodulações das conexões neurais, a
tão sonhada felicidade? Freud concebia que o “princípio do
prazer” regia o homem do seu tempo. Mas os deuses da religião
advogavam e ainda advogam que o sofrimento é essencial para o
amadurecimento. Lacan dizia que a falta ou vazio é que fazia
nascer o desejo. Por essa época se pensava que a satisfação plena
dos desejos poderia levar ao fim do homo sapiens e
consequentemente do mundo.
Esse
desejo ardente de desvendar os recônditos da psique, vem de muito
longe. Encontrar o fundamento do universo humano foi a preocupação
maior dos filósofos da antiguidade. “Conhece-te a ti mesmo”
― esse conhecidíssimo bordão atribuído ao personagem Sócrates,
criado por Platão, resume todo o desejo de plenitude que
nunca nos abandona. Hoje, a célebre máxima do grande filósofo,
está sendo substituída por algo como: “Quer saber tudo
sobre você? ― pergunte ao Google”.
Incrível,
mas o Google, em certos casos, já substitui o médico.
“Empresas on line já oferecem diagnósticos médicos em seu
sistema de buscas”(Vide
Link). Você pode fazer perguntas sobre temas de saúde que o
Google responde automaticamente.
O
Google, assim como o Deus-Pai da religião, sondará a alma
dos que frequentam os templos cibernéticos e penetrará, nos
arquivos privados ou secretos dos cidadãos para conhecer seus pontos
fracos, nos mínimos detalhes. Se não sabia, fique sabendo que há
trabalhos acadêmicos demonstrando que o espírito cibernético
já supera o homem no desvendamento de problemas aparentemente
insolúveis, numa rapidez imensurável. Ele já força a imaginação
humana no sentido ou direção daquilo que bem deseja. “Onde a
razão termina a criatividade do Google começa”. O Google é
tão poderoso que já foi criado para si uma versão bíblica do
Salmo 23 ― “O Google é o meu Pastor”
(Vide
Link)
Programas
de computadores, dizem os modernos tecnocratas do mundo virtual,
poderão futuramente substituir, os médicos, advogados, músicos e
poetas. “Os heróis serão facilmente manipulados pelos
supercomputadores”. Em vez de se dizer: “Ouça seus
sentimentos!”, o Dataísmo ordenará: “Ouça seus
algorítmos!. Eles sabem como você se sente”. Mas você, para
atingir tal nível de conhecimento, “deverá permitir que o Google
e o Facebook leiam todos seus e-mails, todos seus bate-papos e
mensagens e mantenham um registro de todas as curtidas e cliques”.
“...essas redes analisarão quantidades astronômicas de dados que
nenhum humano é capaz de abranger, e aprendem a reconhecer padrões
e a adotar estratégias que escapam à mente humana” ― advoga o
autor de “Homo Deus”.
“Discorrendo
sobre a era Google, Carlo Ginzburg afirma que esse site é, ao
mesmo tempo um poderoso instrumento de pesquisas históricas e um
poderoso instrumento de cancelamento da história. Porque, no
presente eletrônico, o passado se dissolve”. (Vide
Link)
Provavelmente
muitos de nossa geração não mais estarão aqui para presenciar a
tecnologia digital interferir em áreas cerebrais responsáveis pela
cognição, afetividade e tomada de decisões importantes. A alma
humana, enfim, navegará por caminhos preconcebidos, e porque não
dizer des-humanos.
Com
certeza, não estarei mais aqui para experimentar essa gerigonça
cibernética em forma de capacete que pretende fazer a humanidade
viajar longe, na imaginação, até o terceiro céu, descrito pelo
apóstolo Paulo há quase dois mil anos. Tenho a impressão de que a
vida futura artificial criada pela tecnologia digital, ao pretender
anular os traumas da primeira infância do sujeito, lhe trará
consequências desagradáveis, entre elas, o apagamento do sentimento
nostálgico ou de saudade, além dos desejos utópicos que tanto nos
inspiram a escrever e versejar. Essa paz cibernética, reino
onde tudo é preconcebido milimetricamente, transformará o homo
sapiens em um ser autômato e sem graça. Ao deletar os nossos
arquivos primevos, a neurociência digital tornará a vida muito
insossa, pois a dessemelhança de nosso passado é que nos faz interagir, sonhar e dialogar. Sem o passado que nos move e nos
inspira seremos seres semelhantes e, como linhas paralelas,
caminharemos indefinidamente sem nunca encontrarmos.
Aí
então, o Frankenstein
(1817) ― ser humano artificial produzido pela fértil
imaginação de Mary Shelley ―, deixará de ser ficção
científica para se tornar a mais pura realidade.
Tempo
virá em que, a um simples clique no seu computador, o Google
revelará coisas maravilhosas que você jamais imaginou. Você
experimentará prazer sem surpresa, e adeus sem lágrimas. Passeará
por bosques soberbos, e subirá em altos carvalhos sem sair do canto.
Tudo virá à sua mente sem o mínimo esforço. Você se encantará
dentro de suntuosas catedrais, onde terá a oportunidade de escolher
a sua música futurística predileta. Enfim, viajará por mares nunca
navegados.
E
quanto ao perigo do conectado morrer de uma overdose ao se
embriagar com a felicidade virtual? Refletindo bem, não acredito que
isso possa acontecer, pois, o algorítmo responsável pela
inteligência artificial, ante o risco iminente de morte, desligará
automaticamente as novas modulações de conexões neuroniais,
trazendo o sujeito cibernético de volta ao modo natural de vida.
Quando
o conectado entregar seu corpo e sua mente ao total controle da
engenharia biológica da computação, deixará de ser risível a
recente versão digital do Salmo 23 (Vide
Link): “...Ainda que eu ande
pelo vale da ignorância e da insensatez, não temerei
mal algum, Porque Tu estás comigo diuturnamente.
Os teus Links e os teus
Arquivos me consolam”.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
03 de janeiro de 2017
6 comentários:
Texto denso e reflexivo. Como propõe o autor, na forma de hipertextos lincados outros textos sobre o mesmo tema, acaba por fornecer ao leitor a oportunidade de mergulhar mais fundo naquilo que a sua curiosidade dê preferência, seja para a neurociêcia, seja para a cibernética, para o mundo dos bits e bytes ou qualquer outro tema relacionado com a sua abrangente abordagem. Ler Levi, é sempre uma agradável surpresa, principalmente quando trata da mente humana e das suas possibilidades. George Orwell, no seu clássico 1984, imaginou o Grande Irmão, uma super máquina capaz de controlar tudo e a todos, demonstrando o incansável sonho totalitário que vive a se digladiar permanentemente com o nosso sonho de liberdade, com as nossas utopias. Nada deterá os avanços da ciência. Nada deterá a vontade de controlar, como também nada deverá deter a vontade libertária dos que não aceitam padrões ou algorítimos controlando as suas existências. Tenho a impressão que a essência de tudo voltará sempre para o mais simples e misterioso, como o perfume da manga rosa que pacientemente descasquei e comi no café da manhã. Um grande abraço e obrigado pelo pelo presente de começo de ano.
É profético o que escreveu. Realmente isso é algo muito preocupante e que de algum modo atualiza o Apocalipse de S. João. Pois, suponha que de fato comecem a implantar chips nos seres humanos a fim de monitorarem não só por onde nos locomovemos no espaço geográfico bem como as nossas emoções e sentimentos, possibilitando uma rápida conexão com a internet para pagamentos virtuais, celebração de contratos, etc. Seria a destruição da humanidade e um domínio completo do Estado sobre o cidadão.
Ou de poderosas empresas sobre o cidadão...
“Tenho a impressão que a essência de tudo voltará sempre para o mais simples e misterioso, como o perfume da manga rosa que pacientemente descasquei e comi no café da manhã”. (Alexandre)
Você Alexandre, com essa simbólica frase poética, resumiu maravilhosamente tudo em duas linhas.
Devemos ter o máximo de cuidado com o progresso estonteante e globalizante do mundo cibernético, pois ele pode nos transformar em OBJETO de seus desejos midiáticos. O mundo virtual do Google nos presta um grande serviço, como o de nos juntar em uma grande rede de amigos para bate-papos sobre temas que nos são comuns.
Mas, no que tange à experiência subjetiva que está viva em cada um de nós e que como a nossa impressão digital é singular, única ou exclusiva, creio que jamais será afetada pela tecnologia científica cerebral. Os “deuses” não iriam permitir tal interferência (rsrs). Concorda?
Caro Rodrigo
Como explicitei no meu comentário acima, entendo que o Google pode monitorar muita coisa a respeito de nosso caminhar ou de nossa exterioridade, mas nunca anulará a nossa singularidade. O ser humano deve escapar dessa arrogante pretensão da Ciência.
Não sei se a geração dos meus netos verão essa atualização do Apocalipse a que você se refere. (rsrs)
Oi, Levi.
Fato é que todas as gerações vivem uma certa versão do Apocalipse, o que exige de nós a atitude de dizermos não ao que o mal tenta nos impor por diversos modos. Hoje o culto ao imperador que era prestado na Antiguidade para os reis de Roma de alguma maneira se perpetua quando pessoas bajulam políticos corruptos em proveito próprio tendo elas consciência dos danos que tais governantes causam à coletividade humana.
Abraços.
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