29 maio 2013

Sobre a Nossa Velha Ambivalência




Um lúcido e desconcertante artigo publicado pelo psicanalista, escritor e ensaísta Luiz Felipe Pondé, ferrenho crítico do que se convencionou hoje como o “Politicamente Correto”, despertou sobremodo a minha atenção. Nesta segunda feira (dia 27), em sua coluna semanal da Folha de São Paulo, seu ensaio explorou de maneira simples, profunda e cortante, a tal da “ambivalência” ― tema que Freud passou a sua vida remoendo ―, sem nunca deixar de ligar a sua origem aos primeiros sentimentos paradoxais dos filhos com relação ao pai, e vice versa.

O artigo mostra o quanto é doloroso e praticamente impossível ganhar a guerra contra a ambivalência. Ganhar essa batalha significaria excluir os conflitos de nossa existência, ganhá-la seria negar, o óbvio: a bipolaridade de nossos afetos (de um lado, o que somos, e do outro: o que pensamos que somos)

O alicerce de nossa cultura está firmemente arraigado à ambigüidade, isto é, ao desejo de manter a normatividade vigente e, ao mesmo tempo, desejar a sua desconstrução. Há quem veja na ambivalência, as atitudes covardes e heróicas do homem.

Sobre esse intrigante tema que, intrinsecamente, fala a respeito de nós mesmos, convido o leitor(a) amigo(a) a conferir o significante ensaio de Pondé, replicado aqui, com os devidos créditos. Espero que leiam bem devagar, como quem está degustando uma boa comida. (rsrs):

        (Por Luiz Felipe Pondé)

Você esconderia Judeus em sua casa durante a França ocupada pelos nazistas? Não, não precisa responde em voz alta.

Melhor assim, para não passarmos a vergonha de ouvirmos nossas mentiras quando na realidade a janta, o bom emprego e a normalidade do cotidiano sempre valeram mais do que qualquer vida humana. Passado o terror todos nós viramos corajosos e éticos.

Anos atrás, enquanto eu esperava um trem da estação de Lille, na França, para voltar para Paris, onde morava na época ― ainda bem que tinha minha família comigo porque paris é uma cidade hostil ―, li a resenha de um livro inesquecível na revista “Nouvel Observateur”.

Nunca li esse livro, mas a resenha era promissora. Entrevistas com filhos e filhas de pessoas que esconderam judeus em casa durante a Segunda Guerra davam depoimentos de como se sentiram quando crianças diante de atos de coragem de seus pais e suas mães.

A verdade é que essas crianças detestavam o ato de bravura de seus pais. Sentiam (com razão?) que não eram amados pelos pais, que preferiam por em risco a vida deles a protegê-los, recusando-se a obedecer a ordem: quem salvar judeus morre com eles.

Podemos “desculpar” as crianças dizendo que eram crianças. Nem tanto. Adolescentes sentiam o mesmo abandono por parte dos pais corajosos. Cônjuges idem. Está justificada a covardia em nome do amor familiar? Nem tanto, mas deve-se escolher um estranho em detrimento de um filho assustado?

Tampouco dizer que os covardes seriam vítimas vale, porque o que caracteriza a coragem é não se fazer de vítima coisa hoje na moda, isto é, se fazer de vítima. Não foi muito diferente aqui no Brasil durante a ditadura, guardando-se, claro, as dimensões do massacre.

No entanto, não me interessa hoje essa questão da falsa ética quando o risco já passou a moral de bravatas. Mas sim a ambivalência insuportável que uma situação como essa se desvela, na sua forma mais aguda.

Ou meu pai me ama ou ama o judeu escondido em minha casa, ou ele me ama, mas não consegue dormir com a idéia de que não salvou alguém que considerava vítima de uma injustiça, e por isso me põe em risco. Eis a razão mais comum dada por esses pais, quando indagados de pôr em risco sua vida e família: “Não conseguia fazer diferente”. Mas a ambivalência da vida não se resume a casos agudos como esses.

Freud descreveu os sentimentos ambivalentes da criança para com o pai, no Complexo de Édipo: amo meu pai, mas também quero me livrar dele.

Independente de crer ou não em Freud plenamente (sou bastante freudiano no modo de ver o mundo, e Freud foi primeiro objeto de estudo sistemático em minha vida), a ambivalência aí descrita serve como matriz para o resto da vida.

Os pais amam os filhos (nem sempre), mas ao mesmo tempo ter filhos limita a vida num tanto de coisas (e hoje em dia muita mulher deixa de ser mãe aos 40 por conta deste medo, o que é péssimo porque a mulher biologicamente deve ser mãe antes dos 35). Apesar dos gastos intermináveis, no horizonte jaz o possível abandono na velhice por parte destes mesmos filhos “tão” amados.

Mas, ao mesmo tempo, não ter filhos pode ser uma chance enorme para você envelhecer como um adulto infantil que tem toda sua vida ao redor de suas pequenas misérias narcísicas.

Casamento é a melhor forma de deixar de querer transar com alguém devido ao esmagamento do desejo pela lista infinita de obrigações que assolam homens e mulheres, dissolvendo a libido nos cálculos da previdência privada.

Mas, ao mesmo tempo, a liberdade deliciosa de transar com quem quiser (ficar solteiro), com o tempo, facilmente fará de você uma paquita velha ridícula sozinha que confunde pagar por sexo com um homem mais jovem com emancipação feminina. E, no caso do homem, o tiozão babão espreita a porta.

E, também, terá razão quem disser que mesmo casando você poderá vir a ser uma paquita velha ou um tiozão babão.

Quantas ambivalências espera você nessa semana?


P.S.:

É mordaz e irônico esse Pondé. Ele nada contra a “maré”, e não está nem um pouco preocupado com o fato de desagradar a maioria.



Guarabira, 29 de maio de 2013



24 maio 2013

“Vale de Ossos Secos”: O Enigma




Estava eu, solitário, na tarde da última quarta Feira (dia 21), a descansar no alpendre de minha casa, deliciando-me com um vento ameno que soprava gostoso, denunciando o fim da estação calororenta de um verão tardio. Tinha o olhar fixo no céu nublado que prenunciava um inverno que teimava em não apresentar sua verdadeira cara de chuvas torrenciais, que sempre nessa época caem, quando uma visita inesperada e inusitada levou-me ao tempo de minha juventude ― época em que os eflúvios de minha vivência igrejeira “espiritual” se mesclavam com os efeitos dos hormônios responsáveis pelo desabrochar dos instintos ou afetos de fundo sexual. Fui levado ao passado da minha inocência, tempo em que exibições exteriores de uma aura de santidade vestiam o meu viver, quando na verdade, sem firmeza, cambaleava entre a Lei e a culpa pela “fraqueza” de ceder a um desejo maior que incessantemente me dilacerava a carne.

A visitante ilustre militava comigo nas Assembléias de Deus na Capital do Estado. Ainda, hoje, apesar do peso da idade, essa incansável militante pentecostal a frente do Círculo de Orações, continua a exercer o seu ministério com muita garra. Antes de qualquer conversa apresentou-me fotos encardidas de um tempo em que fazia parte de um conjunto musical evangélico. Na foto, lá estava eu com um acordeom verde brilhante da marca Hering, junto a guitarristas e violinistas a tocar não sei que hino.

De posse das duas fotos, eu e minha ilustre visitante ficamos a conferenciar, por um bom pedaço de tempo, sobre qual seria o hino que estaria ali tão garbosamente a executar. Seria um hino “penoso” em tom menor, ou seria um num ritmo mais animado, em tom maior? Depois de pensar um pouco, eu lhe disse: “pelo jeito e pelas caras dos componentes, estávamos tocando um hino avulso, que começava com a frase:a vida tem tristezas mil, nem tudo é um céu de anil..., Lembro que tínhamos adaptado esse hino num ritmo bem frenético, denominado na época, iê-iê-iê ― o mesmo estilo executado pela Jovem Guarda tão decantada pelos moços daqueles saudosos anos.

Ela mostrou-se imensamente interessada em saber se eu ainda cria em, Deus, Jesus e o Espírito Santo. Respondi que essas ligações afetivas imaginárias transcendentes, apesar de traduzi-las de uma maneira não dogmática, não estavam desarquivadas do meu inconsciente. Fiz ver, que os belos hinos do hinário “Harpa Cristã”, hoje, ainda me faziam sentir os mesmos eflúvios do passado, e que eu não me considerava des-ligado desse passado no qual fui forjado.

Tive a oportunidade de recordar fatos do meu passado igrejeiro, desta feita, fazendo em paralelo, uma releitura bem mais sincera e transparente do que realmente se passava na minha alma, naqueles dias de fulgor e fervor, quando cursava o científico, preparando-me para o vestibular de Medicina.

Depois de conversa vem, conversa vai, a irmã em Cristo segredou-me que tinha uma mensagem do Deus dos meus pais, a mim endereçada: Tratava-se da profecia sobre o "vale de ossos secos", que se encontra no livro de Ezequiel (V.T). O estado degradante em que se encontrava sua nação no cativeiro da Babilônia, por certo, comoveu o profeta em seu íntimo, a ponto de se ver diante da figura de Javé, que o impelia a falar para um vale cheio de ossos ressequidos. Movido por um desejo intenso de liberdade, no seu imaginário, o profeta em exílio via pelos olhos da fé um montão de ossos se juntando e se encarnando, para formar um poderoso exército. Lembrei-me de que nos tempos do meu ativismo religioso, essa parábola de Ezequiel funcionava como uma mensagem de otimismo a sacolejar corações empedernidos.

Antes de encerrar o diálogo que já durava quase duas horas, a amiga pescadora de almas pediu-me encarecidamente que fizesse uma reflexão sobre essa emblemática passagem bíblica, e depois tirasse as minhas conclusões. Como essa tal de “conclusão” tem muito a ver com a subjetividade de cada um, entendia que a clareza da matemática que diz que o produto é igual à soma dos fatores, aqui, não encontraria respaldo.

Às vezes, por mais que se tente, não há como impedir coisas que vêm na cabeça da gente, de repente. Perguntei a mim mesmo: a história dos ossos secos seria o sinal de minha magreza, pois de duas semanas para cá, uma gastrite, ou sei lá o quê, tinha me incomodado bastante? A retirada de tudo que era de gordura da alimentação, me fizera perder cerca de três quilos. Mas a minha interlocutora de imediato refutou as minhas divagações. Considerando a minha racionalização como coisa de um “homem natural”, falou-me que “a interpretação deveria ser de fundo espiritual!”. E aí, a senha estava dada para que eu me esforçasse no sentido de tirar lições da metáfora, “vale de ossos secos”.

 A tarde já tinha se ido, quando a ilustre senhora despediu-se de mim, com um “A Paz do Senhor!” bem incisivo, e um ar de contentamento ante a minha promessa de empreender uma reflexão acurada sobre o enigma do “Vale de Ossos Secos” da visão do profeta Ezequiel.  

Prometi a minha interlocutora que iria me debruçar sobre a enigmática teofania do profeta do “vale dos ossos secos”, sem no entanto deixar de lado, o que disse Espinoza ― descendente de judeus imigrantes do século XVII ―, quando dissecando sobre profecias e a predisposição do profeta, assim se expressou: “O estilo da profecia varia conforme a eloqüência e o estado de espírito de cada profeta”.

 Dizem os poetas: “quando as circunstâncias não permitem a fuga física, o jeito é fugir em pensamento. Mesmo estando abatido, o sujeito pode de uma hora para outra, através da imaginação, transformar o seu mundo”. Considero uma missão impossível expressar ou definir a subjetividade, porque ela única para cada ser, e como a impressão digital que imprimimos em nossos documentos, não se repete em nenhum outro indivíduo entre os bilhões que habitam a terra.

Sabendo que a imaginação é a única parte de nós que ninguém é capaz de tocar, compreendi que nem sempre o que o nosso interlocutor diz, chega aos nossos ouvidos da forma como ele imagina, em consonância com o que disse certa vez o pensador francês, Michel de Montaigne: “A palavra pertence metade a quem a profere e metade a quem a ouve”.

E não é que fiquei com a impressão de que quem deveria profetizar para meus ossos secos, seria eu mesmo: ressuscita, ressuscita!. Te anima, meu velho! Não estás tão doente assim! Ainda há muito por fazer!foi o que me veio à mente depois que a visitante de mim despediu-se, deixando-me a sós: momento em que a exacerbação de minha gastrite me fez sair correndo à procura do Omeprazol de 20mg ― antídoto contra os sintomas desse mal ―, que mantia dentro de uma gavetinha repleta de medicamentos para diversas disfunções físicas, lá em um recanto do meu quarto.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 24 de maio de 2013

Site da Imagem: www.ibas.org.br

15 maio 2013

O BASTÃO DO “TEM QUE SER!”





No alvor da senescência,
Em sonhos ou acordado ainda ouço
O eco imperativo: “Você tem que ser!”
Vejo-me bem pequeno,
Nem pensava em ser dono de mim,
Pois do desejo dos pais, era objeto.



Nos meus três filhos,
Arquivado no inconsciente familiar
O “Tem Que Ser!” ancestral ressoa.
Num porão bem secreto,
Não cessa de se repetir a ordem primeva:
“Tem que ser!”, vovô! diz, minha neta.



Passar de mão o legado  
Na corrida de revezamento dos tempos.
O da frente na lida, já mui extenuado,
O mais novo a correr, impulsiona.
Por que esse bastão do “Tem Que Ser!”
Nunca despenca, e é sempre repassado?



É a égide do desejo
Que em nome do pai, o filho nomeia,
Mesmo que ao “Tem que Ser” resista,
Lá num canto ele reverbera.
Quando a dívida simbólica tento repelir,
A ‘metáfora paterna’ grita noutro lugar.
(versos de cunho Lacaniano)

Por Levi B. Santos 
Guarabira, 15 de maio de 2013



Site da Imagemslideshare.net

05 maio 2013

Por Que Bultmann é Perigoso Para a Igreja?! (Ou Um Papo com Caio)





Comecei a ter interesse por blogs, em meados de 2006, atuando mais na blogosfera cristã. No início de 2007 cheguei a trocar alguns e-mails com Caio Fábio e, sem mais delongas (logo de cara) abordei o tema ácido da desmitologização. Ele até que aceitou falar sobre a desmistificação de Saulo de Tarso. Um dos textos, que enviei por e-mail para sua apreciação, tinha por título ― “Salvando Jesus de Jesus”. Bem no final de minha longa argumentação, sugeria que precisávamos desmitificar toda essa aura sobrenatural criada em torno da figura de Jesus. Aí foi quando ele me deu essa dura resposta:

“De fato creio que você pensa que ‘creio porque creio’, mas não é assim comigo. E desmistifico tudo, menos o que não é pra ser. Tenho tentado salvar Paulo do apóstolo Paulo, mas você quer salvar Jesus de Jesus. Você disse: ‘precisamos’, mas eu estou fora. O que sinto, com todo respeito, é que você quer fazer Bultmann ser seu mestre de leitura; e, a meu ver, ainda não me entendeu”.
Com carinho,

Caio
.....Original message....
From: “Levi bronzeado” <glauberbronzeado@uol.com.br>
Sent: Saturday, March 10, 2007 7:37 AM
To: “contato” <contato@caiofabio.com>
Subject: Uma Releitura dos Evangelhos


Quero aqui deixar claro que as obras de Bultmann exerceram sobre mim uma atração fora do comum, especialmente esses dois livros: “Jesus Cristo e Mitologia” e “Crer e Compreender”. Talvez, a interpretação filosófica existencial e porque não dizer psicanalítica do mito cristão, levada a frente por esse autor, tenha sido a razão principal de minhas aventuras (e desventuras) por esse mundo complicado do saber.

Para Bultmann, “não há a intervenção de Deus, do Diabo ou dos demônios no curso da história” (Jesus Cristo e Mitologia – pág. 14 – Editora Fonte-editorial - Edição 2000). Ora, esses personagens estão na base do cristianismo, podendo-se dizer, na verdade, que constituem o seu núcleo vital.. Ambicionar retirá-los ou desmistificá-los seria o mesmo que fazer ruir o edifício denominado igreja.

Olhando bem, desmitologizar Jesus, seria um pecado mortal para o Caio.  Lá no fundo, eu sabia que ele jamais iria concordar com o conceito de que a falta ou o vazio existencial da filosofia Bultmanniana, era o receptáculo responsável pelo aparecimento dos desejos divinizados no imaginário coletivo, como tão bem faz ver hoje, a psicanálise ―, instância que define os deuses, demônios e anjos como figuras míticas ou simbólicas, representativas dos afetos primitivos do homem (Jung).  Não sei, mas tenho uma ligeira impressão de que, diante de minhas abordagens, o meu interlocutor já pressentia onde eu queria chegar.  No meu íntimo, o desejo de cavar mais fundo, de ir mais longe, batia de frente contra um guardião que, entrincheirado, estava a preservar zelosamente a sua fortaleza.

Por essa época, era um leitor fervoroso de obras de filósofos existencialistas e daqueles que se aventuravam nos tenebrosos meandros do inconsciente; Via os ativistas religiosos como enfermos, e seus templos como castelos de alienação mental. Cada vez mais, percebia que a Psicologia profunda não era inimiga da Teologia e, ao invés de atrapalhar, antes, ajudava sobremodo o saber teológico a compreender e tratar as estruturas demoníacas como arquétipos determinantes de nossa consciência e não como seres etéreos vindo de fora para nos influenciar.

Ao dizer que “salvava Paulo de Paulo”, mas não se arvoraria salvar “Jesus de Jesus”, o Reverendo que muito admiro, a meu ver, revelou o quanto o homem é paradoxal. Posso está enganado, mas talvez o Caio estivesse a me dizer: ‘olha meu caro, meter a colher em Paulo eu meto, mas em Jesus, não; Jesus não era um homem como Paulo! Jesus era Filho, não de um deus metafísico, mas de um grande ser celeste, corporalmente preexistente que desceu ao mundo em forma humana para redimir a humanidade ― o que seria, enfim, salvar o homem pela negação da condição humana em si mesmo.

 “Tudo é linguagem”― já dizia a psicanalista de formação lacaniana, Françoise Dolto. Mesmo após alguma insistência de minha parte, Caio, nunca mais quis reatar o diálogo mantido durante poucos dias. A sua mudez repentina era um tipo de linguagem à procura de significação. Eu a interpretei como uma espécie de “chega pra lá” no carrapato que teimava em querer sugá-lo, ou testá-lo, dizendo ser seu discípulo. Como ser discípulo do Caio, diante de uma especulação herética como a que lhe fiz, ao argumentar que os evangelhos, aqui ou acolá, tinham deixado rasgos de um Jesus histórico? No caso, eu me referia ao momento em que Jesus se surpreendeu ao subestimar a fé de um estrangeiro: “Nunca vi tamanha fé? Nem em Jerusalém?”

Talvez a sua recusa em debater assunto tão melindroso, tenha sido em si, uma espécie de linguagem sem palavras, uma maneira de, inconscientemente, proteger a fé, que se fortalece à medida que se deixa tudo envolto em um suspenso mistério. E por falar em mistério, em um de seus e-mails, ele faz referência a esse enigma de maneira enfática:

“Se você é meu discípulo, não me compreendeu
Em mim não há espaço para “São Paulo”, mas creia na revelação de Deus através de Paulo, mediante sua escrachada humanidade. E Jesus? O que você quer desmitificar Nele? Não entendeu o mistério que se entende apenas para não se compreender?”

Bjs,

Caio

                  Hoje, relendo a nossa correspondência empreendida há mais de seis anos, reconheço que cometi excessos e fui mesmo atrevido, como mostra esse final de um dos meus entreveros, pela internet:

“Caro Caio,

 “...enquanto estamos pregando um Jesus metafísico dentro dos templos e de nossas casas, não acordamos para uma infinidade de Jesuses que estão na marginalidade, que estão lá na mesa de um bar ou na calçada de um cabaré; lá nos lugares mais inimagináveis, menos na igreja”.


A última mensagem que Caio me enviou, pondo um ponto final num debate que mal começara, tinha a marca da linguagem mística do velho e carismático pregador das multidões pentecostais da década de 1980:

“Amigo querido,

“...Eu não prego o Jesus metafísico, eu prego Jesus, Jesus o Cristo, o Cordeiro, o eterno Cordeiro e o Senhor de todos. Não conheço em mim tal esquizofrenia! E é só por mim que falo.
Um grande abraço,

Caio

------Original message-----
From “Levi Bronzeado” <glauberbronzeado@uol.com.br>
To: “contato” < contato@caiofabio.com>
Sent: Saturday, March 10, 2007 5:11 PM
Subject: Salvando JESUS de “Jesus”


P.S.: 

Entendo bem a ojeriza de Caio a Bultmann. O teólogo da desmitologização revela uma verdade muito incômoda, ao considerar que os evangelhos, como construções tardias, tinham em foco o período posterior a morte de Jesus, não estando dessa forma, nem um pouco interessados no homem Jesus.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 05 de maio de 2013 


01 maio 2013

ABSURDIDADES “JAVELIANAS”




Erich Fromm, em seu livro ― “Psicanálise e Religião” ―, discorre de maneira bem inteligível sobre o desejo do ativista religioso em querer santificar ou purificar as instituições. O idealista divino não mede esforços no sentido de por em prática o velho ritual de limpeza vétero-testamentária.


Segundo Freud, esse ritual neurótico, no fundo no fundo, não passa de impulsos vindos do inconsciente, cujo objetivo é o de sempre: tentar esconder, negar ou varrer a “sujeira” (recalques) que reside dentro de sujeito para longe da percepção do outro, naquilo que ele denominou de Mecanismos de Defesa. Segundo o pai da psicanálise, o que interessa mais ao exército Javeliano, é o gozo alcançado pela imposição das doutrinas, não importando que sejam revestidas de absurdidades.

O religioso, inconscientemente, não raramente, deseja transformar o seu ideal devocional em uma lei que sirva de orientação para todos.  A essa homogeneização idealista ele dá o nome de “Reino de Deus”. Em função desse totalitarismo “divino”, os que estão no topo de uma agremiação com influência no poder político passam a formular projetos para superar a maldição ou pecados da sociedade da qual faz parte.

Recentemente, lendo o artigo, Bancadas de Deus ― tema de capa da “Revista Carta Capital” (edição 745) ―, pude refletir sobre essa ansiedade premente de se coadunar a política aos moldes javelianos do Velho Testamento que, sem dúvida, pode ser considerada uma sutil ressonância do estilo religioso ainda em voga no Oriente Médio.

 A reportagem da revista, sob o título, “De Grão em Grão”, mostra uma bancada de evangélicos em plena ascensão: a instituição do Exército Guerreiro de Javé já conta com 73 deputados na Câmara, reunidos aos moldes da sigla APEB (Associação de Parlamentares Evangélicos do Brasil)

No Monte Sinai, a Moisés e ao seu povo hebreu, Javé deu as tábuas da Lei com os Dez Mandamentos. Nos últimos tempos, Ele tem inspirado “maravilhosamente” os seus profetas a fazerem projetos de lei à moda antiga, como mostra a tabela abaixo, onde DEZ propostas foram ventiladas não no alto de um Monte, como na primeira vez, mas em municípios importantes do Brasil e no vasto planalto central de Brasília:



Por Levi B. Santos
Guarabira, 1° de maio de 2013

FONTE: Revista Carta Capital  N° 745