Estava
eu, solitário, na tarde da última quarta Feira (dia 21), a descansar no alpendre de
minha casa, deliciando-me com um vento ameno que soprava gostoso, denunciando o
fim da estação calororenta de um verão tardio. Tinha o olhar fixo no céu nublado
que prenunciava um inverno que teimava em não apresentar sua verdadeira cara de
chuvas torrenciais, que sempre nessa época caem, quando uma visita inesperada e
inusitada levou-me ao tempo de minha juventude ― época em que os eflúvios de
minha vivência igrejeira “espiritual” se mesclavam com os efeitos dos hormônios
responsáveis pelo desabrochar dos instintos ou afetos de fundo sexual. Fui
levado ao passado da minha inocência, tempo em que exibições exteriores de uma
aura de santidade vestiam o meu viver, quando na verdade, sem firmeza, cambaleava
entre a Lei e a culpa pela “fraqueza” de ceder a um desejo maior que incessantemente
me dilacerava a carne.
A
visitante ilustre militava comigo nas Assembléias de Deus na Capital do Estado.
Ainda, hoje, apesar do peso da idade, essa incansável militante pentecostal a
frente do Círculo de Orações, continua a exercer o seu ministério com muita
garra. Antes de qualquer conversa apresentou-me fotos encardidas de um tempo em
que fazia parte de um conjunto musical evangélico. Na foto, lá estava eu com um
acordeom verde brilhante da marca Hering, junto a guitarristas e violinistas a
tocar não sei que hino.
De
posse das duas fotos, eu e minha ilustre visitante ficamos a conferenciar, por
um bom pedaço de tempo, sobre qual seria o hino que estaria ali tão
garbosamente a executar. Seria um hino “penoso” em tom menor, ou seria um num
ritmo mais animado, em tom maior? Depois de pensar um pouco, eu lhe disse: “pelo jeito e pelas caras dos componentes,
estávamos tocando um hino avulso, que começava com a frase: ‘a
vida tem tristezas mil, nem tudo é um céu de anil..., Lembro que
tínhamos adaptado esse hino num ritmo bem frenético, denominado na época, iê-iê-iê ― o mesmo estilo executado
pela Jovem Guarda tão decantada pelos moços daqueles saudosos anos.
Ela
mostrou-se imensamente interessada em saber se eu ainda cria em, Deus, Jesus e
o Espírito Santo. Respondi que essas ligações afetivas imaginárias
transcendentes, apesar de traduzi-las de uma maneira não dogmática, não estavam
desarquivadas do meu inconsciente. Fiz ver, que os belos hinos do hinário “Harpa
Cristã”, hoje, ainda me faziam sentir os mesmos eflúvios do passado, e que eu
não me considerava des-ligado desse passado no qual fui forjado.
Tive
a oportunidade de recordar fatos do meu passado igrejeiro, desta feita, fazendo
em paralelo, uma releitura bem mais sincera e transparente do que realmente se
passava na minha alma, naqueles dias de fulgor e fervor, quando cursava o
científico, preparando-me para o vestibular de Medicina.
Depois
de conversa vem, conversa vai, a irmã em Cristo segredou-me que tinha uma
mensagem do Deus dos meus pais, a mim endereçada: Tratava-se da profecia sobre o "vale de ossos secos", que se
encontra no livro de Ezequiel (V.T). O estado degradante em que se encontrava
sua nação no cativeiro da Babilônia, por certo, comoveu o profeta em seu íntimo,
a ponto de se ver diante da figura de Javé, que o impelia a falar para um vale
cheio de ossos ressequidos. Movido por um desejo intenso de liberdade, no seu
imaginário, o profeta em exílio via pelos olhos da fé um montão de ossos se
juntando e se encarnando, para formar um poderoso exército. Lembrei-me de que nos
tempos do meu ativismo religioso, essa parábola de Ezequiel funcionava como uma
mensagem de otimismo a sacolejar corações empedernidos.
Antes
de encerrar o diálogo que já durava quase duas horas, a amiga pescadora de
almas pediu-me encarecidamente que fizesse uma reflexão sobre essa emblemática passagem
bíblica, e depois tirasse as minhas conclusões. Como essa tal de “conclusão”
tem muito a ver com a subjetividade de cada um, entendia que a clareza da
matemática que diz que o produto é igual à soma dos fatores, aqui, não
encontraria respaldo.
Às
vezes, por mais que se tente, não há como impedir coisas que vêm na cabeça da
gente, de repente. Perguntei a mim mesmo: a história dos ossos secos seria o
sinal de minha magreza, pois de duas semanas para cá, uma gastrite, ou sei lá o
quê, tinha me incomodado bastante? A retirada de tudo que era de gordura da
alimentação, me fizera perder cerca de três quilos. Mas a minha interlocutora
de imediato refutou as minhas divagações. Considerando a minha racionalização
como coisa de um “homem natural”, falou-me que “a interpretação deveria ser de fundo espiritual!”. E aí, a senha estava dada para que eu me
esforçasse no sentido de tirar lições da metáfora, “vale de ossos secos”.
A tarde já tinha se ido, quando a ilustre
senhora despediu-se de mim, com um “A Paz do Senhor!” bem incisivo, e um ar de
contentamento ante a minha promessa de empreender uma reflexão acurada sobre o
enigma do “Vale de Ossos Secos” da
visão do profeta Ezequiel.
Prometi
a minha interlocutora que iria me debruçar sobre a enigmática teofania do
profeta do “vale dos ossos secos”, sem
no entanto deixar de lado, o que disse Espinoza ― descendente de judeus
imigrantes do século XVII ―, quando dissecando sobre profecias e a
predisposição do profeta, assim se expressou: “O estilo da profecia varia
conforme a eloqüência e o estado de espírito de cada profeta”.
Dizem os poetas: “quando as circunstâncias não
permitem a fuga física, o jeito é fugir em pensamento. Mesmo estando abatido, o
sujeito pode de uma hora para outra, através da imaginação, transformar o seu
mundo”. Considero uma missão impossível expressar ou definir a subjetividade,
porque ela única para cada ser, e como a impressão digital que imprimimos em
nossos documentos, não se repete em nenhum outro indivíduo entre os bilhões que
habitam a terra.
Sabendo
que a imaginação é a única parte de nós que ninguém é capaz de tocar,
compreendi que nem sempre o que o nosso interlocutor diz, chega aos nossos ouvidos
da forma como ele imagina, em consonância com o que disse certa vez o pensador
francês, Michel de Montaigne: “A palavra pertence metade a quem a profere
e metade a quem a ouve”.
E
não é que fiquei com a impressão de que quem deveria profetizar para meus ossos
secos, seria eu mesmo: ressuscita, ressuscita!. Te
anima, meu velho! Não estás tão doente assim! Ainda há muito por fazer! ― foi o que me veio à mente depois que
a visitante de mim despediu-se, deixando-me a sós: momento em que a exacerbação
de minha gastrite me fez sair correndo à procura do Omeprazol de 20mg ― antídoto
contra os sintomas desse mal ―, que mantia dentro de uma gavetinha repleta de
medicamentos para diversas disfunções físicas, lá em um recanto do meu quarto.
Por Levi B.
Santos
Guarabira,
24 de maio de 2013
Site da Imagem: www.ibas.org.br
3 comentários:
Boa história, Levi!
Quantas vezes ouvimos sermões cuja temática era "Dar ordens aos ossos secos"? É uma mensagem que fala de esperança; que fala que ainda não é o fim, mesmo diante de situações tão adversas quanto esqueletos sem pele, músculos, nervos.
Nossa mente existe em sintonia fina com nosso corpo - não creio que a mente seja apenas um epifenômeno do cérebro - e em última instância, é a mente que cria o mundo.
Como ignorar os efeitos benéficos ou danosos que uma atitude mental positiva ou negativa têm sobre nós?
Então, meu servo, profetiza!!!! rss
Essa passagem da Bíblia, assim como muitas outras, torna-se atual pela conclusão que fez. Cabe o ouvinte dar à mensagem o significado conforme o contexto de sua vida. O exílio de Israel (VI a.C) é fato do passado e, onde era a Babilônia, virou morada de chacais e das avestruzes (Jeremias 50:39).Porém, a profecia do Vale de Ossos Secos confortou Israel em muitos outros momentos posteriores. Seja na resistência contra Antíoco Epifânio, os romanos, nos quase dois mil anos de Diáspora e mais recentemente no holocausto nazista até que, finalmente, os judeus conquistaram um Estado que já comemora 65 anos.
Para nós, cristãos, já não guardamos tanta identidade com o contexto histórico de Ezequiel, mas a essência espiritual permanece a mesma. Trata-se, como bem colocou acima do Eduardo, de "uma mensagem que fala de esperança; que fala que ainda não é o fim, mesmo diante de situações tão adversas quanto esqueletos sem pele, músculos, nervos".
Sendo assim, concordo com Edu sobre profetizarmos. Seja para nós mesmos como para a nossa geração, para o Brasil e para a Igreja. Pode ser também para um irmão em dificuldades e até um não crente. Basta que esteja os sensíveis ao mover do Espírito. Afinal, como declarou a Confissão de Westminster, o Espírito opera "pela Palavra e com a Palavra testificada em nosso coração".
Abraços.
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