26 junho 2009

A "GRAÇA" É ISTO, E MUITO MAIS...




...........Como definir o que é graça?

Poderá um reles humano exprimi-la em palavras?

Por mais que tentemos explicar, reconhecemos que na graça, há um resíduo inexprimível ligado a nossa subjetividade e individualidade, que a linguagem falada ou escrita é incapaz de abordá-la em sua completude. Os evangelhos a mencionam diversas vezes, em vários tipos de situações e circunstâncias.

Talvez, a nossa acomodação em não refletir sobre a graça, tenha nos acostumado na maioria das vezes, a fazer-lhe referência de um modo tão mecânico, que terminamos por transformá-la em um bordão, utilizado, habitualmente, em começo e fim de textos. O evangelista S. João, sentindo a sua evidência, de uma forma bastante clara e inspirada, assim escreveu: “[...] a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. ( João 1 :17)

Debrucemo-nos mais sobre esse tema ─ razão maior do cristianismo que abraçamos com tanta fé ─ e veremos que os saudosistas dos rituais Vétero-Testamentários estão aproveitando o vácuo da incompreensão sobre o que denominamos graça, para sem a intermediação de Cristo, enganar multidões, dizendo-se profetas-mensageiros de Deus. Na realidade, as realizações e façanhas desses “anticristos” de ocasião são puras elucubrações, não tendo nada de poder Divino.

Cristo não veio definir a graça, mas veio viver ao nosso lado para demonstrá-la, através de suas atitudes, nas diversas e emblemáticas situações com que se deparou no seu curto, porém profícuo ministério.

O que aqui escrevo em vários parágrafos, são retalhos extraídos da infinita profunda e multiforme Boa Nova do Evangelho, mas reconheço que ela é muito mais do que isso. Não tenho dúvida, de que o amigo(a) leitor(a) poderia acrescentar muito mais conceitos sobre graça, extraídos de sua experiência particular e única com Deus, além dos que aqui, passo a mencionar:


A graça é aquela misericórdia infinita que diz que devemos perdoar até setenta vezes sete.

A graça é aquela que nos sussurra diante dos julgamentos que são engendrados em nossa consciência contra o nosso próximo, e nos faz silenciar, ao soprar ao nosso ouvido: Quem não tiver pecado seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”.

A graça é aquela que esteve presente na afirmação enfática de Cristo, diante dos que exerciam juízo contra a prostituta: Nem eu te condeno!”

A graça é aquela que fecha os olhos para os méritos, mas vê a simplicidade interior dos humildes que muita gente não vê.

A graça é aquela que não sabe amaldiçoar, pois só se alimenta do perdão.

A graça é aquela que cala a justiça dos homens, em benefício dele próprio.

A graça é aquela coisa que faz acender a nossa “luz vermelha”, pedindo que olhemos para dentro de nós, quando caímos em nossas contradições diárias.

A graça é aquela que superabundou onde o pecado abundou.

A graça é aquela que se revelou explicitamente no coração de Cristo, quando Ele explicou o motivo maior de não se odiar os que nos fazem mal: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem

A graça é aquela que escolheu as nossas fraquezas para que o poder de Deus se aperfeiçoasse nelas.

A graça é aquela que nos alerta para não incorrermos no paradoxo de se pregar, fazer milagres e maravilhas, sem ter amor.

A graça é aquela que tem de ser buscada diariamente, para que nos nossos escorregos diários, não venhamos assumir de novo os fardos pesados da maldição da Lei.

A graça é aquela consciência adquirida através da fé em Cristo, de que não são mais necessários os sacrifícios ou penitências para apagar fatos do passado de nossa ignorância. É a certeza de que a verdade de ontem, firmada sem excepcionalidade nos severos ditames da lei, foi sepultada com Cristo, lá na cruz do calvário. Quem não tiver esta certeza ─ é uma pena ─, vai viver eternamente se cobrando por coisas que o sangue de Cristo já apagou de uma vez por todas. Nunca é demais, através de um exercício diário, impregnar a nossa mente com esse emblemático versículo: “[...] a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo ( João 1: 17)

A graça é aquela que está sempre incluindo, e nunca excluindo.

A graça é aquela que ao inundar o nosso coração, faz calar a arrogância, dissipando toda soberba.

A graça é aquele bálsamo que invade o nosso interior, perdoando-nos e nos aliviando quando no mais profundo abismo do nosso ser, as feras terríveis, em revolta nos fazem sofrer.

A graça é aquela bondade regida pela misericórdia infinita, que a nossa natureza animal resiste egoisticamente, ao racionalizar a justiça Divina com vingança.

A graça é aquela que não anda junto com sacrifícios, votos e oferendas.

A graça é aquela que foi soprada ao ouvido do apóstolo de Tarso, quando ele desejou criar asas antes do tempo: a mim te basta ─ Paulo!”

A graça é aquela que nos faz crescer quando mergulhamos em nós mesmos, e nos faz diminuir, quando intentamos ser melhor e maior que o outro.

A graça é aquela que entende que as aflições da vida, são contingências naturais de nossa caminhada, sem que signifique castigo ou maldição divina.

A graça é aquela que não usa o artifício do medo, para obrigar o homem a agir contra a voz de sua própria consciência.

A graça é aquela, que por ser dom gratuito de Deus, nunca se vende nem se deixa ser comercializada.


A graça é isto, e muito mais...



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 26 de junho de 2009

23 junho 2009

O São João de Armando Pedreira



Naquele dia ele voltara a ser criança. As recordações de tão vivas, pareciam deixá-lo gozando de novo as delicias de uma época marcante de sua infância. Perguntava para si mesmo: “Por que naquele momento viera à tona aquelas cenas, que ele em toda a sua vida de adulto jamais tinha evocado com tamanha clareza de detalhes?

Poderia agora mesmo citar uma por uma, todas as pessoas que moravam naquela rua. Realmente nunca revelara os sentimentos aos seus pais, com medo de uma tremenda repreensão, mas, lá no fundo de sua alma, achava aquela festa, a coisa mais bela que acontecia todos os anos em sua vida. Tudo era inusitado desde as primeiras horas da manhã. Os preparativos, como a colagem de bandeirolas de papel celofane nas cores vermelha, verde, azul e branca, em longos fios de linha “urso” para serem pregadas nos pontos mais altos das casas; folhas verdes enormes de palmeiras para serem fixadas nas paredes das residências. Ficava meio encabulado, pois no bangalô em que morava, seu pai avisava de antemão, que não permitia pregar a linha de bandeirolas no frontão de sua casa, pois aquilo era coisa do diabo, dizendo sempre nestas ocasiões:

“Você meu filho tenha cuidado, não se junte com esta molecada. Nós somos um povo separado e santificado para Deus. Este povo que está nesta alegria mundana vai todo para o inferno”.

Ao ouvir estas palavras de seu progenitor, aflorava-lhe um sentimento de culpa, por não conseguir tirar da cabeça, ou negar a satisfação que sentia em seu ser, no entardecer do dia de São João, quando ao soar da melodia sinfônica da Ave Maria, precisamente às seis horas em ponto, as pessoas acorriam para frente de suas casas, a fim de acender as tradicionais fogueiras. Lembrava-se perfeitamente de que ao anoitecer, saía correndo por toda a extensão da rua de barro batido, numa extensão de mais ou menos uns duzentos metros, a contar as fogueiras de cada lado da rua. Enumerava as maiores e mais altas, que quase sempre ficavam à frente das residências dos mais ricos.

Ah! Que inveja sentia por não ter o direito de soltar pelo menos aqueles chuveiros de gotas belas e fosforescentes que exalavam muita fumaça branca. O cheiro da pólvora dos traques, dos beijos de moça, dos mijões, dos ratinhos e das pequenas bombas, inebriava-lhe. Escondido em um dos becos de sua casa, após saborear pamonhas e canjicas com queijo de coalho e café quente, se contentava em soltar algumas estrelinhas miudinhas cujas faíscas não chegavam a mais de um centímetro de comprimento. Dizia para ele mesmo: “Não acredito de maneira nenhuma, que Deus vá se zangar por eu estar me divertindo com isto”.


Recordava quando nas noites de São João que coincidiam com os cultos na igreja, como ele ficava acabrunhado, muito triste por perder a maior parte daquele espetáculo, e saía de casa bem devagarinho para o templo, a fim ter mais tempo para apreciar a beleza esplendorosa daquelas lanternas pregadas nas paredes de fora das casas, acima de cada janela e portas. Lanternas em forma de pirâmides, de cubos, umas redondas como fole de sanfona, em forma de estrelas de variadas cores, escondendo a luz tremulante das velas em seu interior.

Numa das noites de festa junina, ele perdera a maior parte da brincadeira, pois o dirigente do culto se estendera demais no seu sermão, fazendo-o perder as maravilhas das girândolas preparadas, num dia em que o céu estava maravilhoso, centrado por uma lua, que parecia naquela ocasião, espargir um brilho diferente como nunca tinha presenciado.

Armando Pedreira, agora já adulto, estava a lembrar de uma daquelas esplendorosas noites de S. João, em que a lua cheia dava um toque todo especial, e os balões multicoloridos começavam a ser soltos pela gurizada alegremente alvoroçada. Passavam, agora, por sua mente, os balões de variados tamanhos, subindo, subindo, levados pelos ventos em meio a um céu límpido, onde em pouco tempo eram transformados em pequeninos pontinhos de luz bruxuleante, em meio às estrelas cintilantes.

O menino Armando Pedreira, hoje, um ministro eclesiástico, reuniu a sua igreja para uma séria exortação. Faltavam três dias para a festa do S. João, quando ele então resolveu juntar todos os fiéis para um sermão emblemático. Após explicar que aquilo era uma festa satânica da pior espécie, assim concluiu a sua exortação:

“tragam todas as crianças, sem exceção, para igreja bem cedinho, antes do acender das fogueiras. Se porventura os pais não puderem vir a igreja nesse dia, prendam todas as crianças em casa. Os mais rebeldes tranquem em quartos e ponham os mesmos para dormir cedo”.



Nota do autor:


“ Pastor Armando Pedreira (personagem fictício), não deixe de ouvir nesta noite de S. João, essas saudosas músicas (Paraíba e Asa Branca). Exatamente, quando o senhor estiver à mesa com os seus, se deliciando com as gostosas pamonhas, canjicas e queijos de coalho, antes de ir ao culto.

Um bom São João para o senhor e família.




20 junho 2009

NAQUELA NOITE, A SUA MÁSCARA CAIU

Ele era um pregador fantástico. Dizia-se que no meio evangélico, não havia igual. Ganhou fama e notoriedade pelos sermões que realizava nas noites de domingos em sua igreja. Era um perito tanto em anestesiar as massas, como em incendiá-las. Aplicava com esmero, as noções do populismo eclesiástico que importara dos EUA. Tinha mandado aumentar a área do púlpito de seu templo, a fim de poder executar as suas dramatizações com mais liberdade. Tomara aulas de patinação por dois meses, e ultimamente usava patins com roldanas para deslizar suavemente no assoalho reluzente do palco “divino”, onde emocionava a platéia ensandecida, com suas peripécias circenses. O som estridente de “Ô glóoooooriaaaa!” ecoava quando ele rodopiando sobre as rodas dos seus patins, assim falava: ─ Irmãos! Lá no Céu não iremos nos cansar, caminhando ou andando, como se faz aqui na terra. Lá deslizaremos suavemente em patins de ouro e de prata, pelas ruas de cristais da Nova Jerusalém. Para demonstrar o ruído dos patins “celestiais”, ele deslizava em círculos pelo palco gritando: ─ Vai ser assim irmãos! Lá vai ser assim! Olhem, olhem bem! E como ele sabia bem dominar o público! Com esperteza e astúcia, conseguia tirar da multidão o tipo de emoção que quisesse ─, como um exímio violonista faz com as cordas do seu instrumento. Ante a sua verve, a multidão ora respondia com gritos histéricos, ora reverberava com choros e saracoteios. Os seus emblemáticos sermões de domingo à noite o levaram aos píncaros da fama. Os cachês que no início eram modestos, agora atingiam vultosa soma Era disputadíssimo, para falar em congressos evangelísticos nas grandes cidades do país. Sabia, como ninguém, sugestionar as massas. Dizia: “hoje eu quero cinqüenta almas rendidas aqui a minha frente”. E não é que vinham aos pés do preletor, o dobro do número por ele vaticinado!. Adorava criar vinhetas e bordões, executando uma exegese exótica e fantasiosa dos escritos de João no seu Livro, Apocalípse. Numa excitação alucinatória inacreditável, fazia todos verem as mansões celestiais. Para isso, ele primeiramente mandava a multidão fechar os olhos, e pressioná-los com bastante força com os dedos, para em seguida perguntar: ─ O que vocês estão vendo nesse momento? E a multidão ensandecida, e sob esfuziante barulheira dizia em coro: ─ Estamos vendo as luzes da Cidade Santa. Quem estivesse observando o quadro à certa distância, concluiria, tratar-se de uma histeria coletiva. Ao chegar a sua casa, após o término dos seus fantásticos sermões, o pregador executava a velha rotina: despia-se de sua colorida indumentária, lavava o rosto, para retirar as tinturas da pegajosa maquiagem, e vestia o seu pijama de pura seda, para mergulhar, em seguida, na sua imensa e macia cama. Recentemente, após um desses fenomenais cultos, um fato surpreendente fez com que ele não conseguisse conciliar o sono. Ele ouvia um programa evangélico pelo seu radinho de cabeceira, quando, foi surpreendido por um hino do “Trazendo a Arca” ( Ministério do Louvor). A letra do hino bateu muito forte dentro dele, ocasionando uma súbita elevação de sua tensão arterial, que terminou por levá-lo a um Serviço Médico de urgência, onde ficou em observação tratando-se de uma crise hipertensiva. Segundo a equipe médica de plantão, tudo fora ocasionado por um forte abalo emocional. Após essa noite fatídica, ninguém mais ouviu falar no nome desse ator gospel. Diziam, à boca pequena, que ele tinha tomado um chá de sumiço. É bem verdade, que alguns da igreja ficaram com saudades dos fantasiosos e açucarados sermões, entremeados de cenas circenses, nas noites de domingo. Nota do autor: O leitor, com certeza, está ansioso para ouvir a canção que desestabilizou o famoso pregador dos domingos à noite. O título desse hino é: “Quem é Você?” Relaxe bem, e clique aqui embaixo, para ouvir essa bela melodia, prestando, é claro, bastante atenção na sua inspirada e interessante letra:

16 junho 2009

Ai, Que Saudades da Igrejinha (Paródia II)



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. ........Ataulfo Alves, o menino de Miraí – MG, teria completado 100 anos no dia 02 de maio de 2009, se vivo estivesse.


..........Esse ícone do samba brasileiro buscou inspiração para suas famosas músicas através da própria experiência de vida.


Foi trabalhador da roça, plantador de café, milho e arroz. No Rio de Janeiro, conheceu a vida das gentes humildes, trabalhadoras e sofridas dos morros e favelas. Foi naquele meio, que ele encontrou a inspiração incomum para junto com seu parceiro, Mário Lago, compor um dos maiores sambas de todos os tempos, conhecido por todo brasileiro, de norte a sul do país. Trata-se, nada mais nada menos, de “Ai ,que Saudades da Amélia”.


Amélia era aquela mulher do subúrbio do Rio de Janeiro, que sustentava nove filhos com dedicação, amor e responsabilidade. Essa companheira fiel do Ataulfo não tinha realmente tempo para se dedicar à frivolidade egocentrista. Ela e o velho sambista viveram momentos de aflições permeados com raros momentos de alegria, mas sempre juntos, numa cumplicidade espontânea e cheia de graça.


A primeira estrofe do samba fala da Amélia da modernidade - aquela que vive em função da vaidade. Enquanto que a segunda estrofe versa sobre a velha “Amélia”, que sem maldade e egoísmo, deixa transparecer a verdade, na sua maneira de ser. Amélia era assim definida: "Boa mãe, boa esposa e boa dona de casa".


Foi refletindo longamente sobre a letra dessa música, que resolvi fazer esta paródia (a segunda do blog). Fiz uma analogia entre a Amélia de Ataulfo Alves e a Igrejinha do interior, dos meus tempos de menino, nos anos sessenta. De forma metafórica, não restam dúvidas de que a igreja atual tem muito a ver com as "Amélias" de hoje.


Leiam primeiramente a letra de “Ai, que Saudades da Amélia”, para em seguida conferir a paródia: “Ai, que Saudades da Igrejinha".



Ai, Que Saudades da Amélia



Nunca vi fazer tanta exigência,
Nem fazer o que você me faz.
Você não sabe o que é consciência,
Nem vê que eu sou um pobre rapaz.
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer.
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia,
Aquilo sim é que era mulher.


Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariado
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer?"
Amélia não tinha a menor vaidade.
Amélia é que era mulher de verdade!


(Ataulfo Alves e Mário Lago)





Ai, Que Saudades da Igrejinha



Nunca vi pregar tanta indecência,

Nem se mostrar tão incapaz.

Você não sabe o que é complacência,

Só sabe ensinar o que lhe apraz.

Você só pensa em luxo e riqueza,

Se vende por uma nota qualquer.

Ai meu Deus que saudades da igrejinha;

A igrejinha sem uma mácula sequer.



Muitas vezes saía dela calado,

Mas encontrava sempre o que colher.

Quando me via contrariado

O pastor dizia: "Meu filho, Deus tem poder!"

A igrejinha não tinha a menor vaidade;

Na igrejinha só se pregava a verdade.

A igrejinha não tinha a menor vaidade;

Na igrejinha só se pregava a verdade.


(Paródia por Levi B. Santos)



P.S.: Querendo ouvir o velho samba de Ataulfo Alves, é só clicar aqui:


cortesia de www.letras.com.br

12 junho 2009

EU SEI QUE VOU TE AMAR







Os eternos namorados, nesta sua noite, poderão sonhar "momentos iguais aqueles..." , ao embalo dessa bela música, com o intérprete que achar mais conveniente. Tem Tom Jobim, Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso, Gal Costa, entre outros.

Confiram também o doce tango do filmaço “Perfume de mulher”.


06 junho 2009

Com Cristo Ficou Mais Difícil?




Ele era, até certo ponto, um ser sectário em suas idéias e verdades apreendidas. Fazia racionalizações diárias. Mas, o espelho de sua consciência revelava mais as incongruências do seu ser, do que a “verdade” que tanto enfatizava em suas perorações. Quão enganoso era o seu “coração”, pois, as palavras que saiam de sua boca, negavam o seu próprio eu interior. Dizia-se cristão, e, no entanto, comportava-se como um animal contraditório e escorregadio.

Os seus emocionantes sermões tinham sobre a plateia um poder de convencimento fora do comum. Sem saber que o próprio “saber” é também uma forma de dominação, ele esbanjava a sua verve diante dos que estavam numa posição de inferioridade. E, essa arrogante atitude frente às ovelhas que pastoreava, ele confundia com a vontade Divina.
Ele não admitia que as suas velhas certezas pudessem ser contestadas pelo seu semelhante que estivesse a lhe ouvir. Não entrava em sua cabeça a máxima do filósofo Montaigne, que dizia: “a palavra é metade de quem a diz, e metade de quem a escuta”.

Certa noite, após ter feito um longo sermão sobre adultério, sem conseguir conciliar o sono, dedicou-se a autoreflexão. Os pensamentos que assomaram a sua mente foram muito fortes e devastadores, a ponto de deixá-lo receoso de que aparecesse alguém ali, e pudesse auscultar o que estava imaginando naquele momento.


Estava aturdido com o versículo emblemático, tema de seu último sermão, que como cola em madeira, impregnara o seu cérebro: “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já cometeu adultério com ela. ( Mateus 5 : 28)

“Antigamente era melhor. Depois de Cristo, ficou mais difícil, porque, só em pensar o homem já cometeu pecado em seu coração” ─ Era esse o pensamento que vinha sufocando a sua alma após o duro sermão que fizera, com o intuito de conter o início de uma onda de litígios e separações entre casais em sua igreja.


A rígida hermenêutica que seguia letra a letra foi desconcertada pelo humano olhar que fazia, agora, para dentro de si mesmo. Por seus olhos passavam os valores, as crenças, aquilo que ele presenciava no meio da sociedade onde ensinava. Os paradigmas inflexíveis que ele colocara na sua vitrine teológica eram agora objeto de novas interpretações.


Estava realmente hesitante e confuso.

Lembrou-se do zelo de Saulo pela Lei. No afã de fazer prevalecer a Lei, o futuro disseminador do cristianismo, paradoxalmente, perseguia Cristo.

Em sua aflição chegou a perguntar para si mesmo: Nesse ponto, Cristo veio dificultar as coisas para o lado do homem?. Deus se humanizou para tornar mais complicada a vida do homem?

A frase fatal “de que agora se tornou mais difícil”, ─ martelava a sua cabeça.

Estremecido pela contradição humana, ele tentava apaziguar a sua alma, com exercícios e mais exercícios de imaginação. Continuou pensando, formulando perguntas e mais perguntas para si mesmo.


O fato de que Cristo viera resgatar a transparência, que havia se perdido, na relação entre os homens, no seu entendimento, tornara tudo muito mais difícil do que no tempo da Lei.
Cristo viera rasgar o véu que escondia a hipocrisia do homem, para expor a trama mental urdida “secretamente” sob a forma de desejos ilícitos ─ era isso que ele de maneira tênue começava a entender.

Um vendaval de perguntas sem respostas, golpeava a sua mente insone na fatídica noite em que ele resolveu mergulhar, mais profundamente, nas águas tenebrosas do abismo do seu ser.

Um rosário de interrogações encharcava o seu confuso cérebro:

O melhor de antes, significava que a Lei só punia o ato, e era cega para as intenções do coração?

O melhor de antes, era porque, a cada sacrifício levado ao altar expiavam-se os pecados, deixando o homem livre para pecar de novo?

O que ficou mais difícil hoje, com relação aos pensamentos pecaminosos, é que com Cristo, não podemos mentir para nós mesmos?


Depois de muito refletir ele chegou à conclusão de que antes de Cristo, o formalismo das representações, como um porão, escondia os recalques e as más intenções urdidas nos recônditos da mente.

Agora, tudo tinha que ser transparente, e as intenções do coração passaram a ter peso igual ao mal praticado. Mas o contraditório surgiu rápido em sua mente, ao lembrar de Caim, que planejara em seu coração o assassinato de seu irmão Abel, ocasião em que Deus tinha lhe dado uma chance, ao falar: “
[...] o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (Gênesis 4: 7). É ─ refletia ele ─ nesse caso houve um desejo urdido no coração de Caim, que se não tivesse sido concretizado, não haveria pecado. Não entendia o “porquê”, da intenção malévola, nesse caso, não ser considerada, em si, um pecado, como acontecia com o desejo impuro à respeito das mulheres.

O pregador com o coração carregado de ansiedade já não se entendia mais, debatendo-se internamente contra os muros dos seus pré-conceitos.

Foi naquela marcante noite que ele descera ao porão do seu próprio inferno. Disse para ele mesmo: “não vou mais pregar sobre esse tão enigmático tema!”.

Havia mulheres na sua igreja, que eram belas, e isso ele não podia negar. Bem ─ dizia para si mesmo ─, o perigo reside no fato de admirá-las demoradamente, e isso é uma questão de grau. Depois do achar belo, vem o admirar, e finalmente, de forma sutil, viria a amizade ─ onde tudo poderia resvalar para ilicitude.

Ele admitia que a graça e a misericórdia de Deus cobriam uma multidão de pecados, menos o pecado do “desejo impuro” em relação ao sexo oposto ─, mesmo que de forma involuntária isso viesse a acontecer.

Com a cabeça à mil, ele chegou a sentir saudades da relação Deus-homem do Velho Testamento. Como gostaria que voltasse o tempo de Moisés, onde a pena para o pecado do adultério só era validada quando se ia às vias de fato. Além do mais, pensava: “naquele tempo, não poderia haver lugar para o remorso, pois havia o tal do bode expiatório que ao receber os pecados de todos, desaparecia numa fuga desembestada e doida pelo meio do deserto?”.


No dia seguinte, com os olhos a denunciar que passara toda a noite acordado, prometeu para ele mesmo: “Doravante, ao abordar as minhas ovelhas, vítimas desse venenoso desejo, serei mais compreensivo e misericordioso”.





Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de junho de 2006