16 março 2015

Breve Ensaio Sobre Delação



Quem não se lembra do tempo da meninice, quando delatar alguém da curriola de amiguinhos traquineiros era um ato de traição irreparável?

Lembro-me bem de que, certa vez, todos de minha classe na escola primária ficaram de castigo quase o dia inteiro, por não atender ao pedido da professora que, de forma áspera, queria porque queria saber o autor da malfeitoria realizada por um de nós às escondidas.

Por outro lado, era comum no meu tempo de menino, o pai dizer para o filho: “fale a verdade sobre o que realmente aconteceu, que o seu castigo será bem menor!”. Às vezes, a autoridade paterna até nos presenteava pela delação de mãos postas que fazíamos.

Mas o que levava a criança a apresentar aquele tipo de comportamento diante da professora: ter que delatar aquele que fez o malfeito com aquiescência de todos?

Refletindo bem, na maioria das vezes o aluno não delatava  o outro, porque tinha medo de ser, depois, punido rigorosamente pelo colega delatado.

Naquele tempo quem se arvorasse a ser delator, ficava de bem com a autoridade (o professor ou mestra), mas em contraposição ficava eternamente marcado, pelos coleguinhas que diziam entre si: “tenham cuidado com o ‘dedo duro!’”.

E aí entra o velho Freud, com seus, até então, insuperáveis mecanismos de defesa psíquicos: “todos nós usamos esse mecanismo de defesa — a NEGAÇÃO, que não é necessariamente patológico. Não poderíamos levar a vida sem eles. Esses mecanismos só se tornam um problema ao serem utilizados pelo ego de modo excessivo e inflexível” [Freud Básico − de Michael Kahn]

O delator sempre apareceu na história como uma figura infame. Foram os casos de Calabar e Joaquim Silvério dos Reis” — conta, Altair J. Aranha em seu “Dicionário Brasileiro de Insultos”. Todo estudante de História sabe muito bem que Joaquim Silvério só delatou os inconfidentes Mineiros em troca do perdão de sua dívida junto à Fazenda Real.

A história de nossa república está pontuada por diversos casos de delação. Ainda está bem fresca em nossa memória, uma das mais trágicas delações: a de um irmão que denunciou o outro que estava na presidência, ocasionando seu impeachment e desgosto profundo em sua mãe, culminando por levá-la à morte depois de um prolongado coma. [Vide link

Nunca antes na história desse país tanto se falou no recurso da delação premiada (mal necessário), quanto hoje se noticia nos meios de comunicação. Como o Brasil é o país onde tudo acontece em escala descomunal, o Procurador Geral da República, com o aval do STF, já expôs à nação a sua longa lista de parlamentares supostamente envolvidos no Petrolão. Através do instrumento jurídico, "delação premiada", alguns que estão preventivamente presos deduraram seus ex-companheiros. Supõe-se que serão investigados naquilo que Rodrigo Janot (cujo mandato termina em setembro) já denominou “o maior esquema de corrupção revelado no país”. Acontecerá isso mesmo?


Um Acordo de Leniência (?)

A professora Alexandra (Dona Xanda) chega à nossa classe no grupo Apolônio Zenaide, tinha lá os meus oito ou nove anos de idade e, de forma esbaforida, pergunta:

Quem pegou a caixa de giz colorido que estava aqui perto do quadro negro?

Ninguém delatou ninguém. Todos responderam quase em uníssono:

— Não fui eu, fessôra. Não fui eu... Eu nem sabia que tinha giz colorido aí em cima!
— Nem eu...
— Tampouco eu...

Lembro que, dessa vez, a fessôra não fez questão de investigar a fundo o ocorrido. Afinal não era ela, mas o diretor da escola, quem comprava as caixas de giz.
Dona Xanda, no íntimo, sabia perfeitamente que essa artimanha de responder “eu não sabia”, era uma desculpa esfarrapada dos seus pupilos. No 'NÃO", lá dentro, de forma reprimida se escondia o SIM. 
No fundo no fundo, a professora sabia que estava sendo leniente, e seus alunos, de igual modo, sabiam que estavam sendo coniventes, ao não apontar os que se apropriaram de algo que não era deles. 


Por Levi B. Santos

07 março 2015

Godot e a Lista de Janot



Repórteres, jornalistas e o mundo político brasileiro passaram quase toda esta sexta feira (dia 06), a esperar ansiosamente a lista de Janot. Já passava das 22 horas quando, pelo canal televisivo Globo News, saiu, enfim, o malfadado listão de Rodrigo Janot, autoridade máxima do Ministério Público. Não se passaram nem cinco minutos e os principais jornais dos EUA já comentavam sobre a abertura de investigação das principais figuras políticas brasileiras envolvidas no mega-escândalo da Petrobrás.

Numa analogia a famosa peça teatral, “Esperando Godot” de Samuel Beckett, a frase “Esperando Janot”, foi muito citada durante a semana nos meios jornalísticos.

Na aplaudida e mundialmente conhecida peça, “Esperando Godot”, dois andarilhos, Estragon (gogo) e Vladimir (Didi), enquanto esperam a chegada de Godot (que nunca vem), jogam conversa fora.

O título dessa peça de Samuel Beckett (1906 – 1989), nesses últimos dias, serviu de mote para a tão esperada lista do Procurador Geral da República, Janot, com os nomes dos parlamentares envolvidos no maldito petrolão. O que tem a ver Godot, com Janot, não sei. Mas, relendo a peça teatral, algo me surpreendeu logo no início do primeiro ato. Fica a critério do leitor(a) deduzir se, o trecho que aqui replico de um diálogo inspirado no julgamento do Messias (nos Evangelhos), há alguma coisa a ver (ou não) com o rolar dos acontecimentos recentes da republiqueta fundada por  Dom João VI.

                      [Enquanto Esperam GODOT]

Vladimir (Didi): Assim matamos o tempo. (Pausa) Eram dois ladrões crucificados ao mesmo tempo que o Salvador. Se...
                    Estragon (gogo): O que, quem?
Vladimir: O Salvador. Dois ladrões. Diz-se que um deles foi salvo, e o outro condenado.
Estragon: Salvo de que?
Vladimir: Do inferno
Estragon: Vou-me (senta-se quieto)
Vladimir: E, entretanto... (Pausa) Como é possível que?... Suponho que não te aborreço.
Estragon: Não escuto.
Vladimir: Como é possível que, dos quatro evangelhos, só um conte os fatos desta forma? Não obstante os quatro estavam ali; vamos... não muito longe. Só um fala de um ladrão salvo. (Pausa) Bom, Gogo, de quando em quando se podia colocar vaza.
Estragon: Escuto
Vladimir: Dos quatro, só um. Dos três, dois nem sequer o mencionam, e o terceiro diz que ambos lhe insultaram.
Estragon: Quem?
Vladimir: Como?
Estragon: Não entendo nada. (Pausa) Insultar a quem?
Vladimir: Ao Salvador.
Estragon: Por quê?
Vladimir: Porque não quis salvá-los.
Estragon: Do Inferno?
Vladimir: Não, homem, não. Da morte.
Estragon: Nesse caso...
Vladimir: Os dois deveriam ser condenados.
Estragon: E depois?
Vladimir: Mas um dos evangelistas diz que um se salvou.
Estragon: Vá, não estão de acordo; nada mais.
Vladimir: Alí estavam os quatro. E só um fala de um ladrão  salvo, por que acreditar em um a mais que os outros?
Estragon: Quem lhe acredita?
Vladimir: Pois todos. Só se conhece esta versão.
Estragon: Somos tontos.
Vladimir: Puff (Cospe).
Estragon: Formoso lugar! (volta-se, avança até a bateria e olha para o público). Rostos sorridentes. (Volta-se até Vladimir). Vamos
Vladimir: Não podemos.
Estragon: Por quê?
Vladimir: Esperamos ao GODOT.


P.S.:

Refletindo bem, a peça “Esperando Godot” e a Lista de Janot, na verdade, têm algo em comum. Samuel Beckett teceu sua peça sob o pessimismo e as cinzas da segunda guerra mundial. O Procurador Rodrigo Janot, de igual modo, trata de recolher o que sobrou das ruínas de uma república em seu triste ocaso.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 07 de março de 2015


02 março 2015

“Banco Sem Dinheiro”



Há mais ou menos três meses, na agência do Banco do Brasil de Guarabira (9ª cidade da Paraíba - em população e PIB), onde resido, uma prática está se tornando comum: a de deixar sem dinheiro os seus terminais eletrônicos destinados a saque nos finais de semana, principalmente quando os feriados caem numa sexta ou numa segunda feira.

No último final de semana, cheguei à agência e dei de cara com a frase, “Banco Sem Dinheiro”, estampada em sua grande porta de vidro tipo blindex. Encontrei muitos revoltados reclamando da falta de consideração do Banco para com o cliente. Mas, notei algo terrivelmente doloroso: usuários dessa mega-instituição financeira, falavam que o emblemático AVISO refletia a mais pura e cristalina verdade. Diziam eles: “A verdade é que se a metade da clientela resolver retirar o que tem em aplicações, o Banco do Brasil não vai ter como pagar”.

Esse fato, por si só, demonstra o quanto a tensão e o medo têm chegado aos mais distantes rincões do nosso país. Creio que o apelativo aviso — sem dinheiro” deste final de semana  colado em lugar bem visível na agência não se deve a incompetência de sua direção local, mas, sim, fruto de uma ordem de contenção vinda lá de cima, para fazer face à gastança desenfreada realizada em nome da tão cantada e decantada governabilidade.

Eis a avassaladora manchete que está correndo nas redes sociais e nos principais jornais do país: “Brasileiros Retiram Dinheiro da Poupança, e o Sistema Bancário Começa a Ruir”.

Para se ter a ideia do nível de descontrole na gestão da coisa pública, a Caderneta de Poupança que vinha, há muitos anos, pelo menos, sendo renumerada de acordo com a inflação mensal, chegou aos meses de Janeiro e fevereiro desse ano a ser indiretamente confiscada nos seus rendimentos em quase 60%. A inflação de janeiro foi de 1,24%, a de fevereiro bateu nos 1,33%. Enquanto isso, a Poupança foi corrigida em apenas 0,5%/mensal. Se isso não for confisco, o que é então confisco?

A situação é tão nefasta que a maior fuga de recursos das instituições bancárias nos últimos 20 anos aconteceu exatamente nos dois primeiros meses de 2015 [vide link]. Que fique claro: o dinheiro retirado pela população está sendo usado para recuperar o seu poder de compra que vem sendo paulatinamente corroído a olhos vistos.

O negócio vem se agravando cada vez mais, e o horizonte é realmente sombrio. Quando a maior autoridade da república vem a público dizer que vai lançar um programa que facilita o fechamento das empresas via on-line em questão de minutos (Vide link), tem-se aí uma amostra indiscutível de que o país está iniciando uma grave recessão. O bloqueio nas estradas do país realizado por caminhoneiros que fazem o escoamento da produção de alimentos e têxteis, que já dura mais de uma semana, vem causando prejuízos de mais de um bilhão de dólares, com as lideranças políticas desarticuladas a bater cabeça sem que consigam solucionar o grave descompasso [Vide link].

A Agência de classificação de risco, Mood’s, já deu o sinal vermelho para os investidores externos debandarem do país. Como sem investimentos não há dinheiro na praça, a frase “Banco Sem dinheiro” colada na porta do Banco do Brasil de minha cidade, talvez esteja sinalizando para nós, contribuintes/correntistas, uma verdade inconveniente que o governo, em vão, tenta obscurecer.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 02 de março de 2015

Imagem do topo: Foto do Interior da agência do B.B. de Guarabira - Pb