Quem não se lembra do tempo da meninice,
quando delatar alguém da curriola de amiguinhos traquineiros era um ato de
traição irreparável?
Lembro-me bem de que, certa vez, todos
de minha classe na escola primária ficaram de castigo quase o dia inteiro, por
não atender ao pedido da professora que, de forma áspera, queria porque queria
saber o autor da malfeitoria realizada por um de nós às escondidas.
Por outro lado, era comum no meu tempo
de menino, o pai dizer para o filho: “fale
a verdade sobre o que realmente aconteceu, que o seu castigo será bem menor!”.
Às vezes, a autoridade paterna até nos presenteava pela delação de mãos postas
que fazíamos.
Mas o que levava a criança a
apresentar aquele tipo de comportamento diante da professora: ter que delatar
aquele que fez o malfeito com aquiescência de todos?
Refletindo bem, na maioria das vezes o aluno não delatava o outro, porque tinha medo de ser, depois, punido rigorosamente pelo colega delatado.
Naquele tempo quem se arvorasse a ser
delator, ficava de bem com a autoridade (o professor ou mestra), mas em
contraposição ficava eternamente marcado, pelos coleguinhas que diziam entre si:
“tenham cuidado com o ‘dedo duro!’”.
E aí entra o velho Freud, com seus, até então, insuperáveis
mecanismos de defesa psíquicos: “todos
nós usamos esse mecanismo de defesa — a NEGAÇÃO, que não é necessariamente
patológico. Não poderíamos levar a vida sem eles. Esses mecanismos só se tornam
um problema ao serem utilizados pelo ego de modo excessivo e inflexível” [Freud
Básico − de Michael Kahn]
“O
delator sempre apareceu na história como uma figura infame. Foram os casos de
Calabar e Joaquim Silvério dos Reis” — conta, Altair J. Aranha em seu “Dicionário Brasileiro de Insultos”.
Todo estudante de História sabe muito bem que Joaquim Silvério só delatou os inconfidentes Mineiros em troca do
perdão de sua dívida junto à Fazenda Real.
A história de nossa república está pontuada
por diversos casos de delação. Ainda está bem fresca em nossa memória, uma das
mais trágicas delações: a de um irmão que denunciou o outro que estava na
presidência, ocasionando seu impeachment e
desgosto profundo em sua mãe, culminando por levá-la à morte depois de um
prolongado coma. [Vide
link]
Nunca antes na história desse país tanto
se falou no recurso da delação premiada (mal necessário), quanto hoje se
noticia nos meios de comunicação. Como o Brasil é o país onde tudo acontece em
escala descomunal, o Procurador Geral da República, com o aval do STF, já expôs à nação a sua longa lista de parlamentares supostamente envolvidos no Petrolão. Através do instrumento jurídico, "delação premiada", alguns que estão preventivamente presos deduraram seus ex-companheiros. Supõe-se que serão investigados naquilo
que Rodrigo Janot (cujo mandato
termina em setembro) já denominou “o maior esquema de corrupção revelado no
país”. Acontecerá isso mesmo?
Um Acordo de Leniência (?)
A professora Alexandra (Dona Xanda) chega à nossa classe no
grupo Apolônio Zenaide, tinha lá os meus oito ou nove anos de idade e, de forma
esbaforida, pergunta:
— Quem pegou a caixa de giz colorido que estava aqui perto do quadro
negro?
Ninguém delatou ninguém. Todos responderam
quase em uníssono:
— Não fui eu, fessôra. Não fui eu... Eu nem sabia que tinha giz
colorido aí em cima!
— Nem eu...
— Tampouco eu...
Lembro que, dessa vez, a fessôra não fez questão de investigar a
fundo o ocorrido. Afinal não era ela, mas o diretor da escola, quem comprava as
caixas de giz.
Dona Xanda,
no íntimo, sabia perfeitamente que essa artimanha de responder “eu
não sabia”, era
uma desculpa esfarrapada dos seus pupilos. No 'NÃO", lá dentro, de forma reprimida se escondia o SIM.
No fundo no fundo, a professora sabia que estava sendo leniente, e seus alunos, de igual modo, sabiam que estavam sendo coniventes, ao não apontar os que se apropriaram de algo que não era deles.
No fundo no fundo, a professora sabia que estava sendo leniente, e seus alunos, de igual modo, sabiam que estavam sendo coniventes, ao não apontar os que se apropriaram de algo que não era deles.
Por Levi B. Santos
Guarabira, 16 de março de
2015
Link da Imagem: http://pjpontes.blogspot.com.br/2014/12/lava-jato-ja-firmou-12-acordos-de.html
Link da Imagem: http://pjpontes.blogspot.com.br/2014/12/lava-jato-ja-firmou-12-acordos-de.html
Um comentário:
Sei lá, mas tenho o palpite de que algo mais do que uma redução de pena pode rolar por trás dessas delações premiadas. Há fortes interesses gravitando em torno do poder político como sempre houve...
Postar um comentário