23 agosto 2006

O VELHO VIOLÃO





Ao chegar à minha casa, vindo do trabalho surpreendi-me ao te encontrar, meu antigo companheiro de grandes aventuras, combalido, de braço quebrado e cordas enferrujadas em desalinho, com o teu bojo a despregar lascas de madeira, ainda de pé, encostado a uma pilastra do grande portão da garagem, esperando o Caminhão do lixo que te levaria a um triste destino.

Entre os objetos lá do quartinho, no fundo do quintal, foste o único sentenciado e condenado a ser enviado para o “Lixão”. Certamente julgado por alguém, que te considerou um estorvo entre as relíquias acumuladas ao teu redor, as quais foram consideradas de mais valia.

Quem sabe! Se antes de chegares a tua ingrata morada, outras mãos te pegariam, te apalpariam, e após uma complicada reforma, voltarias a alegrar ambientes de um outro dono. Uma coisa eu sei: a tua história por estes trinta e dois anos em que viveste ao meu lado, o teu novo patrão jamais saberia.

Nos desvãos de minha vida, por todo esse tempo, arranquei de ti muitas canções alegres, e algumas tristes. Tal qual uma esposa me acompanhaste na tristeza e na alegria. O teu som se fazia ouvir entre aplausos. Eras cobiçado pela tua postura e beleza. Os que te ouviam admirados, diziam ao te ver de pertinho: É um majestoso instrumento, um “Di Giórgio”. A tua superfície brilhava e refletia tudo ao teu redor, como se fosse um espelho. Tinha um cuidado especial para não seres arranhado em tua tez macia.

Não...! Não posso te dar tão infame destino! Por duas vezes colei as tuas partes quebradas e voltaste a alegrar a minha casa, pelas mãos dos meus três filhos, que cresceram na arte da música, dedilhando as tuas cordas.

Viajaste por tantos recantos do meu Estado, que eu perdi a conta. Em clubes, igrejas, praias e residências de amigos. Em festas de aniversários e outras comemorações, desde os idos de 1974, quando iniciava a minha vida de médico. Lembro-me ainda, no silêncio das minhas noites de insônia, quando a tua voz ficava mais pungente e suave, e, como um bálsamo, fazia-me sonhar devaneios de um tempo que não volta mais.

O menor tributo que eu poderia te prestar, o fiz imediatamente, ordenando:

─ Recolham o que resta deste violão ao quartinho! Algum dia haverá concerto para ele.

Dei-te as costas, e saí. Na esperança, de que futuramente pudesse extrair de tuas cordas, sons dolentes, que tanto me acalmava o espírito naquelas noites enluaradas e frias de outono. Estação esta, que me inspirava a tocar as velhas e nostálgicas canções, que nos meus quinze anos, ouvia ao lado de meu pai em sua vitrola antiga, de discos de setenta e oito rotações.

Crônica por Levi B. Santos. Guarabira, 17 de julho de 2006

20 agosto 2006

REBULIÇO BOM





Ausência – presença. Solidão – rebuliço. Encontros - desencontros. Desses binômios de sensações, não podemos fugir em nossa vida de relação.

O silêncio de uma casa vazia, limpa e bem arrumada, com tudo no seu devido lugar nos leva a experimentar a “solidão”, que como um refúgio, nos estimula a uma imaginação reflexiva. Na mudez deste significante silêncio é que nos vem a compulsão de revelar através da escrita, fragmentos da vida representados pelo que se vivencia no dia-a-dia, que aparentemente são coisas simples, mas pela sua espontaneidade e ternura se revestem de uma importância incomum. Para os sensíveis, a solidão traz uma aprendizagem enriquecedora, pois em sua trama se evocam as expressões comunicativas prazerosas ou não, das palavras, gestos e brincadeiras colhidas na imprevisibilidade dos encontros.

Não queremos falar da solidão de uma casa silenciosa limpa e bem arrumadinha do meio de semana, e, sim do rebuliço gostoso, que nos tira de tempo, nos finais de semana, e que nos leva a rir. Rir até a exaustão. A casa com tudo nos seus lugares nos deixa circunspetos, propiciando mais as lágrimas que o riso. Riso que se torna o melhor dos remédios na “bagunça” dos Sábados e Domingos. As alegrias gozadas nestes dias nos renovam para enfrentar as fatídicas Segundas Feiras. Dias em que a mesmice da rotina nos invade, e só ficamos com a vaga lembrança das palavras ditas e gestos guardados dos fins de semana, a nos remoer por dentro.

Deus após seu trabalho de criação, descansou no sétimo dia. O sétimo e oitavo dia para pais e avós, são dias de devaneios, quando dançam, pulam e correm cansados e satisfeitos com os rebentos a imitarem os seus cacoetes e trejeitos, e a colocarem tudo fora do lugar numa hecatombe de objetos a voar de pernas para o ar.

É em meio a desarrumação da casa e em ocasião como esta, que ocorrem sutilezas que ficam registradas em nosso imaginário pela vida afora, suscitando-nos a passar para o papel o que mais nos impressiona pela sua singularidade.

Eis um relato suscinto de um rebulico de final de semana, em que fui figurante como pai e avô:

Desejei comer um melão. Saí perambulando pela feira de banco em banco. Finalmente, com muita dificuldade encontrei um melão pequeno e bem redondinho. Oito horas da manhã de domingo, pedi a dita fruta para o desjejum. Não encontraram depois de muito procurarem. Foi quando Luza, minha esposa, disse: “O seu melão eu vi ontem à tarde na fruteira, bem aqui. Alguém comeu ou levou”. Procurou-se por tudo quanto é canto e não se encontrou a cheirosa fruta que mandara guardar para o café da manhã.

Ouviu-se então no quintal da casa a voz de D. Penha, nossa empregada:

─ Estava varrendo o chão ali, quando encontrei isso.

Fui então ver. Ali estava um simulacro de melão todo mole com perfurações, escorrendo uma papa amarela. Foi quando George (meu filho) falou em tom de galhofa:

─ Ah! Foi Ana Gabrielle (minha neta de 1 ano e meio) que estava chutando a fruta, pensando que era uma bola.

Viu aí no que deu, ensinarem a menina a jogar bola! Fiquei sem meu melão.

Após o almoço, costumo sempre tirar uma soneca rápida em minha cama, com a TV ligada baixinho. Enquanto me dirigia para o quarto, minha esposa gritou:

─ Cuidado para não se ferir com os pratos, copos e talheres que estão em cima da cama!

Caminhando pelo quarto, pisando em frisos, anéis e presilhas de cabelos que a neta espalhara pelo chão, e observando o efeito do “tsunami” que passara pelo meu leito, exclamei: “Que rebuliço danado foi esse aqui”! Afastei tudo para um lado, e me deitei, inalando odores variados, de caldo de feijão já meio azedo, de galeto frio e suco de maracujá, proveniente de restos do almoço que deixaram ali nos pratos e copos. Em vão, pude dar um cochilo, pois Gabrielle apareceu ràpidamente no quarto com as mãos úmidas a bater em meu rosto, balbuciando: “Bobô ííí, bobô íííí”. Foi quando eu pude entender que fim de semana não é dia de descanso para quem é avô. É dia de rebuliço mesmo.

Levantei-me e saí com a neta a me puxar pela mão em direção a uma barraquinha de guloseimas, instalada ao lado de minha casa.

Crônica por Levi B. Santos

Guarabira em 20 de Agosto de 2006

14 agosto 2006

A ÚLTIMA DO MEU AMIGO JOEL




Tarde de domingo. O sol espargia seus últimos raios sobre os telhados dos casarios do meu bairro, deixando sombras em um lado da rua, e claridade ofuscante de cor dourada nas fachadas das casas do lado oposto. Mais tarde as sombras tomariam todo o bairro, trazendo logo após, as trevas representadas pela noite com seus medos e suas lucubrações fantasmagóricas em forma de pesadelos. Fazia um silêncio convidativo para uma reflexão ou uma leitura amena, porém decidi junto com minha esposa, visitar o amigo Joel, que se encontrava muito enfermo. Desde o início de sua doença eu estava vivenciando uma personificação dupla: eu era o seu médico e seu amigo confidente ao mesmo tempo, o que deixava os aconselhamentos profissionais que fazia, recheados de tiradas de humor, terminando quase sempre em frases de duplo sentido, que nos incitava a dar sonoras gargalhadas.

Chegando a sua casa, tive uma grata surpresa, ao encontrar a maioria de seus parentes mais próximos, e alguns amigos mais chegados a conversar sobre fatos do cotidiano. Era assim que o meu amigo Joel, gostava de ficar no entardecer dos domingos e feriados. Ao olhar para o seu semblante envelhecido naquele fim de tarde, algo me dizia que estava presenciando uma de suas últimas reuniões no velho calçadão de pedras quadradas, que ele mesmo construíra, desfazendo uma pequena horta que existia no local. Conversa vai, conversa vem, eis que ele se dirige para mim desta forma:

─ Levi, me diz o que isto significa: ultimamente, qualquer objeto pequeno que eu seguro, parece tão pesado como chumbo!

Sabia que o seu fígado nas condições em que estava, não podia metabolizar o pouco que ele ingeria, e que a tendência era o agravamento do seu estado nutricional. Deixei propositadamente de responder a sua indagação, para sair com uma pergunta sobre o estado de seu coração, uma vez que o mesmo tinha sofrido um enfarte recentemente e estava tomando medicamentos que podiam estar sobrecarregando mais ainda a sua função hepática.

Perguntei com um ar sério:

Joel, e o teu coração como está? Estás sentindo alguma coisa?

Ao que ele respondeu com a maior presença de espírito, de um modo brincalhão e ao mesmo tempo poético:

Estou sentindo um negócio estranho no peito, Levi.

─ Diga logo, rapaz, para gente tomar as precauções devidas. Disse eu, em tom de advertência.

─ Sabe o que é que tenho no coração? É uma saudaaaadeee.... Respondeu metaforicamente o meu amigo, esboçando um ar de quem tinha me tirado de tempo.

Rimos demoradamente. O Joel era genial. Até em horas como aquelas, ele brincava com a vida. Estava ali, com o corpo a negar fogo, mas o espírito era o de sempre: alegre e jovial.

Quando debatíamos sobre religião, o amigo Joel mudava de aspecto, se mostrava muito compenetrado. Eu ficava verdadeiramente impressionado com a sua descrição apaixonada do livro de Apocalipse, quando ele relatava detalhadamente como seria o milênio de paz em Jerusalém, com a igreja descendo com Cristo para reinar na terra, todos já com corpos transformados, imune às doenças e a morte. Na sua imaginação parecia já estar antegozando as delícias do porvir. Porém, uma coisa o deixava um tanto desapontado nesta história da revelação de João. Exclamando para mim, apertando vigorosamente uma mão contra outra, ele falava:

─ O que me encabula, é que nós, com corpos transformados, como vamos nos misturar com a geração dos que não foram arrebatados e que ficaram aqui na terra? Perguntava ele com a mão em punho esmurrando a outra.

─ O livro do Apocalipse é terreno perigoso, Joel. Principalmente quando a sua mensagem é transportada para o nosso imaginário de uma maneira literal, concluía eu.

De há muito, através de minhas intermináveis leituras, eu chegara a conclusão de que tudo no livro do Apocalipse era simbólico, e devia ter uma significado espiritual e não literal, que o meu amigo veementemente discordava. Tínhamos, porém, algo em comum: Ambos apreciávamos uma boa música tocada com instrumentos de cordas. Fora justamente na véspera deste domingo que fizemos um ensaio musical que me tocou profundamente pelo tom solene em que se deu. Já passava das treze horas do sábado, e o meu amigo Joel não demonstrava sentir a fome que me consumia o estômago. Parecia não querer findar aquele concerto. Solava em seu bandolim, os mais belos hinos da Harpa Cristã, acompanhado por meu filho George, ao violão. Eu observava naquela ocasião, o esforço impetuoso que ele fazia para tirar das cordas do seu querido instrumento, os acordes que às vezes saiam do compasso, devido à fraqueza muscular que deixava os seus dedos trêmulos. Imaginava comigo: cada corda dessas devia estar pesando mais que uma corrente de ferro, contudo, ele continuava firme, e resoluto no seu propósito de tocar enquanto força tivesse. Será que alguma coisa no seu coração dizia que aquele seria seu último louvor? Será que ele pressentiu naquele momento, que afinara o seu instrumento para tocar pela ultima vez os seus prediletos hinos? Não sei exatamente o que se passava por sua cabeça naquela hora. Só sei, que o amigo do peito consumido pela doença atroz, não estava mais no plano carnal e terreno. Pedi para sair, pois tinha muitos afazeres e já eram quase duas horas da tarde. Ele com a voz rouca e fraca me dizia: ─ não vá agora Levi, espere mais! George ficou compartilhando por mais tempo daquele sublime culto, enquanto eu, pesaroso e vergonhoso, saía para cuidar das obrigações costumeiras de um dia de feira.

Segunda-feira às cinco e trinta da manhã, justamente doze horas após aquele saudoso encontro de domingo no calçadão, o telefone toca a minha cabeceira. Era a voz embargada de Ozibete, esposa do amigo Joel: “Levi, corre aqui, Joel parece que está morrendo”!

Troquei ràpidamente de roupa e saí em meu carro, em desabalada velocidade, rumo a sua casa. Lá chegando vi o amigo muito pálido, com respiração superficial. Pressão baixíssima (8x4). Luza (minha esposa), Enódio (seu cunhado) e eu o tiramos com muita dificuldade da cama e o colocamos no banco dianteiro do meu automóvel, para sair rumo ao Hospital. Foi quando tentando acomodá-lo melhor, ouvi, o que seria a sua última palavra: MERDA!!!, disse com o ar de quem estava sendo contrariado. Nada mais falou, entrando em um coma do qual não mais sairia.

O Joel foi sábio até em sua última palavra. Existe um vocábulo mais perfeito do que este, para expressar o que somos realmente nesta vida comum? Assim como o pó é o produto final da construção humana (para o pó voltarás), da mesma forma as fezes são o produto final de tudo quanto absorvemos e ingerimos nesta vida.

Jó, o personagem bíblico que se tornou paradigma do sofrimento físico e existencial do homem, em sua agonia também se expressou como o meu grande amigo Joel: “De sorte que o homem se consome como uma coisa podre...”(Jó 13. 28)

É, até na hora do desenlace fatal, o Joel falou em sentido figurado, isto é, deixou-me um enigmático presente, uma palavra de duplo sentido. Só vim entender depois.

Crônica por Levi B. Santos.

Guarabira, l3 de Agosto de 2006

06 agosto 2006

UM NOSTÁLGICO FIM DE TARDE




Nas minhas viagens para Camboinha III, sempre tenho algo a resolver na Capital do Estado. Numa de minhas andanças por aquelas bandas, já à tardinha, quando estava de saída, resolvi atender a um convite do filho mais velho, e a um desejo de uma neta, que apontava com o braço estirado para o lado do mar que ficava há uns trezentos metros do nosso apartamento.

Eu, e meu outro filho do meio (Glauber) ficamos em cima de um montículo de areia fofa que entrava por entre as frestas de nossas sandálias. Acariciavam as partes descobertas dos nossos pés, ramos de gramíneas marítimas, que se estendiam por toda costa. Emoldurando este quadro, tínhamos atrás de nós um sol com fracos raios a nos fustigar de mansinho, projetando nossas sombras gigantes e estreitas sobre o lençol de areia bordado por restos coloridos de latas de cervejas amassadas e pedaços de copos descartáveis, misturados a restos mortais de algas ressecadas abandonadas pelas ondas da maré cheia que passara há poucas horas por aquele recanto de tão gratas recordações.

O meu filho mais velho com minha primeira neta dirige-se solenemente para a praia, já com as ondas fracas da maré vazante. Segurando a filha com o máximo cuidado lá vai George, driblando as sujeiras, fugindo por certo dos ouriços pontiagudos, tão comuns nesta praia. Em seguida molha os pés de Gabrielle, que começa a pular instantaneamente numa alegria incontida. Em poucos minutos ela se joga, caindo sentada com água à altura do tórax, numa atitude de quem é veterana no banho de mar. É quando Glauber ao meu lado quebra o silêncio: “Ela é destemida mesmo. O menino de Rocha tem tanto medo que não chega nem perto da água”.

Um vento cálido de fim de verão jogava finos grãos de areia sobre nossos corpos. No silêncio de uma praia totalmente deserta me vem à imaginação: Ali estava a nossa continuidade, a nossa herança, a não deixar a tristeza tomar conta daquele fim de tarde. O avô, o pai, e um tio presenciando uma criança esbanjando energia e felicidade fincando o seu marco naquele local, palco de tão saudosas pescarias de rede de arrasto e peladas que duravam até o escurecer, quando enfim exaustos e felizes voltávamos para o nosso apartamento. Um avô já cansado pelo peso da idade, como que passava naquele momento idílico, o bastão na corrida do tempo a um ser de um ano de idade, que reinaria com outras formas de alegria que por certo adviriam em um tempo que já não seria mais o nosso.

Nostálgicos mas revigorados, voltávamos Glauber e eu para Guarabira. Podíamos ler no nosso próprio olhar, o quanto foi providencial o nosso atraso de meia hora. Evocamos ali tantos momentos vividos, “tantas emoções”, como canta Roberto Carlos. George reclamou da insensibilidade nossa em não registrar aquele momento pela câmera do nosso celular. “Fica para outra oportunidade”, pensava eu, quando Gabrielle adentrar na saudosa palhoça de frutos do mar, que suados e sujos de areia outrora freqüentávamos. Na certa, a carne saborosa daquelas patas enormes dos caranguejos terão um outro dono.

Crônica por: Levi B. Santos

Camboinha III, 27-03-2006

DIA DE MÃE



Logo na noite que antecede o dia das mães, meu carro dá o prego. Lá estão na mala, objetos bem acondicionados em embalagens coloridas com laços de fita, que não chegarão às mãos de minha mãe na data escolhida para ela.

Nessa manhã de domingo, dia das mães, a casa, aqui, toda em desalinho, tudo fora do lugar, provocado pela balbúrdia da véspera, mas por incrível que pareça existe silêncio, só quebrado pelo tilintar de pratos sendo lavados na pia da cozinha, e pelo cantar dos pardais em bando pelo quintal. È neste clima que me arvoro a escrever sobre MÃE. Como diz o adágio popular: todo mal na vida traz um bem, o incidente do carro me inspirou este ensaio.

Dia das mães, em conseqüência, também é o dia dos filhos. Dia em que os filhos perguntam para si mesmos: Pode uma mãe esquecer-se de um filho?

Ainda bem, que este dia não é comemorado na véspera. Dia este, em que reina o corre-corre louco das pessoas, a se baterem umas nas outras, suadas e angustiadas na dúvida sobre o que a mãe vai TER. Engarrafamentos fenomenais, até batidas de automóveis, tudo isto acompanhado por um barulho ensurdecedor dos alto falantes a misturar aquelas emotivas e velhas canções aos apelos comerciais insistentes e repetitivos, onde o que mais se ouve é: demonstre o seu amor para com sua mãe, e leve este lindo objeto com preço especial para este dia.

A mãe já tão cansada pelo peso da idade, não merecia uma véspera tão barulhenta e artificial como esta, em que os filhos já sabem o que as mães vão TER, após um sufocante entra e sai das lojas. A referência feita aqui ao “frenesi” das compras, tem o intuito de levar a uma reflexão mais profunda, pois é no mundo do TER, no mundo dos objetos, que os filhos estão envolvidos, quando, na verdade, ela, a mãe, não diz, mas lá no seu íntimo, ela gostaria mais de estar no mundo do SER. É que tudo, que é de objeto presenteado, será possivelmente guardado em um guarda roupa, um armário, ou em uma gaveta, não aliviando a carência de gratidão que a acompanhará até o próximo “dia das mães”.

Dia das mães é todo dia, porque não há um dia sequer que ela não se lembre, e que não peça a Deus por seu filho. Ofereçam a ela essas duas opções, e vejam qual será a sua escolha: Um caro presente, ou um ALÔ, ao telefone, perguntando como ela está! Mas, é o telefone, este valoroso instrumento, a que ela recorre para poder ouvir o seu filho, que surpreso responde à distância: Diga mãe, o que a Senhora quer? Ao que ela responde na mais sublime frase de Mãe ao telefone: “Queria ouvir só a tua voz, estava com tanta saudade”.

( Ensaio por Levi. B. Santos, em 13 de Maio de 2006)



TARDES DE DOMINGO



No domingo eu escapulia

Para o campo da engenhoca

No quintal de tia Anás

Futebol eu assistia.



Bem atrás de uma trave

Sobre a faxina escondido,

Eu aplaudia as jogadas

Do meu time preferido.



Cada gol era uma festa

A orquestra respondia.

Puxando um frevo alegre

Numa bela sinfonia.



Depois do primeiro tempo

No campo podiam entrar.

Pela frente do estádio

Eu entrava sem pagar.



Juntava umas três moedas

Para comprar as doçuras

Que vendiam na torcida,

Uma verdadeira loucura.



Vendiam amendoim

Laranja pêra e sorvete

Pirulito e alfinim

E palitos de rolete.



Geladinhas de refresco

Afora as tapiocas.

Tinha doce americano

E pacotes de pipocas.



Iguarias iguais aquelas

Nunca pensei em provar.

Para falar a verdade

Nem em festas no meu lar.



Meu clube era o Tabajaras,

De grandes craques da bola

Cereba e Lula Teixeira

Não me saem da cachola.



Você veja que loucura

Eu em cima da faxina,

Assistindo um partidaço

Com o treze de Campina.



O Tabajaras em casa

Não perdia uma vezinha,

Mesmo ele jogando ruim

O juiz dava uma mãosinha.



Os jogadores d’outro time,

Gritavam: juiz ladrão

Para nós na passeata

Em cima do caminhão.



Passando por minha casa

Em caminho obrigatório,

Mamãe se desesperava

Gritando um palavrório.



Sai de cima desse carro

Uma surra tu vai ter.

E eu pulando pelas grades

Ía então me esconder.



Dizia então minha mãe

Numa tristeza medonha:

Tu és crente, vagabundo,

Tá me fazendo vergonha.

POEMA DE UMA AVÓ PARA UMA NETA


Fazer os laços que eu sempre desejei,

Calçar nos pés aqueles sapatinhos

Andar de mini-saia livre pelas calçadas

Lembro-me enfim mesmo por um tempinho

Daquilo que não tive em meio a criançada.



Agora sei bem o que é ser menina

Ao te ver tão frágil a repetir meus gestos.

É minha a tua face, tenho eu a impressão,

Quando os lábios se alongam e surge um sorriso

Uma saudade imensa invade meu coração.



Estas pequeninas pernas, será que foram as minhas

Por ter passadas ligeiras, me deram por apelido

Pernas finas corredeiras, como minha mãe chamava

Ao desembalar como tu, correndo pelas ladeiras,

Cai , cai acolá. E no chão liso escorregava.



Tempos vividos que tive, e estou revendo agora.

Imitando a tua fala, me faço de novo criança,

Então na rede em meus braços, feliz a te embalar.

Em sonhos eu me vejo lá na Santa Terezinha

Ouvindo então bem baixinho, mamãe a cantarolar:


BOI, BOI, BOI, BOI DA CARA PRETA, PEGA ESSA MENINA QUE TEM MEDO DE CARETA.



Guarabira, 06 de aAgosto de 2006



AMIGO



Amigo!....

Parceiros somos desta alma inquieta,

Desta ansiedade, não sabemos a fonte.

Que, quando queima demais em nosso peito

Explode então como um vulcão na boca,

Numa profusão de contidos sentimentos,

Unindo meus acordes a tua voz rouca.



Então eu toco, enquanto cantas......



Terminando juntos, esta bela melodia

A tempestade em nossa alma cessa.

Voltamos a ser tranqüilos como antes.

Com a mesma música, ou uma nova canção

Em um outro dia ou quem sabe amanhã,

Aplacaremos dores que vão no coração.

CONTOS ESCONDIDOS




Ah! Se realmente soubesses...

A minha alma empolgada

Embebida nos teus contos.

Seria aquilo inveja?

Versos enfim escondidos

Por não saírem de mim?



Se foi inveja escondida,

Hoje o que agora escrevo

É fruto de tua escrita

Pois ela encontrou guarida

Fez ninho, gerou , nasceu

No coração deste velho



Me deste total apoio

Ao leres meus pensamentos,

Que p’ra contê-los teria

Que negar a própria fonte,

Que por ser tua e também minha

Quis jorrar esta poesia.