20 agosto 2006

REBULIÇO BOM





Ausência – presença. Solidão – rebuliço. Encontros - desencontros. Desses binômios de sensações, não podemos fugir em nossa vida de relação.

O silêncio de uma casa vazia, limpa e bem arrumada, com tudo no seu devido lugar nos leva a experimentar a “solidão”, que como um refúgio, nos estimula a uma imaginação reflexiva. Na mudez deste significante silêncio é que nos vem a compulsão de revelar através da escrita, fragmentos da vida representados pelo que se vivencia no dia-a-dia, que aparentemente são coisas simples, mas pela sua espontaneidade e ternura se revestem de uma importância incomum. Para os sensíveis, a solidão traz uma aprendizagem enriquecedora, pois em sua trama se evocam as expressões comunicativas prazerosas ou não, das palavras, gestos e brincadeiras colhidas na imprevisibilidade dos encontros.

Não queremos falar da solidão de uma casa silenciosa limpa e bem arrumadinha do meio de semana, e, sim do rebuliço gostoso, que nos tira de tempo, nos finais de semana, e que nos leva a rir. Rir até a exaustão. A casa com tudo nos seus lugares nos deixa circunspetos, propiciando mais as lágrimas que o riso. Riso que se torna o melhor dos remédios na “bagunça” dos Sábados e Domingos. As alegrias gozadas nestes dias nos renovam para enfrentar as fatídicas Segundas Feiras. Dias em que a mesmice da rotina nos invade, e só ficamos com a vaga lembrança das palavras ditas e gestos guardados dos fins de semana, a nos remoer por dentro.

Deus após seu trabalho de criação, descansou no sétimo dia. O sétimo e oitavo dia para pais e avós, são dias de devaneios, quando dançam, pulam e correm cansados e satisfeitos com os rebentos a imitarem os seus cacoetes e trejeitos, e a colocarem tudo fora do lugar numa hecatombe de objetos a voar de pernas para o ar.

É em meio a desarrumação da casa e em ocasião como esta, que ocorrem sutilezas que ficam registradas em nosso imaginário pela vida afora, suscitando-nos a passar para o papel o que mais nos impressiona pela sua singularidade.

Eis um relato suscinto de um rebulico de final de semana, em que fui figurante como pai e avô:

Desejei comer um melão. Saí perambulando pela feira de banco em banco. Finalmente, com muita dificuldade encontrei um melão pequeno e bem redondinho. Oito horas da manhã de domingo, pedi a dita fruta para o desjejum. Não encontraram depois de muito procurarem. Foi quando Luza, minha esposa, disse: “O seu melão eu vi ontem à tarde na fruteira, bem aqui. Alguém comeu ou levou”. Procurou-se por tudo quanto é canto e não se encontrou a cheirosa fruta que mandara guardar para o café da manhã.

Ouviu-se então no quintal da casa a voz de D. Penha, nossa empregada:

─ Estava varrendo o chão ali, quando encontrei isso.

Fui então ver. Ali estava um simulacro de melão todo mole com perfurações, escorrendo uma papa amarela. Foi quando George (meu filho) falou em tom de galhofa:

─ Ah! Foi Ana Gabrielle (minha neta de 1 ano e meio) que estava chutando a fruta, pensando que era uma bola.

Viu aí no que deu, ensinarem a menina a jogar bola! Fiquei sem meu melão.

Após o almoço, costumo sempre tirar uma soneca rápida em minha cama, com a TV ligada baixinho. Enquanto me dirigia para o quarto, minha esposa gritou:

─ Cuidado para não se ferir com os pratos, copos e talheres que estão em cima da cama!

Caminhando pelo quarto, pisando em frisos, anéis e presilhas de cabelos que a neta espalhara pelo chão, e observando o efeito do “tsunami” que passara pelo meu leito, exclamei: “Que rebuliço danado foi esse aqui”! Afastei tudo para um lado, e me deitei, inalando odores variados, de caldo de feijão já meio azedo, de galeto frio e suco de maracujá, proveniente de restos do almoço que deixaram ali nos pratos e copos. Em vão, pude dar um cochilo, pois Gabrielle apareceu ràpidamente no quarto com as mãos úmidas a bater em meu rosto, balbuciando: “Bobô ííí, bobô íííí”. Foi quando eu pude entender que fim de semana não é dia de descanso para quem é avô. É dia de rebuliço mesmo.

Levantei-me e saí com a neta a me puxar pela mão em direção a uma barraquinha de guloseimas, instalada ao lado de minha casa.

Crônica por Levi B. Santos

Guarabira em 20 de Agosto de 2006

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