31 janeiro 2013

O Elogio da Feiúra





“A feiúra não seria a falta de beleza, e sim a incapacidade de percebê-la” ― disse Joana de Vilhena Novaes em seu livro ―, “O Intolerável Peso da Feiúra”.

Há um desejo latente em nós de que a feiúra é algo que deve ser eliminado ou rejeitado, ou recauchutado. Assim como ocorre na religião, acontece também no corpo: não se tolera o que é feio, o imperfeito, o que “não está de acordo”. O feio combina com o sujo, e tanto no culto ao corpo, quanto no culto religioso, há um desejo inconsciente de depuração, representado pelos rituais de limpeza. Inevitavelmente, a atitude do homem, desde a sua infância está atrelada às exigências da sociedade mercantil que prima pelas qualidades estéticas aliadas aos padrões de sucesso.

Para Homero, a virtude estava intimamente associada à beleza, enquanto a feiúra estava ligada à maldade. Em suma a feiúra era um castigo dos deuses.

Já o poeta Vinícius de Morais, tomado pelo ímpeto das paixões dionisíacas, afirmava que a beleza era fundamental. Mas para isso teve que pedir perdão às feias. Na desculpa do poetinha, analiticamente falando, estava implícita a sua intolerância contra o “feio” do seu ser em si ―, uma tentativa de excluir algo inerente a ele mesmo.

Em “Lições Sobre Estética”, Hegel já dizia que “o desprazer do feio tinha origem justamente no confronto com o que é diverso, diferente, estranho, enfim, com a alteridade.”

O psicólogo, escritor e poeta, Jacob Pinheiro Goldberg, de forma profunda, inspirada e interessante, empreendeu uma ode poética em que a feiúra é dissecada à luz das Escrituras Sagradas. Na poesia, “Culto à Fealdade” (do livro – Ritual da Clivagem – pag 225), o autor, atribui à feiúra de Lúcifer ― como parte de um enredo divino. O próprio Goldberg afirma que “seu texto-ficção é uma espécie de reza, lamento e homenagem a feiúra; feiúra como aquilo que está nos fundos da casa, escondido, que não se quer ver, espaço do detrito, do entulho, do contato com a morte”. (Vide seu livro − “Parábola e Ponto de Fuga – vol. 1)”


“Culto à Fealdade”


O anjo da luz prometeu a escalada criação estética.
Lucifer, beleza provável.
Na desarmonia, falsa de estrutura, reside a passagem para a morte, ruptura na cósmica da servidão.

O pacto da feiúra alimenta o único enredo divino.
A criança enferma cancerosa, o aidético, o louco deformado, a sujeira, as rugas da velhice, enfim a posse da serventia.
Significante na poesia estelar-ribombante na proporção do anão.
Orai por nós, feios, no altar de nossa vida, agora e na hora de nossa morte, aleluia, também.

O avesso, prosaico, coloquial. Feio é a beleza no anverso da ribalta.
Enterrai, cadáveres a caricatura da beleza, injunção narcísica do usurpador.

A messiânica mentira não é passado, virá nas dobras de um pardal enluarado.
Não há, então, cantata no sertão, sombras no sótão, porão.
(J. P. Goldberg)


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17 janeiro 2013

Adolf Hitler ― Um Caso Psiquiátrico




A “Revista de Psiquiatria Clínica” de n° 33 (São Paulo 2006) ― órgão oficial do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP ― traz o histórico de um boletim produzido pelo médico-psiquiatra, Dr. Edmund Forster, que tratou de militares da alta patente durante a primeira guerra e o começo da segunda guerra mundial. O artigo cita Gerhard Kopf, professor da Clínica Psiquiátrica da Universidade de Ludwigs-Maximillian de Munique ― Alemanha como convidado na elaboração do trabalho, que tem por título, A Cegueira Histérica de Adolf Hitler’.

A revista se prende ao caso específico da saúde mental de Hitler. Trago à tona alguns trechos relevantes da publicação, que o leitor(a) pode conferir na íntegra,clicando aqui.

“Só em 1933, quando Hitler assume o poder na Alemanha nazista, é que Forster passa sigilosamente os dados do seu prontuário a escritores exilados em Paris. O escritor Ernst Weiss, também médico, usando as informações de Forster sobre o Fuhrer, publica seu romance: “Testemunha Ocular”, que só foi publicado em 1963. Forster, comete suicídio em 1933, depois de uma campanha de denúncias difamantes. Weiss se suicida em 1940, quando tropas alemãs invadem Paris”.

“Parte da história ocorre em Ypern ― uma região montanhosa da Bélgica. Em outubro de 1918, durante um ataque inglês ao sul de Werwik, o cabo Adolf Hitler, mensageiro do 16° Regimento Bávaro de Infantaria, ficou temporariamente cego em conseqüência de um ferimento provocado por uma granada de gás mostarda (versão oficial)”.

“Na primeira guerra mundial, foram registrados vários casos da chamada cegueira histérica, de origem psicossomática. Essa cegueira era considerada uma variação das diversas histerias de guerra, que se manifestavam devido à sobrecarga emocional no front, principalmente nas situações de combate homem-a-homem. Obviamente, a cegueira resultante de uma lesão física real, provocada, por exemplo, por uma granada de gás era muito mais comum (Trapp, 1968)”.

“Depois de alguns dias de internação em Oudenaarde e Gent, Adolf Hitler foi transferido para enfermaria psiquiátrica IV do Hospital de Reserva da Prússia, Pasewalk, perto de Stettin. Hitler, que ainda se encontrava cego no dia 10 de novembro, sabia que a guerra estava perdida para a Alemanha. Porém, apenas três dias depois, foi declarado totalmente apto para o combate, sendo enviado para a tropa de reserva em Munique”.

“Depois do final da primeira guerra, Hitler decidiu entrar na política. Nunca mais se falou no médico que o tratou, nem no método de tratamento. Nunca se escutou uma palavra sequer sobre os acontecimentos em Pasewalk. Hitler nunca mais se queixou de distúrbios visuais e não retornou a nenhum médico para dar continuidade ao tratamento. No dia 31 de março de 1920, em seu relatório de guerra, o próprio Hitler atesta que ele não reivindica nenhuma indenização por ferimentos de guerra”.

É de Ernst Weiss esse trecho do seu livro, “Testemunha Ocular” (1968): Alertaram-me que Hitler era uma pessoa fanática, querelante que sempre perturbava, agitava e comandava, e contra o qual seria necessário tomarmos medidas disciplinares severas. (Weiss, 1966: 133p)

FONTE:
Revista de Psiquiatria Clínica – Vol. 33 – N° 4. São Paulo (2006).

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11 janeiro 2013

Os Judeus Na Sociedade [3ª Parte]





O Caso Dreyfus ocorrido na França no fim de 1894, só veio confirmar o óbvio – “o de que psicologicamente falando, o judeu emancipado não pertencia ao país em que vivia”. Por outro lado, o país cuja regra de procedimento jurídico tinha por lema “liberdade, igualdade, e fraternidade”, experimentava também o seu paradoxo, quando traiu seus princípios fazendo valer o anti-semitismo, ao condenar sumariamente e injustamente um oficial Francês (de pais judeus), de espionagem em favor da Alemanha, que também tinha “judeus emancipados” no comando de seus exércitos.

A idéia sionista apregoada por Benjamin Disraeli em seus escritos, deve ter concorrido como uma das causas na disposição de se encontrar um judeu para ser o “bode expiatório” das primeiras escaramuças que desembocaram na primeira guerra mundial, uma vez que, inconscientemente, o próprio judeu tinha aversão ao conceito de igualdade expandido mundialmente pela revolução francesa.

Uma boa parte dos europeus desconfiava de que os judeus emancipados (mas saudosos de sua Sião) não estavam imbuídos do mesmo compromisso nacionalista dos cidadãos que tinham a sua pátria a defender.

Afirma Hannah: “O caso Dreyfus, em suas implicações, pode sobreviver porque dois de seus elementos cresceram em importância no decorrer do século XX. O primeiro foi o ódio aos judeus; o segundo a desconfiança geral para com a República, o Parlamento e máquina do Estado. A maior parte do público podia ainda continuar a conceber, certa ou erradamente, que esta última estivesse sob a influência dos judeus e do poderio dos bancos. Ainda em nossos dias o termo antidreyfusard’ pode definir na França, de modo aceitável tudo que é anti-republicano, antidemocrata e anti-semita”.

“A caçada apaixonada ao judeu em geral não pode ser compreendida só como mero movimento político” – revela Hannah Arendt.

Mais tarde, Sartre em seu livro, “A Questão Judaica”, viria corroborar o pensamento de Hannah, ao dizer que não se podia traduzir o anti-semitismo só pelo viés político-econômico. “Se o Judeu não existisse, o anti-semita o inventaria” – assim falou o francês filósofo existencialista. O Caso Dreyfus, anos depois, se explicaria de maneira mais filosófica, subjetiva e psicológica, como demonstra este trecho da “Questão Judaica” (editora Ática, páginas 34 e 35): 

“O anti-semita escolheu ser criminoso, e criminoso de mãos limpas; mais uma vez foge às responsabilidades; reprimiu seus instintos homicidas, mas encontrou um meio de saciá-los sem admiti-los. O anti-semita é um homem que tem medo, certamente não dos judeus, mas de si mesmo, de sua consciência, de sua liberdade, de suas responsabilidades, da solidão, da sociedade e do mundo ― de tudo, exceto dos judeus. Adotando a essa postura, ele não adota apenas uma opinião, mas escolhe também a pessoa que quer ser.”

O caso Dreyfus tanto provocou ódio, como paixão. Freud, (só poderia ser um judeu) mais tarde em seus trabalhos de psicanálise, explicaria o fenômeno de projeção psíquica presente no anti-semitismo, como conta aqui, Hannah: “O que falar de Emile Zola, um contemporâneo de Dreyfus, com seu apaixonado fervor moral, sua atitude patética um tanto fútil, e sua declaração melodramática, à véspera da fuga para Londres, em que diz ter escutado a voz de Dreyfus implorando-lhe esse sacrifício”.

 O certo é que o paradoxal caso Dreyfus dividiu a França: fez chorar uma parte dela, e fez arder de ódio sua outra parte. Por incrível que pareça, antes da explosão da primeira guerra, o anti-semitismo quase não existia nas fileiras dos exércitos alemães. A razão principal de o anti-semitismo ter a França como berço, advinha do fato de Napoleão ter emancipado os judeus em todos os territórios por ele conquistados.

O psicanalista Renato Mezan, em seu livro “Psicanálise, Judaísmo: Ressonâncias” (editora Imago – edição 1995 – página 126), diz algo emblemático envolvendo o lado religioso: 

“O judeu é escolhido como alvo desta construção delirante porque historicamente estava associado ao Anticristo, através de todos os laços que pudemos discernir; porque social e economicamente, as novas oportunidades abertas pelo capitalismo o beneficiaram; porque, culturalmente, a assimilação da civilização ocidental o dota de instrumentos para participar dela, e mesmo para criticá-la, porque a maioria dos judeus continua a não se converter; e porque, em virtude de todos esses fatores inicia-se um processo de assimilação que tende a reduzir sua diferença frente à sociedade não judaica, isto é, tende a torná-lo exteriormente, e em certa medida, interiormente idêntico aos nãos judeus.”

Para se compreender o pensamento de Hannah Arendt sobre a condição ambígua e subjetiva do judeu e do não judeu, temos que nos reportar a esses acontecimentos que antecederam a primeira guerra mundial. A história desse povo até a segunda guerra mundial gira em torno da não aceitação do diferente. É o diferente que usamos para exorcizar o que há de estranho em nós mesmos. Até dentro do seio de uma própria família há sempre um que por não se enquadrar numa situação homogênea igualitária pré-determinada, é excluído do grupo. Isto é um dado muito importante para se entender a raiz ou a origem do totalitarismo.

Celso Lafer, em seu livro ― “Um Diálogo Com o Pensamento de Hannah Arendt”, (Edição de 2006 ― Editora Companhia das Letras ― página 113) diz algo, de extrema significação, no que diz respeito a gênese do totalitarismo:

“Com efeito, o mundo contemporâneo, caracterizado pelo desemprego crônico, pela automação, pela superpopulação e pelo risco onipresente da guerra nuclear, não há como não concordar com o pensamento de Hannah Arendt, quando ela afirma: ‘os acontecimentos políticos sociais e econômicos de toda parte conspiram silenciosamente com os instrumentos totalitários inventados para tornar os homens supérfluos’. De fato, se a guerra e a miséria são indiscutivelmente dois dos problemas centrais do nosso tempo, e se estes dois problemas têm como núcleo o absurdo e paradoxal contraste entre  um excesso de poder ― que cria, através da multiplicação dos meios da violência, as condições para uma verdadeira guerra de extermínio nuclear e também para o terrorismo de indivíduos e pequenos grupos ― e um excesso de impotência ― que vem condenando grandes massas à miséria e à fome, parece-me que a reflexão de Hannah Arendt sobre o totalitarismo e os riscos que ele contém de converter todos em supérfluos, guarda uma terrível e impressionante atualidade”.

Há holocaustos e holocaustos; há genocídios e genocídios. Segundo Zygmunt Bauman em seu livro “Modernidade e Holocausto” (página 114):

“O genocídio moderno é diferente. O genocídio moderno é um elemento de engenharia social, que visa produzir a uma ordem conforme o projeto de uma sociedade perfeita. A cultura moderna é um canteiro de jardim. Defini-se como um projeto de vida ideal e um arranjo perfeito das condições humanas. Constrói sua própria identidade desconfiando da natureza. Com efeito, define-se a si mesma e à natureza, assim como a distinção entre as duas por sua desconfiança endêmica em relação à espontaneidade e seu anseio por uma ordem melhor, necessariamente artificial.

Bernardo Sorj, formado em História dos Judeus pela Universidade de Haifa em Israel e professor da UFRJ, sobre os judeus da pós-modernidade, faz uma afirmação extraordinária, evidenciando a condição judaica artificial no século XXI:

“O judaísmo moderno ― tanto o secular como o religioso ― quis ser sistemático e coerente, centrado no outro e não em si mesmo, isto é, autojustificatório. Foi impulsionado por uma forte tendência a querer legitimar sua existência pela ‘contribuição do judaísmo à cultura universal’ ― como se o direito de existir dependesse da produção de prêmios Nobel ―, forçando a convergência e mesmo a identidade entre os valores judaicos e os valores modernos definidos pelo Estado nacional. A vontade racionalista do judaísmo moderno procurou encobrir o dilaceramento existencial e prático da vida judaica, que desejava e deseja ser ao mesmo tempo universal e particular, igual e diferente, manter múltiplas lealdades, transitar por vários mundos, estar no centro e nas bordas de cada sociedade, inclusive, como vemos na sociedade israelense[...]. [...] Israel representa um caso típico do esforço sistemático que os Estados nacionais desenvolveram para destruir a diversidade cultural de sua população. O esforço fracassado de criar uma cultura judaica secular ‘naturalista’ e desapreço pela diáspora como fonte de valores e de vivência criativa foram elementos constitutivos do esforço normalizador, normatizador e disciplinador da ideologia e do sistema educacional que se implantou em Israel. O sionismo foi sem dúvida o movimento que mais fustigou a diáspora, propondo inclusive seu fim[...]. [...] A diáspora foi demonizada como responsável pelos séculos de perseguições.”

O escritor e pensador Nilton Bonder, presidente da congregação israelita do Brasil, diz algo duro e veementemente verdadeiro:

“Compreender o monoteísmo não apenas como a religião de um D’us único, mas de apenas um povo, é um ato de triunfalismo no século XXI. Jerusalém se tornou símbolo de um triunfo, e se há algo que a paz não é... é ser fruto do triunfo”.
“No momento, o estado de Israel não assegura plenamente os direitos ao desenvolvimento e a prática da livre consciência. Ele dá o monopólio na área de direito civil a uma única corrente dentro do judaísmo, excluindo outras correntes religiosas e os judeus (e árabes) seculares”.

Termina aqui a terceira e última parte de uma reflexão sobre os judeus na sociedade durante os séculos XVIII – XIX, baseada no pensamento de Hannah Arendt. Para análise dos judeus no século XXI, recorri aos renomados autores: Zigmunt Bauman, Bernardo Sorj e Nilton Bonder.


FONTES:

●Hannah Arendt, Origens do totalitarismo – (páginas 90 à 114) – 8ª edição – Companhia das Letras
●Jean Paul Sartre, A Questão Judaica – (páginas 34 e 35) – Editora Ática
●Renato Mezan, Psicanálise, Judaísmo: Ressonâncias – (página 126)  –  Editora Imago
●Celso Lafer, Um Diálogo com o Pensamento de Hannah Arendt – (página 113) – Edição 2006 – Companhia das Letras
●Zygmunt Bauman, Modernidade e Holocausto – (página 114) –  Edição 1989 – Jorge Zahar Editor
●Nilton Bonder e Bernardo Sorj, Judaísmo para o Século XXI – (páginas 47 à 49 e 124 à 130) – Edução 2001 – Jorge Zahar Editor


Site da Imagem:evaklabin.blogspot.com

07 janeiro 2013

Os Judeus na Sociedade [2ª Parte]




Nesta segunda parte, trago interessantes inserções de Hannah Arendt, onde, de maneira cabal, ela demonstra o ambicioso projeto de Benjamin Disraeli (1804 – 1881) que, no intuito de enfrentar o orgulho da casta, pela primeira vez, evocou o orgulho racial, cujo efeito foi comparável ao de uma bomba no meio da sociedade. 

O Estado-nação que no século XIX concedia aos habitantes judeus a igualdade de direitos, que visava à homogeneização da população, recebia um duro golpe. Não resta dúvida de que a emancipação dos judeus sempre teve um sentido ambíguo, pois o próprio Estado continuou favorecendo os “judeus excepcionais”, que formavam um grupo a parte entre os demais. O Estado-nação não tinha como tirar dos banqueiros judeus o poder de movimentar a estrutura dos negócios que deixavam os príncipes à mercê de suas bem articuladas transações.

Disraeli foi longe. Diz Hannah Arendt: “Ele sabia que a aristocracia, que, ano após ano se enriquecia comprando títulos de nobreza, externava sérias dúvidas quanto ao valor de tais títulos [...]. [...]Disraeli, embora não fosse o único judeu exceção que acreditava na sua qualidade de escolhido sem acreditar no Deus de quem partira a escolha ― e de quem poderia partir a rejeição ―, elaborou uma doutrina racial a partir desse tolo conceito de missão histórica. Afirmava que o princípio semita representava tudo o que é espiritual em nossa natureza, e que só existia uma aristocracia: a ‘aristocracia da natureza’.

A autora mostra de maneira clara “que a ideologia racial moderna formulada por Disraeli, apenas comprovava os sentimentos de inferioridade social, e que as doutrinas raciais por ele engendradas eram para servir a fins sinistros de caráter político.”

“Os intelectuais judeus estavam expostos às influências dos judeus reformistas que desejavam transformar os dois elementos básicos da fé judaica ― a esperança num Messias e a crença na eleição de Israel ― para atingir um fim: a restauração do Sião.[...]. [...] Da crença na escolha do povo por Deus advinha a fantástica ilusão compartilhada por judeus e não judeus, de que os judeus são por natureza mais inteligentes, melhores e mais aptos a sobreviver ― promotores da história, o sal da terra. Assim, certo de ter-se libertado dos laços e preconceitos nacionais, o intelectual judeu, ao sonhar com um paraíso na terra, estava na verdade mais longe da realidade política do que seus pais, que, ao orarem pela vinda do Messias, pelo menos esperavam pelo retorno de seu povo à Judéia”. 

Hannah evidencia um grande paradoxo entranhado na psique do judeu moderno: “A secularização engendrou o ‘chauvinismo’ judeu, que, engenhosamente, substituía o desejo de Estado e Sociedade próprios, pervertendo a sua denominação confessional, na qual, (nas palavras de Chesterton): ‘o próprio indivíduo deve ser adorado como reflexo do grupo ao qual pertence, tornando-se o seu próprio ideal e até o seu próprio ídolo’.”

“Em seu primeiro romance “Alroy” (1833), Disraeli elabora o plano de um Império Judeu no qual, os judeus reinariam como uma classe estritamente delimitada e separada. O romance mostra a influência das ilusões reinantes naquela época, a respeito das possibilidades de poder dos judeus, bem como a ignorância do autor quanto às verdadeiras condições de poder no seu tempo. Quanto mais tomava conecimento da eficaz organização dos banqueiros judeus em questões de negócios e de sua troca internacional de notícias e informações, mas se convencia de que se tratava de algo como uma sociedade secreta que, sem que ninguém o soubesse, tinha nas mãos os destinos do mundo”.

“Disraeli, diante do domínio avassalador do feudalismo financeiro da dinastia judia dos Rothschilds sobre todos os reis e príncipes da época, publica seu segundo romance, ‘Coningsby’. Neste livro, ele abandona o sonho de um Império Judeu para revelar um plano fantástico, segundo o qual o dinheiro judeu dominaria a ascensão e a queda das cortes ― como já vinha acontecendo diante do poder supremo da diplomacia da elite judaica, que manipulava as bolsas de ações da Inglaterra e da França ― obtendo ganhos estratosféricos”.

Disraeli sentia-se orgulhoso por ter derrotado fragorosamente, Napoleão, com a ajuda dos banqueiros, da grande família Rothschild que, obrigatoriamente, passava sua fortuna a herdeiros, frutos de casamentos consangüíneos, para não disseminar com estranhos o grandioso capital que possuía (Vide o livro de Herbert R. Lottman“A Dinastia Rothschild” ).

“Com a consistência da maioria dos racistas fanáticos, Disraeli mencionava sempre com desprezo o ‘moderno princípio’ de nacionalidade, novidadeiro e sentimental. Detestava a igualdade política sobre a qual se sustentava o Estado-nação. Como conhecia a nobreza do seu tempo muito melhor do que jamais veio a conhecer o povo judeu, não é surpreendente que tenha moldado o conceito de raça à feição de conceitos de aristocracia”.

“Na verdade, as convicções de Disraeli vinham do tempo de seus predecessores prussianos. Considerava-se um reformador judeu que ambicionava transformar a religião nacional em denominação religiosa, sabendo que a religião é um assunto privado; Mas não tinha como fugir desse dilema: o revolucionário judeu que fingia ser um cidadão do mundo para desfazer-se da nacionalidade judaica − o judeu educado que era um homem na rua e judeu em casa”.

 Para Hannah,os judeus até então haviam escapado do judaísmo para a conversão; mas era impossível fugir da condição de judeu”. A comprovação dessa premissa veio no “fim–de-século XIX” com o paradoxal “Caso Dreyfus”, que será assunto da 3ª parte do capitulo (sinopse): “Os Judeus na Sociedade”.


FONTES:

●Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo – (páginas 89 à 108) – 8ª edição – Companhia das Letras
●Herbert R. Lottmann, A Dinastia dos Rothschilds − (páginas 31 e 32) – Edição 2011 – LPM Editora;
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 (CONTINUA na Parte III – com “O Caso Dreyfus”)

04 janeiro 2013

Os Judeus na Sociedade [1ª Parte]



A foto é dos irmãos ‘Rothschild’  banqueiros que dominaram o mundo dos negócios por dois séculos.


O capítulo III da primeira parte do Livro ― “Origens do Totalitarismo” ― de Hannah Arendt, traz uma aguçada análise da condição dos judeus dentro da esfera do Estado não judeu, a começar pelo século XVIII. A renomada autora, para confecção desse compêndio, pesquisou em torno de oitocentos autores (vide bibliografia).

De sua vasta e antológica obra que repercute até hoje, como fonte de inesgotáveis consultas por parte de pensadores, políticos e historiadores de todas as Universidades do mundo, reuni alguns fragmentos emblemáticos do capítulo ― “Os Judeus e a Sociedade” que, para melhor reflexão, dividi-os em três partes.

Segundo essa famosa historiadora judia nascida em 1906, em Hannover – Alemanha, o anti-semitismo político surgiu porque os judeus imbuídos pela emancipação constituíam um corpo à parte; enquanto a discriminação social foi resultado da crescente igualdade dos judeus em relação aos demais grupos.

No capítulo I de sua obra, cujo título é “O Anti-semitismo”, Hannah, já apresenta um esboço analítico da psicologia do judeu. Ela assim afirma: “...vastas parcelas dos Judeus que se preocupavam com a existência de seu povo descobriram, num curioso e desesperado erro de interpretação, a idéia consoladora de que o anti-semitismo, afinal de contas, podia ser um excelente meio de manter o povo unido, de sorte que na existência do anti-semitismo ‘eterno’ estaria a garantia da existência judaica.”

A seguir, transcrevo trechos da instigante narrativa dessa sensacional estudiosa da condição judaica, que despertou, de maneira incomum, a minha curiosidade, no tocante ao III Capítulo ― “Os Judeus e a Sociedade”:

Hannah Arendt, diz, “que o idealismo da igualdade entre os grupos tende a tornar difícil em se admitir as diferenças entre as pessoas. A formação do estereótipo do judeu foi em decorrência desses dois fatos: à especial discriminação e ao especial favorecimento. Portanto, quanto mais a condição do judeu se aproximava da igualdade, mais surpreendentes se revelavam as ambivalências: de um lado o ressentimento contra os judeus; de outro, uma atração peculiar por eles”.

“Os judeus lisonjeados como exceções, os judeus ‘excepcionais’, sabiam muito bem que só a ambiguidade ― isto é, o fato de serem judeus, mas presumivelmente não iguais aos judeus ― abria-lhes as portas da sociedade. Ao se satisfazerem com esse tipo de relação, procuravam ao mesmo tempo ‘ser e não ser judeu’.

“O fato é que a sociedade não judaica exigia que o judeu recém-admitido por ela fosse tão ‘educado’ quanto os seus próprios componentes tradicionais. Exigia-se dos judeus a assimilação, isto é, o seu ajustamento à sociedade como condição preliminar da emancipação judaica”.

“Em conseqüência, a elite não judaica ― tolerante, educada e culta ― preocupava-se socialmente só pelos judeus igualmente educados e cultos. Os demais judeus estavam fora do interesse humanístico da elite não judaica”.

“Schleiermacher, preconizava que a ‘separação entre eles, os educados e os outros ‘judeus-judeus’ fosse legalizada pelos governos; por outro lado se esperava que esses judeus se tornassem espécimes excepcionais da humanidade, o que tornava obviamente periclitante a posição dos outros judeus menos ‘ocidentalmente educados’.”

“A França vinha se tornando a terra da glória política para os judeus. A Prússia iniciava o esplendor social dos judeus. Mendelssohn, na Alemanha, estabelecia estreitas ligações com homens famosos da época. Os amigos de Mendelssohn, por sua vez, se utilizavam dessas relações para fins impessoais ideológicos, e até mesmo políticos”.

Segundo Hannah Arendt, “Só depois da derrota Prussiana em 1806, é que a Alemanha foi tomada de pavor: a emancipação libertaria os judeus educados, juntamente com as massas judias ‘atrasadas’. A igualdade destruiria aquela preciosa distinção sobre a qual, como bem sabiam os judeus emancipados, se baseava seu status social”.

“Assim, quando a emancipação de todos os judeus finalmente se realizou, a maioria dos judeus assimilados converteu-se ao cristianismo, achando que, se era suportável e seguro ser judeu antes da emancipação de todos os judeus, não seria sensato manter o seu judaísmo conspurcado pela adesão das massas judaicas, que retrógradas, tirariam do judeu excepcional o halo que dele emanava.

“Em 1816, quando as províncias ex-polonesas foram recuperadas , os antigos judeus protegidos, que formavam 60% da população judaica total foram registrados como cidadãos prussianos de fé mosaica, e perderam o seu status de ‘judeus exceção’.”

“Na década de 1820, os ricos Rothschild com seu grandioso palácio todo em ouro e mármore, situado à rua Laffite, em Paris, sustaram uma vultosa doação destinada à sua comunidade nativa de Frankfurt, num contra-ataque à influência de reformadores que desejavam que as crianças judias recebessem educação geral. (“Nova História dos Israelitas” de Isaak Markus Jost, Berlim – 1846, pag  102). Conta-se que o primeiro judeu da corte, um judeu de Praga, fornecedor de suprimentos à Saxônia no século XVI”, alimentou ambições monárquicas em sua própria nação.

“Johan Jacob Schudt, em seu livro ‘Curiosidades Judaicas’, narra que o orgulho desenvolveu-se entre os judeus privilegiados. Eles reinavam como príncipes absolutos entre seu próprio povo”.

“A Arrogância da classe se externou quando se estabeleceram ligações comerciais entre banqueiros judeus ― em geral estatais ― de diferentes países, seguiram-se casamentos entre famílias judias mais importantes, gerando um verdadeiro sistema trans-nacional de casta, até então desconhecido na sociedade judaica”.

“Enquanto os judeus ricos desejavam dominar o povo judeu, o que caracterizava os judeus intelectuais era o contrário: eles queriam deixar o seu povo para ser aceitos na sociedade. Ludwig Boerne, cita, que havia na Alemanha um bom número de famílias que, durante gerações, haviam sido batizadas e, no entanto, permaneciam puramente judias”.

A situação social transformou os primeiros judeus cultos em rebeldes [...]. [...] Era geralmente mais fácil para os círculos elegantes admitirem um judeu culto. Para racionalizar uma ambiguidade que eles próprios não entendiam inteiramente, podiam fingir que cabia ao judeu ‘ser um homem na rua e um judeu em casa’[...]. [...] Os judeus sentiam simultaneamente o arrependimento do pária que não se tornou arrivista e a consciência pesada do arrivista que traiu o seu povo ao trocar a participação na igualdade de direitos de todos por privilégios pessoais.

(CONTINUA na parte II com o fenômeno Benjamin Disraeli)


FONTE:

Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo – (páginas 76 à 86) – 8ª edição – Companhia das Letras

Site da Imagem: thoth3126.com.br