11 janeiro 2013

Os Judeus Na Sociedade [3ª Parte]





O Caso Dreyfus ocorrido na França no fim de 1894, só veio confirmar o óbvio – “o de que psicologicamente falando, o judeu emancipado não pertencia ao país em que vivia”. Por outro lado, o país cuja regra de procedimento jurídico tinha por lema “liberdade, igualdade, e fraternidade”, experimentava também o seu paradoxo, quando traiu seus princípios fazendo valer o anti-semitismo, ao condenar sumariamente e injustamente um oficial Francês (de pais judeus), de espionagem em favor da Alemanha, que também tinha “judeus emancipados” no comando de seus exércitos.

A idéia sionista apregoada por Benjamin Disraeli em seus escritos, deve ter concorrido como uma das causas na disposição de se encontrar um judeu para ser o “bode expiatório” das primeiras escaramuças que desembocaram na primeira guerra mundial, uma vez que, inconscientemente, o próprio judeu tinha aversão ao conceito de igualdade expandido mundialmente pela revolução francesa.

Uma boa parte dos europeus desconfiava de que os judeus emancipados (mas saudosos de sua Sião) não estavam imbuídos do mesmo compromisso nacionalista dos cidadãos que tinham a sua pátria a defender.

Afirma Hannah: “O caso Dreyfus, em suas implicações, pode sobreviver porque dois de seus elementos cresceram em importância no decorrer do século XX. O primeiro foi o ódio aos judeus; o segundo a desconfiança geral para com a República, o Parlamento e máquina do Estado. A maior parte do público podia ainda continuar a conceber, certa ou erradamente, que esta última estivesse sob a influência dos judeus e do poderio dos bancos. Ainda em nossos dias o termo antidreyfusard’ pode definir na França, de modo aceitável tudo que é anti-republicano, antidemocrata e anti-semita”.

“A caçada apaixonada ao judeu em geral não pode ser compreendida só como mero movimento político” – revela Hannah Arendt.

Mais tarde, Sartre em seu livro, “A Questão Judaica”, viria corroborar o pensamento de Hannah, ao dizer que não se podia traduzir o anti-semitismo só pelo viés político-econômico. “Se o Judeu não existisse, o anti-semita o inventaria” – assim falou o francês filósofo existencialista. O Caso Dreyfus, anos depois, se explicaria de maneira mais filosófica, subjetiva e psicológica, como demonstra este trecho da “Questão Judaica” (editora Ática, páginas 34 e 35): 

“O anti-semita escolheu ser criminoso, e criminoso de mãos limpas; mais uma vez foge às responsabilidades; reprimiu seus instintos homicidas, mas encontrou um meio de saciá-los sem admiti-los. O anti-semita é um homem que tem medo, certamente não dos judeus, mas de si mesmo, de sua consciência, de sua liberdade, de suas responsabilidades, da solidão, da sociedade e do mundo ― de tudo, exceto dos judeus. Adotando a essa postura, ele não adota apenas uma opinião, mas escolhe também a pessoa que quer ser.”

O caso Dreyfus tanto provocou ódio, como paixão. Freud, (só poderia ser um judeu) mais tarde em seus trabalhos de psicanálise, explicaria o fenômeno de projeção psíquica presente no anti-semitismo, como conta aqui, Hannah: “O que falar de Emile Zola, um contemporâneo de Dreyfus, com seu apaixonado fervor moral, sua atitude patética um tanto fútil, e sua declaração melodramática, à véspera da fuga para Londres, em que diz ter escutado a voz de Dreyfus implorando-lhe esse sacrifício”.

 O certo é que o paradoxal caso Dreyfus dividiu a França: fez chorar uma parte dela, e fez arder de ódio sua outra parte. Por incrível que pareça, antes da explosão da primeira guerra, o anti-semitismo quase não existia nas fileiras dos exércitos alemães. A razão principal de o anti-semitismo ter a França como berço, advinha do fato de Napoleão ter emancipado os judeus em todos os territórios por ele conquistados.

O psicanalista Renato Mezan, em seu livro “Psicanálise, Judaísmo: Ressonâncias” (editora Imago – edição 1995 – página 126), diz algo emblemático envolvendo o lado religioso: 

“O judeu é escolhido como alvo desta construção delirante porque historicamente estava associado ao Anticristo, através de todos os laços que pudemos discernir; porque social e economicamente, as novas oportunidades abertas pelo capitalismo o beneficiaram; porque, culturalmente, a assimilação da civilização ocidental o dota de instrumentos para participar dela, e mesmo para criticá-la, porque a maioria dos judeus continua a não se converter; e porque, em virtude de todos esses fatores inicia-se um processo de assimilação que tende a reduzir sua diferença frente à sociedade não judaica, isto é, tende a torná-lo exteriormente, e em certa medida, interiormente idêntico aos nãos judeus.”

Para se compreender o pensamento de Hannah Arendt sobre a condição ambígua e subjetiva do judeu e do não judeu, temos que nos reportar a esses acontecimentos que antecederam a primeira guerra mundial. A história desse povo até a segunda guerra mundial gira em torno da não aceitação do diferente. É o diferente que usamos para exorcizar o que há de estranho em nós mesmos. Até dentro do seio de uma própria família há sempre um que por não se enquadrar numa situação homogênea igualitária pré-determinada, é excluído do grupo. Isto é um dado muito importante para se entender a raiz ou a origem do totalitarismo.

Celso Lafer, em seu livro ― “Um Diálogo Com o Pensamento de Hannah Arendt”, (Edição de 2006 ― Editora Companhia das Letras ― página 113) diz algo, de extrema significação, no que diz respeito a gênese do totalitarismo:

“Com efeito, o mundo contemporâneo, caracterizado pelo desemprego crônico, pela automação, pela superpopulação e pelo risco onipresente da guerra nuclear, não há como não concordar com o pensamento de Hannah Arendt, quando ela afirma: ‘os acontecimentos políticos sociais e econômicos de toda parte conspiram silenciosamente com os instrumentos totalitários inventados para tornar os homens supérfluos’. De fato, se a guerra e a miséria são indiscutivelmente dois dos problemas centrais do nosso tempo, e se estes dois problemas têm como núcleo o absurdo e paradoxal contraste entre  um excesso de poder ― que cria, através da multiplicação dos meios da violência, as condições para uma verdadeira guerra de extermínio nuclear e também para o terrorismo de indivíduos e pequenos grupos ― e um excesso de impotência ― que vem condenando grandes massas à miséria e à fome, parece-me que a reflexão de Hannah Arendt sobre o totalitarismo e os riscos que ele contém de converter todos em supérfluos, guarda uma terrível e impressionante atualidade”.

Há holocaustos e holocaustos; há genocídios e genocídios. Segundo Zygmunt Bauman em seu livro “Modernidade e Holocausto” (página 114):

“O genocídio moderno é diferente. O genocídio moderno é um elemento de engenharia social, que visa produzir a uma ordem conforme o projeto de uma sociedade perfeita. A cultura moderna é um canteiro de jardim. Defini-se como um projeto de vida ideal e um arranjo perfeito das condições humanas. Constrói sua própria identidade desconfiando da natureza. Com efeito, define-se a si mesma e à natureza, assim como a distinção entre as duas por sua desconfiança endêmica em relação à espontaneidade e seu anseio por uma ordem melhor, necessariamente artificial.

Bernardo Sorj, formado em História dos Judeus pela Universidade de Haifa em Israel e professor da UFRJ, sobre os judeus da pós-modernidade, faz uma afirmação extraordinária, evidenciando a condição judaica artificial no século XXI:

“O judaísmo moderno ― tanto o secular como o religioso ― quis ser sistemático e coerente, centrado no outro e não em si mesmo, isto é, autojustificatório. Foi impulsionado por uma forte tendência a querer legitimar sua existência pela ‘contribuição do judaísmo à cultura universal’ ― como se o direito de existir dependesse da produção de prêmios Nobel ―, forçando a convergência e mesmo a identidade entre os valores judaicos e os valores modernos definidos pelo Estado nacional. A vontade racionalista do judaísmo moderno procurou encobrir o dilaceramento existencial e prático da vida judaica, que desejava e deseja ser ao mesmo tempo universal e particular, igual e diferente, manter múltiplas lealdades, transitar por vários mundos, estar no centro e nas bordas de cada sociedade, inclusive, como vemos na sociedade israelense[...]. [...] Israel representa um caso típico do esforço sistemático que os Estados nacionais desenvolveram para destruir a diversidade cultural de sua população. O esforço fracassado de criar uma cultura judaica secular ‘naturalista’ e desapreço pela diáspora como fonte de valores e de vivência criativa foram elementos constitutivos do esforço normalizador, normatizador e disciplinador da ideologia e do sistema educacional que se implantou em Israel. O sionismo foi sem dúvida o movimento que mais fustigou a diáspora, propondo inclusive seu fim[...]. [...] A diáspora foi demonizada como responsável pelos séculos de perseguições.”

O escritor e pensador Nilton Bonder, presidente da congregação israelita do Brasil, diz algo duro e veementemente verdadeiro:

“Compreender o monoteísmo não apenas como a religião de um D’us único, mas de apenas um povo, é um ato de triunfalismo no século XXI. Jerusalém se tornou símbolo de um triunfo, e se há algo que a paz não é... é ser fruto do triunfo”.
“No momento, o estado de Israel não assegura plenamente os direitos ao desenvolvimento e a prática da livre consciência. Ele dá o monopólio na área de direito civil a uma única corrente dentro do judaísmo, excluindo outras correntes religiosas e os judeus (e árabes) seculares”.

Termina aqui a terceira e última parte de uma reflexão sobre os judeus na sociedade durante os séculos XVIII – XIX, baseada no pensamento de Hannah Arendt. Para análise dos judeus no século XXI, recorri aos renomados autores: Zigmunt Bauman, Bernardo Sorj e Nilton Bonder.


FONTES:

●Hannah Arendt, Origens do totalitarismo – (páginas 90 à 114) – 8ª edição – Companhia das Letras
●Jean Paul Sartre, A Questão Judaica – (páginas 34 e 35) – Editora Ática
●Renato Mezan, Psicanálise, Judaísmo: Ressonâncias – (página 126)  –  Editora Imago
●Celso Lafer, Um Diálogo com o Pensamento de Hannah Arendt – (página 113) – Edição 2006 – Companhia das Letras
●Zygmunt Bauman, Modernidade e Holocausto – (página 114) –  Edição 1989 – Jorge Zahar Editor
●Nilton Bonder e Bernardo Sorj, Judaísmo para o Século XXI – (páginas 47 à 49 e 124 à 130) – Edução 2001 – Jorge Zahar Editor


Site da Imagem:evaklabin.blogspot.com

7 comentários:

Gilberto Ângelo Begiato disse...

Levi fantástico!

Por aí dá pra ter uma visão mais ampla da perseguição judaica e deste ódio que se abateu sobre eles.

Duas frases que recopio aqui que define bem esta questão social de perseguir uma classe "inferiorizada"

“Se o Judeu não existisse, o anti-semita o inventaria” – assim falou Satre o francês filósofo existencialista.

Nilton Bonder

“Compreender o monoteísmo não apenas como a religião de um D’us único, mas de apenas um povo, é um ato de triunfalismo no século XXI. Jerusalém se tornou símbolo de um triunfo, e se há algo que a paz não é... é ser fruto do triunfo”. “No momento, o estado de Israel não assegura plenamente os direitos ao desenvolvimento e a prática da livre consciência. Ele dá o monopólio na área de direito civil a uma única corrente dentro do judaísmo, excluindo outras correntes religiosas e os judeus (e árabes) seculares”.

Eduardo Medeiros disse...

Levi,

acabei de ler de uma assentada só as três partes deste teu significativo texto. Muito bom poder ter acesso ao pensamento de autores como Hannah Arendt. Foi também interessante conhecer a figura de Benjamin Disraeli.

Os judeus por terem uma história tão peculiar, história essa que está entranhada na própria construção do Ocidente, e por terem levantado admiração e repúdio através dos tempos, é solo fértil para se escrever livros e mais livros sobre eles.

Comecei a ler também uma obra(A espada de Constantino: a igreja católica e os judeus) que trata de investigar as origens do antisemitismo a partir principalmente do cristianismo e do entendimento deste de que os judeus foram deicidas; de que o cristianismo seria a "nova aliança" que deveria enterrar a "velha". Sem dúvida, uma das raízes do ódio aos judeus passa pela religião cristã.

E como não criticar hoje alguns aspectos do Estado de Israel?

No seu texto, você destaca o pensamento de Arendt:

"o anti-semitismo político surgiu porque os judeus imbuídos pela emancipação constituíam um corpo à parte; enquanto a discriminação social foi resultado da crescente igualdade dos judeus em relação aos demais grupos."

Essa ambiguidade da busca pela emancipação e ao mesmo tempo a busca por igualdade é interessante, não?

E como deveria ser a condição psicológica dos judeus que buscavam a garantia da sua existência no próprio antisemitismo?

"vastas parcelas dos Judeus que se preocupavam com a existência de seu povo descobriram, num curioso e desesperado erro de interpretação, a idéia consoladora de que o anti-semitismo, afinal de contas, podia ser um excelente meio de manter o povo unido.."

Como diz a autora, um tremendo erro de interpretação.

Levi, vou parar por aqui, pois seu texto pode resultar num grande número de questões e comentários, mas vou voltar para tecer novas impressões sobre ele; espero que alguns confrades venham também.

Levi B. Santos disse...

GIL

O judeus no decorrer dos séculos XVIII ao XX, eram proibidos de possuir terra, por isso mesmo, algumas castas desenvolveram uma capacidade extraordinária em lidar com o dinheiro. Criaram as bolsas de valores, os bancos, as ações de capital trans-nacional.

Um exemplo disso, são os Rothsichilds, que dominaram a economia dos grandes impérios e das grande potências da época por quase três séculos.

Você e o Edu, não podem deixar de conferir o livro ― “A Dinastia Rothschilds” ― de Herbert R. Lottmann ―, para compreender a fundo o que podem fazer aqueles que possuem o dom de especular e manipular com o dinheiro. Essa dinastia tanto em tempos de paz como em tempos de guerra conseguiu com habilidade impar ganhar tanto do lado do perdedor das guerras, quanto do lado dos vitoriosos.

Impressionante, como a elite judaica econômica conseguiu manobrar e dominar com êxito todos os impérios e monarquias, e grandes potências, como a Inglaterra, a França, a Rússia, a Austria e a Prússia (futura Alemanha), num jogo em que só os “judeus exceção” entendiam o mecanismo de fazer ações caírem e subirem. Para isso, tiveram que infiltrar em cada reino ou monarquia, um Rothschild, para liquidar a quem eles queriam.

O livro de Hannah Arendt (Origens do Totalitarismo) que trata mais da parte subjetiva, psicológica dos judeus, não pode faltar em nossas bibliotecas. (rsrs)

Levi B. Santos disse...

Sobre a sua pertinente pergunta, Edu

“E como deveria ser a condição psicológica dos judeus que buscavam a garantia da sua existência no próprio antisemitismo?”:

Acredito que uma espécie de consolação inconsciente devia estar presente na psique do judeu, representada pela própria aceitação do processo de vitimização . Processo esse que reforçava ainda mais os laços de união dos grupos de judeus em torno de um ideal sionista. Ideia essa que, consequentemente, colocava os outros povos numa posição de inferioridade.

Eduardo Medeiros disse...

Levi, já anotei essas duas obras e com certeza vou comprá-las.

Levi, você acha que vem daí o ódio de Hitler contra os judeus? Será que ele considerar os judeus uma raça inferior não era um tipo de negação? ou seja, ele estava muito ciente do talento superior dos judeus "elite" em dominar as finanças do mundo?

Levi B. Santos disse...

EDU

Já que você falou sobre o ódio de Hitler aos judeus, veja o que diz esse trecho colhido do site, http://artedeomissao.wordpress.com/2012/06/25/a-historia-dos-rothschild-parte-10-3/ ― , uma história muito parecida com o desenvolvimento do Complexo Edipiano formulado por Freud ( na 2ª guerra esse judeu intelectual recebeu a proteção de Hitler e dos Rothschilds, que o transportaram para Londres ― berço maior da elite judaica):

“o pai de Adolf, Alois Hitler, era o filho ilegítimo de Maria Anna Schicklgruber. Maria Anna Schicklgruber vivia em Viena, no momento em que concebeu. Naquele tempo era uma criada na casa do Barão Rothschild. Logo que a família descobriu a sua gravidez enviaram-na de volta para casa onde nasceu Alois.”

O não reconhecimento formal da sua linhagem, pelo suposto ancestral Rothschild, teria suscitado o enorme ódio do ditador a todos os Judeus, segundo a teoria desses autores.

Mas há muitas outras histórias, afirmando que os ancestrais de Hitler descendiam, por vias tortuosas, da família Rothschild.

Não vou falar mais para não estragar o sabor que você terá ao conferir a “A Dinastia Rothschild” em suas próximas leituras. (rsrs)

Levi B. Santos disse...

Como complemento, segue aí o link do site oficial dos Rothschild:

www.rothschild-cie.fr