Nesta
segunda parte, trago interessantes inserções de Hannah Arendt, onde, de maneira cabal, ela demonstra o ambicioso projeto de Benjamin Disraeli (1804 – 1881) que,
no intuito de enfrentar o orgulho da casta, pela primeira vez, evocou o orgulho racial, cujo efeito foi
comparável ao de uma bomba no meio da sociedade.
O
Estado-nação que no século XIX concedia aos habitantes judeus a igualdade de
direitos, que visava à homogeneização da população, recebia um duro golpe. Não
resta dúvida de que a emancipação dos judeus sempre teve um sentido ambíguo, pois o próprio Estado
continuou favorecendo os “judeus excepcionais”, que formavam um grupo a parte
entre os demais. O Estado-nação não tinha como tirar dos banqueiros judeus o
poder de movimentar a estrutura dos negócios que deixavam os príncipes à mercê
de suas bem articuladas transações.
Disraeli
foi
longe. Diz Hannah Arendt: “Ele sabia
que a aristocracia, que, ano após ano se enriquecia comprando títulos de
nobreza, externava sérias dúvidas quanto ao valor de tais títulos [...]. [...]Disraeli, embora não fosse o único judeu exceção que acreditava na sua
qualidade de escolhido sem acreditar no Deus de quem partira a escolha ― e de
quem poderia partir a rejeição ―, elaborou uma doutrina racial a partir desse tolo conceito de missão histórica.
Afirmava que o princípio semita
representava tudo o que é espiritual em nossa natureza, e que só existia uma
aristocracia: a ‘aristocracia da
natureza’.”
A
autora mostra de maneira clara “que a
ideologia racial moderna formulada por Disraeli,
apenas comprovava os sentimentos de inferioridade social, e que as doutrinas
raciais por ele engendradas eram para servir a fins sinistros de caráter
político.”
“Os intelectuais judeus estavam expostos às influências dos judeus reformistas
que desejavam transformar os dois elementos básicos da fé judaica ― a esperança
num Messias e a crença na eleição de Israel ― para atingir um fim: a
restauração do Sião.[...]. [...] Da crença na escolha do povo por Deus advinha a fantástica
ilusão compartilhada por judeus e não judeus, de que os judeus são por natureza
mais inteligentes, melhores e mais aptos a sobreviver ― promotores da história,
o sal da terra. Assim, certo de ter-se libertado dos laços e preconceitos
nacionais, o intelectual judeu, ao sonhar com um paraíso na terra, estava na
verdade mais longe da realidade política do que seus pais, que, ao orarem pela
vinda do Messias, pelo menos esperavam pelo retorno de seu povo à Judéia”.
Hannah
evidencia um grande paradoxo entranhado na psique do judeu moderno: “A secularização engendrou o ‘chauvinismo’
judeu, que, engenhosamente, substituía o desejo de Estado e Sociedade próprios,
pervertendo a sua denominação
confessional, na qual, (nas palavras de Chesterton): ‘o próprio indivíduo deve ser adorado como reflexo do
grupo ao qual pertence, tornando-se o seu próprio ideal e até o seu próprio
ídolo’.”
“Em seu primeiro romance “Alroy” (1833), Disraeli elabora o plano de um Império
Judeu no qual, os judeus reinariam como uma classe estritamente delimitada
e separada. O romance mostra a influência das ilusões reinantes naquela época,
a respeito das possibilidades de poder dos judeus, bem como a ignorância do
autor quanto às verdadeiras condições de poder no seu tempo. Quanto mais tomava
conecimento da eficaz organização dos banqueiros judeus em questões de negócios
e de sua troca internacional de notícias e informações, mas se convencia de que
se tratava de algo como uma sociedade
secreta que, sem que ninguém o soubesse, tinha nas mãos os destinos do
mundo”.
“Disraeli, diante do domínio avassalador do
feudalismo financeiro da dinastia judia dos Rothschilds sobre todos os reis e príncipes da época, publica seu
segundo romance, ‘Coningsby’. Neste livro, ele abandona o sonho de
um Império Judeu para revelar um plano fantástico, segundo o qual o dinheiro
judeu dominaria a ascensão e a queda das cortes ― como já vinha acontecendo
diante do poder supremo da diplomacia da elite judaica, que manipulava as
bolsas de ações da Inglaterra e da França ― obtendo ganhos estratosféricos”.
Disraeli
sentia-se orgulhoso por ter derrotado fragorosamente, Napoleão, com a ajuda dos
banqueiros, da grande família Rothschild que, obrigatoriamente,
passava sua fortuna a herdeiros, frutos de casamentos consangüíneos, para não
disseminar com estranhos o grandioso capital que possuía (Vide o livro de Herbert
R. Lottman ― “A Dinastia Rothschild” ).
“Com a consistência da maioria dos
racistas fanáticos, Disraeli mencionava
sempre com desprezo o ‘moderno princípio’ de nacionalidade, novidadeiro e
sentimental. Detestava a igualdade política sobre a qual se sustentava o
Estado-nação. Como conhecia a nobreza do seu tempo muito melhor do que jamais
veio a conhecer o povo judeu, não é surpreendente que tenha moldado o conceito
de raça à feição de conceitos de aristocracia”.
“Na verdade, as convicções de Disraeli vinham do tempo de seus predecessores
prussianos. Considerava-se um reformador judeu que ambicionava transformar a
religião nacional em denominação religiosa, sabendo que a religião é um assunto
privado; Mas não tinha como fugir desse dilema: o revolucionário judeu que
fingia ser um cidadão do mundo para desfazer-se da nacionalidade judaica − o
judeu educado que era um homem na rua e judeu em casa”.
Para Hannah, “os judeus até então haviam escapado do judaísmo para a conversão; mas
era impossível fugir da condição de judeu”. A comprovação dessa premissa
veio no “fim–de-século XIX” com o paradoxal “Caso Dreyfus”, que será
assunto da 3ª parte do capitulo (sinopse):
“Os Judeus na Sociedade”.
FONTES:
●Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo – (páginas 89 à 108) – 8ª edição –
Companhia das Letras
●Herbert R. Lottmann, A Dinastia dos Rothschilds − (páginas 31 e 32) – Edição 2011 – LPM Editora;
Site da Imagem: Amazon.co.uk
(CONTINUA na Parte III – com “O Caso
Dreyfus”)
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Um comentário:
Caro Levi,
Ao contrário do que esse inteligente político britânico defendia verbalmente, eis que no Israel de hoje existem judeus que são pobres. Será que ele pretendia formar um Estado realmente capaz de eliminar as diferenças e desigualdades sociais dentro do próprio povo?
Sinceramente, prefiro mais as palavras de outros judeus como Karl Marx que pretendia unir os trabalhadores do mundo inteiro. Claro que não concordo com a "ditadura do proletariado". E aí, quer seja num socialismo pacífico ou violento, eis que os nacionalismos podem atrapalhar a realização desse ideal de igualdade. Ainda mais porque, ao eleger um povo específico, faz com que este se auto-engane quando passa a viver numa classe média enquanto os países economicamente dominados têm a maioria na pobreza.
Nenhum projeto excludente de poder merece receber um apoio consciente.
Abraços.
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