“A
feiúra não seria a falta de beleza, e sim a incapacidade de percebê-la” ―
disse Joana de Vilhena Novaes em seu livro ―, “O Intolerável Peso da Feiúra”.
Há
um desejo latente em nós de que a feiúra é algo que deve ser eliminado ou
rejeitado, ou recauchutado. Assim como ocorre na religião, acontece também no
corpo: não se tolera o que é feio, o imperfeito, o que “não está de acordo”. O
feio combina com o sujo, e tanto no culto ao corpo, quanto no culto religioso,
há um desejo inconsciente de depuração, representado pelos rituais de limpeza.
Inevitavelmente, a atitude do homem, desde a sua infância está atrelada às
exigências da sociedade mercantil que prima pelas qualidades estéticas aliadas
aos padrões de sucesso.
Para
Homero,
a virtude estava intimamente associada à beleza, enquanto a feiúra estava
ligada à maldade. Em suma a feiúra era um castigo dos deuses.
Já
o poeta Vinícius de Morais, tomado pelo ímpeto das paixões dionisíacas,
afirmava que a beleza era fundamental.
Mas para isso teve que pedir perdão às feias. Na desculpa do poetinha, analiticamente
falando, estava implícita a sua intolerância contra o “feio” do seu ser em si ―, uma tentativa de excluir algo inerente a
ele mesmo.
Em
“Lições Sobre Estética”, Hegel já dizia que “o desprazer do feio tinha origem
justamente no confronto com o que é diverso, diferente, estranho, enfim, com a
alteridade.”
O psicólogo,
escritor e poeta, Jacob Pinheiro Goldberg, de forma profunda, inspirada e
interessante, empreendeu uma ode poética em que a feiúra é dissecada à luz das
Escrituras Sagradas. Na poesia, “Culto à
Fealdade” (do livro – Ritual da Clivagem – pag 225), o autor,
atribui à feiúra de Lúcifer ― como parte de um enredo divino. O próprio Goldberg
afirma que “seu texto-ficção é uma espécie de reza, lamento e homenagem a feiúra; feiúra
como aquilo que está nos fundos da casa, escondido, que não se quer ver, espaço
do detrito, do entulho, do contato com a morte”. (Vide seu livro − “Parábola e Ponto de Fuga – vol. 1)”
“Culto
à Fealdade”
O anjo da luz prometeu a escalada criação
estética.
Lucifer, beleza provável.
Na desarmonia, falsa de estrutura, reside a
passagem para a morte, ruptura na cósmica da servidão.
O pacto da feiúra alimenta o único enredo
divino.
A criança enferma cancerosa, o aidético, o
louco deformado, a sujeira, as rugas da velhice, enfim a posse da serventia.
Significante na poesia estelar-ribombante na
proporção do anão.
Orai por nós, feios, no altar de nossa vida,
agora e na hora de nossa morte, aleluia, também.
O avesso, prosaico, coloquial. Feio é a
beleza no anverso da ribalta.
Enterrai, cadáveres a caricatura da beleza,
injunção narcísica do usurpador.
A messiânica mentira não é passado, virá nas
dobras de um pardal enluarado.
Não há, então, cantata no sertão, sombras no
sótão, porão.
(J. P. Goldberg)
Site da imagem: kdfrases.com/
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