31 janeiro 2013

O Elogio da Feiúra





“A feiúra não seria a falta de beleza, e sim a incapacidade de percebê-la” ― disse Joana de Vilhena Novaes em seu livro ―, “O Intolerável Peso da Feiúra”.

Há um desejo latente em nós de que a feiúra é algo que deve ser eliminado ou rejeitado, ou recauchutado. Assim como ocorre na religião, acontece também no corpo: não se tolera o que é feio, o imperfeito, o que “não está de acordo”. O feio combina com o sujo, e tanto no culto ao corpo, quanto no culto religioso, há um desejo inconsciente de depuração, representado pelos rituais de limpeza. Inevitavelmente, a atitude do homem, desde a sua infância está atrelada às exigências da sociedade mercantil que prima pelas qualidades estéticas aliadas aos padrões de sucesso.

Para Homero, a virtude estava intimamente associada à beleza, enquanto a feiúra estava ligada à maldade. Em suma a feiúra era um castigo dos deuses.

Já o poeta Vinícius de Morais, tomado pelo ímpeto das paixões dionisíacas, afirmava que a beleza era fundamental. Mas para isso teve que pedir perdão às feias. Na desculpa do poetinha, analiticamente falando, estava implícita a sua intolerância contra o “feio” do seu ser em si ―, uma tentativa de excluir algo inerente a ele mesmo.

Em “Lições Sobre Estética”, Hegel já dizia que “o desprazer do feio tinha origem justamente no confronto com o que é diverso, diferente, estranho, enfim, com a alteridade.”

O psicólogo, escritor e poeta, Jacob Pinheiro Goldberg, de forma profunda, inspirada e interessante, empreendeu uma ode poética em que a feiúra é dissecada à luz das Escrituras Sagradas. Na poesia, “Culto à Fealdade” (do livro – Ritual da Clivagem – pag 225), o autor, atribui à feiúra de Lúcifer ― como parte de um enredo divino. O próprio Goldberg afirma que “seu texto-ficção é uma espécie de reza, lamento e homenagem a feiúra; feiúra como aquilo que está nos fundos da casa, escondido, que não se quer ver, espaço do detrito, do entulho, do contato com a morte”. (Vide seu livro − “Parábola e Ponto de Fuga – vol. 1)”


“Culto à Fealdade”


O anjo da luz prometeu a escalada criação estética.
Lucifer, beleza provável.
Na desarmonia, falsa de estrutura, reside a passagem para a morte, ruptura na cósmica da servidão.

O pacto da feiúra alimenta o único enredo divino.
A criança enferma cancerosa, o aidético, o louco deformado, a sujeira, as rugas da velhice, enfim a posse da serventia.
Significante na poesia estelar-ribombante na proporção do anão.
Orai por nós, feios, no altar de nossa vida, agora e na hora de nossa morte, aleluia, também.

O avesso, prosaico, coloquial. Feio é a beleza no anverso da ribalta.
Enterrai, cadáveres a caricatura da beleza, injunção narcísica do usurpador.

A messiânica mentira não é passado, virá nas dobras de um pardal enluarado.
Não há, então, cantata no sertão, sombras no sótão, porão.
(J. P. Goldberg)


Site da imagem:  kdfrases.com/

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