13 dezembro 2016

Um Tenebroso Sonho com a República



Não raramente tenho tido sonhos angustiantes. Mas esse que tive recentemente, pela gravidade do momento que ora atravessamos, talvez tenha sido o mais estarrecedor. Não obstante, os antigos acreditarem que sonhos podem prever o futuro, na minha cética compreensão, acompanho Freud, quando ele diz que “todos os sonhos se originam do passado em todos os sentidos”. Mesmo projetado num futuro, o sonho do tempo presente tem, em seu bojo, conteúdos já experimentados e recalcados no subsolo obscuro da mente.


Sonhei que estava no início de julho três meses antes da eleição presidencial de 2018 , época em que a operação Lava-Jato, como nunca tinha ocorrido antes, vinha funcionando de forma temerária e avassaladora. Lembro bem da voz tonitruante que fez estremecer todo meu corpo: “já contamos com mais de trezentos congressistas denunciados como réus”. Manchetes dos principais jornais do país passavam por minha mente dando conta de que nossos seis principais partidos políticos estavam sem pré-candidatos à presidência da república. Ninguém estava em condições de assumir o posto maior da nação, provocando, em consequência, uma crise sem precedentes desde que o mundo é mundo.

Em minha visão, um senhor de longa beca preta, parecendo um dos ministros do Supremo, saiu-se com essa: “Eu avisei! Eu avisei que a Lava-Jato, com seu ímpeto puritano, terminaria por inviabilizar o país!” No desenrolar do sonho veio a minha percepção que o vaticínio do ministro teria começado a se concretizar em uma reunião secreta, por ocasião da recusa de um membro do Senado em assinar uma intimação enviada pelo próprio STF, nos idos de dezembro de 2016. Um detalhe do sonho, nunca vou esquecer: O senhor de preto, usando da ironia, cantarolava (baixinho, para ninguém ouvir) o último verso de ― ”FESTA” ―, música funk muito conhecida, na voz da grande intérprete baiana, Ivete Sangalo: “...Vai rolar a festa/Vai rolar/O povo no gueto/Mandou avisar.”

De repente, me vi em um grande salão ricamente condecorado. Um guarda com vestes imperiais, dirigindo-se a mim, detonou: aqui você não pode entrar, os três poderes estão se reunindo para descascar um grande abacaxi! Depois de vários jantares secretos nesse belíssimo salão nobre, as autoridades levantaram-se cabisbaixas e, tomando seus valiosos automóveis, desapareceram com destino incerto, como fantasmas evaporando no ar. Foi quando vi uma fumaça branca subindo no céu do planalto central brasileiro, indicando que haveria eleição para presidente da república: Do lado de fora do prédio vi uma grande faixa branca onde estava escrita, em letras vermelhas reluzentes, a inscrição: “A fórmula encontrada foi uma intervenção vinda do Céu!”. Por falar em Céu, pude escutar uma voz cavernosa a imitar a célebre e sábia decisão de Cristo diante dos apedrejadores da prostituta, narrada nos Evangelhos: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra”

Perguntei ao guarda sobre o motivo dessa reunião secreta. Após olhar para frente, para trás e para os lados e não vendo ninguém por perto, segredou-me ao ouvido: Pelo placar de 9X1, ficou decidido que só os réus com até três processos é que poderiam se candidatar ao posto máximo do país. Pelo mesmo escore, também decidiram que a Lava Jato seria controlada por um Conselho, aos moldes do CNJ. Diante do caráter urgente prevalecera o bom senso de que não se deveria retardar o veredicto. Imediatamente, após a fala do guarda, vi uma enorme pomba falante passar em voo rasante sobre minha cabeça. Em todo seu esplendor, ela estava alí, bem evidente a grasnar em latim: “Periculum in mora!”


Em minha mente, eu tinha a nítida percepção de que a decisão tomada de urgência pela alta cúpula dos poderes não tinha agradado aqueles presidenciáveis que, apesar dos fardos pesados que carregavam nos ombros e em outros recantos, estavam na crista da onda midiática.

Como é comum em sonhos se pular em frações de segundo de um ambiente para outro completamente diferente, de repente estava eu deitado no sofá de minha sala assistindo ao Jornal da GloboNews (edição da meia-noite), do qual, só retive na memória a última fala do comentarista de plantão, especialista em política e economia:

...Talvez tenha sido por isso que o dólar subiu e a Bolsa despencou. O Mercado, as empresas nacionais/internacionais e os banqueiros não gostaram da solução acordada pelos três poderes. Os que estavam de corpo e alma envolvidos em muitas denúncias na Lava-Jato eram os preferidos do Mercado. O Mercado temia os mais puros de coração(os com menos de três processos): é que os imaturos, devido a falta de traquejo político-econômico, poderiam por tudo a perder ao assumir o cargo de presidente da república. Os barões, administradores dos bancos e das grandes empresas, apesar de confiarem no espírito poderosamente inflamável do Neo-Liberalismo, temiam que o presidente eleito, imbuído de um idealismo edênico, interferisse em suas futuras e obscuras negociatas com o poder público”.

O desfecho do sonho foi tremendamente assustador. Lembro que estiquei-me todo, ficando nas pontas dos pés sobre o assoalho de madeira de lei, a fim de me debater com mais vigor contra a água turva de odor irrespirável que inundava o salão nobre. Quando me encontrava no momento de maior agonia, lutando para que a água turva não entrasse em minhas narinas, nauseado e completamente sem forças, acordei do meu tenebroso sonho republicano.




Por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de dezembro de 2016

5 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Verdade, meu amigo, é que não sabemos quem será ficha limpa até lá. Realmente a Marina Silva passava ter alguma chance nesse cenário nebuloso assim como o Bolsonaro. Este não teria meu voto.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Verdade é que, se não houver político já condenado em segunda instância pelo TRF, muitos virão em 2018 tentando se eleger para colocar o vice no lugar, terem foro privilegiado... Enfrentar o esses bandidos não é tarefa fácil

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

E verdade que muitos políticos hoje réus e condenados na Lava Jato fizeram algo pelo país. Se analisarmos seus feitos do ponto de vista do que a política tem sido no Brasil, alguns deles deixaram um legado.

Levi B. Santos disse...

Mas meu sonho, Rodrigão, é imensamente aterrador, principalmente no que diz respeito a delação eterna (que não tem data certa para acabar), já cognominada de "Delação do Fim do Mundo".

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Cada vez aparecem mais novidades nessa Lava Jato. Espero que o Temer consiga concluir o seu mandato. Mas se tiver que cair (hipótese remotíssima), então que seja ainda esta semana para termos eleições diretas. Pois este Congresso não possui legitimidade moral alguma.