Em
1932, Aldous Huxley, publicou o
clássico “Admirável
Mundo Novo”.
Acredito que essa
obra de “ficção” tenha
provocado
muita
sensação naquela época. Tempos, em que praticamente engatinhávamos
em matéria de tecnologia e
ciência. O que esse famoso autor
inglês pensava que pudesse acontecer seiscentos anos para frente,
será
que em questão de poucas décadas se tornará uma realidade?
Pelo
andar da carruagem, não estamos muito longe de ser dominados
pela ciência e tecnologia, como
Aldous Huxley, há
80 anos, tão bem
previu,
com ares de utopia. Muitos
cientistas contemporâneos constatam que esse
Éden utópico
nunca
esteve
tão próximo
de nós quanto
agora.
Tomemos
a China de hoje, como exemplo. Para
quem ainda não sabe, o governo chinês já obriga as pessoas a
efetuarem um cadastramento facial a fim de que, através
de uma plataforma,
possam
ser
observadas onde quer que estiverem, vigiadas
por
inúmeras câmeras, à semelhança
das
instaladas em toda parte para descobrir os opositores
da
ditadura do “Grande Irmão”, no
clássico ―“1984”
―
de
George
Orwell.
No
campo da Medicina, robôs e maquinários digitais de última geração
já substituem o encontro entre médico e paciente,
principalmente, no que diz respeito aos exames de imagens. O paciente
avalia, ele próprio, seus sintomas e se dirige às clínicas
imagéticas
a fim de
realizar ultrassonografia, tomografia ou cintilografia. Nos EUA, para
uma maior rapidez na obtenção de lucro, as empresas médicas têm
que usar o precioso
tempo de que dispõem para aumentar sua produtividade. Para isso, terceirizam a confecção dos laudos de imagens com
empresas de tecnologia médica na Índia. Quando anoitece nos EUA o
dia está amanhecendo na Índia. Enquanto os profissionais da medicina
e os pacientes nos EUA dormem, as imagens são
recebidas via internet
para
serem
analisadas por
técnicos
indianos. A
coisa é
tão sincronizada que na manhã do dia seguinte o paciente já
está
recebendo
seu resultado de exame, realizado
por um agente que nem a própria
clínica
que o atendeu nem o beneficiário sabem quem foi o examinador e com que
presteza
foi
elaborado
o
diagnóstico.
No
filme —
“Eu
Robô”
―
de
Will Smith, um personagem suicida-se ao perceber que a máquina
dotada de inteligência artificial, com o tempo, passara
a decidir o que os humanos deviam
ou não deviam
fazer ―
uma espécie
de ditadura das máquinas.
Já
pensou nisso, caro pai ou avô dos dias atuais: Ginoides, como Sophia
do filme "Eu Robô"(produzido em 2004), portadoras de inteligência artificial e altamente condicionadas, a passearem lado a lado com nossos bisnetos e tataranetos?
No
“Admirável
Mundo Novo”
imaginado
por Aldous Huxley, o sentimentalismo e as emoções naturais do
indivíduo são substituídas
por um bem estar ou
estado prazeroso
de variada graduação,
produzido
de
forma instantânea
por
substâncias químicas;
tudo
a
depender
da
quantidade da
dose ingerida do comprimido por
ele
denominado
―
“soma”.
No
mundo historiado
pelo
autor não existem
mães nem pais para se
alienar aos
filhos. Os embriões são gerados em laboratórios e mantidos em
incubadoras, para um posterior condicionamento psicobiológico. De
acordo com a necessidade da comunidade (divididas em classes),
produzem-se em
séries, os
alfas(entes superiores), e os de escala inferior ou decrescente: os
betas, os gamas, deltas e
ypsilons.
Na
narrativa
alegórica
criada
magistralmente
por
Aldous, todos os livros filosóficos e religiosos foram
antecipadamente
trancafiados
em cofres superseguros, para que os seres produzidos
laboratorialmente por cientistas não
pudessem
descobri-los.
Se
tal descoberta
viesse acontecer,
com certeza, provocaria
um
grave
desequilíbrio
ou conflito perigosíssimo entre os condicionados pelo
avanço
tecnológico/científico
e
os
considerados
selvagens(nascidos
de forma natural).
Na
realidade,
em sua fantasiosa descrição, o
autor faz
uma crítica ao mundo que,
em sua época, dava os primeiros sinais de progresso, ensejando
até
a
castração do lado afetivo humano, proveniente
da
ancestralidade
paterna e materna internalizada
em
cada um.
As criaturas de Aldous Huxley, chocadas em laboratório e depois
condicionadas, são
levadas a exclamarem de
forma autômata: “Graças
a Ford!” —
uma
deferência
ao poderoso Henry Ford, expressão que
corresponde
ao —
“Graças
a Deus” —
dito
de forma natural pelo primitivo ou selvagem.
A
fantasia de Aldous, em sua
antológica
obra
―,
tem
muito a ver com a sociedade pós-moderna,
cada vez mais influenciada pelas admiráveis conquistas tecnológicas
que, em vão, tentam abafar o sofrimento, a angústia,
os conflitos e as frustrações humanas.
O homem da modernidade líquida é
um sucedâneo do “Cidadão
kane”
—
que
Orson Welles tão bem descreveu nos idos de 1941: personagem que
queria reformar a sociedade construindo um mundo só seu, mas,
no final, acabou sendo vítima de suas próprias armadilhas.
Certo
dia, um dos
Administradores
do Conselho Supremo do Centro de Condicionamento (equivalente a um
Alfa maior),
sem querer, teve
um
sonho. “Sonhou
que retirara
um livro do cofre secreto. Ao
abri-lo
no
lugar marcado por uma tira de papel,
começou
a lê-lo:
nós não pertencemos a nós mesmos, assim como não nos pertence
aquilo que possuímos. Não fomos nós que nos fizemos, não podemos
ter a jurisdição
suprema sobre nós mesmos. Não somos nossos próprios senhores.”
(Admirável
Mundo Novo ―
Aldous
Huxley ―
Editora Globo ―
página 277)
A
Conclusão óbvia a que chegamos, após
a leitura reflexiva
de o “Admirável
Mundo Novo”,
é a de que o indivíduo, por mais que se considere evoluído, jamais
poderá anular
ou liquidar
a idade média e o primitivismo que habitam as profundezas sombrias
de sua psique. Por mais que tente se modernizar, nunca deixará de
sentir as ressonâncias daquilo que foi arquivado e permanecerá
eterno enquanto a vida venha
durar.
Cabe
aqui relembrar o
poeta e cantor cearense, Fagner, que
nos deixou essa
pérola de
expressão que resume bem
os afetos incontroláveis e imponderáveis do nosso inconsciente:
“Quando
a gente tenta de toda maneira dele se guardar/Sentimento ilhado,
morto, amordaçado/Volta a incomodar” [“Revelação”
—
Canção de Raimundo Fagner]
“Entorpecido
pelo SOMA que lhe deram pela boca, o Selvagem jazia adormecido. O sol
já ia alto quando ele acordou. Ficou imóvel por um momento, os
olhos piscando à luz, numa incompreensão de animal
mutilado,
depois, repentinamente, lembrou-se de tudo.
—
Oh
meu Deus, meu Deus! —
cobriu os olhos com as mãos”. [Desfecho
–
última página do livro ‒
“Admirável Mundo Novo”]
Por
Levi B Santos
Guarabira,
29 de agosto de 2018
2 comentários:
Boa noite, Levi.
Como a ambiguidade continua nesse admirável mundo novo, teremos sempre preocupações e esperanças sobre o futuro da humanidade. Opto, porém, pelo otimismo e lembro que o passado não pode ser considerado melhor que o presente.
Ótima semana, meu amigo!
Caro Rodrigo,
O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO da PÓS-MODERNIDADE já é uma realidade. Visitar Museu vai ser coisa do passado.
Na atualidade, o internauta já consegue passear por todas as salas de Museus, apreciar seus acervos em três dimensões sem a necessidade dos óculos 3D. Nossos bisnetos e tataranetos, sem titubear, repetirão o final do seu comentário. Em unânime, dirão "o passado não pode ser considerado melhor que o presente" (rsrs)
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