27 julho 2018

Fake News (?) No Império e na Atual República





[A Semelhança entre a tela do Grito do Ipiranga (no alto) - pintada por Pedro Américo em 1888 e a que vem logo abaixo - do francês Ernest Meissonier - retratando em 1875 a Vitória de Napoleão na Batalha de Friedland, para alguns experts, não foi mera coincidência.]



Notícia falsa (mutreta ou boato criado para retratar personalidades influentes e poderosas) foi coisa que nunca faltou na antiga Terra de Santa Cruz. A treta de que Dom João VI era, em público, um sôfrego comedor de coxas de galinha é contada por vários historiadores. Teria sido verdade essa afirmação, ou mentira dos invejosos do famoso e adulado rei?

Carlota Joaquina - A Rainha Devassa”, título do livro de João Felício dos Santos Editora José Olympio traz uma narrativa em forma de romance, onde se evidenciam as contradições, mazelas e vicissitudes que infestavam o coração da poderosa mulher de um obtuso marido. O quanto tem aqui de fake news(notícias falsas) só Deus sabe. Já o historiador argentino Marsílio Cassoti em seu livro, “Memórias de Carlota Joaquina, a Amante do Poder” relata que a imagem infiel da rainha (esposa de D. João VI e mãe de D. Pedro I) foi divulgada e explorada maldosamente por seus adversários políticos.

Segundo alguns escritores dos dramas e comédias de nossa Colônia, D. Pedro I, filho de D. João VI não teve nem forças para gritar o “Independência ou Morte”, descrito com áurea patriótica pelos autores dos livros que, ávidos decorávamos nos grupos escolares. Segundo a versão sem arroubos extravagantes do ufanismo explorado pelo lado vitorioso, o coitado do imperador, padecendo de uma tremenda disenteria às margens do riacho Ipiranga, jamais teria condição de dar esse brado que tanto empolgou a meninada que fazia o curso primário na minha época. Hoje, como muito bem se sabe, a desidratação causada por perda de muito líquido nas fezes, deixa o sujeito lívido e sem forças para caminhar. Ao que tudo indica, esse fato, foi uma das primeiras fake news a nos ludibriar, ante o que se sabe, hoje, através das inúmeras obras contendo minuciosos achados históricos esquecidos ou escondidos intencionalmente nos porões ou arquivos mofados das grandes bibliotecas.

De Pedro Américo, dizem que foi contratado a peso de ouro para, 66 anos depois do suposto “Grito do Ipiranga”, pintar um quadro memorável de D. Pedro I e sua trupe. Em vez de mulas levando o grupo imperial serra acima, o famoso pintor, natural de Areia – PB (cidade serrana distante cerca de 15 quilômetros de minha cidade natal), para grandeza da pátria idolatrada, pincelou em sua grande tela, belos cavalos de corrida, guiados por gente ricamente fardada empunhando espadas reluzentes, num colorido impressionante. Cecília Helena de Salles, historiadora e professora da USP e coautora de “Brado do Ipiranga”, não me deixa mentir, sobre a farsa do quadro da Independência: “...não era comum usar cavalos, mas sim mulas, para fazer o trajeto da Serra do Mar. Os uniformes também eram galantes demais para o tipo de viagem que D. Pedro I estava fazendo. Sua comitiva não era numerosa, no máximo levava 14 pessoas”.

Na época, a obra de Pedro Américo causou muita polêmica, em virtude de ter plagiado, em muitos detalhes, o quadro que retratava a “Vitória de Napoleão na Batalha de Friedland obra do pintor francês Ernest Meissonier, em 1875.

Nas eleições para presidente, em 1945, espalharam a notícia de que o candidato Eduardo Gomes teria dito em pleno Teatro Municipal do Rio de Janeiro que Getúlio Vargas (seu adversário) andava com um bando de desocupados. O revide veio rápido: os getulistas divulgaram que o brigadeiro, Eduardo Gomes, era contra os marmiteiros, negros e espíritas.

Na atualidade, historiadores, professores e jornalistas, numa espécie de releitura, descrevem os fakes ou news, como frutos de patriotadas republicanas, em contraste com narrativas verdadeiras onde a extravagância e ganância de personagens importantes de Nossa Risível História se sobressaem.

Pulando para um passado recente, precisamente em 1989, o candidato a Presidente, Fernando Collor, em uma trama farsesca, chegou a declarar pela TV que, Lula, seu opositor, iria mexer na poupança do povo, depositada nos Bancos Estatais. Foi uma audácia tremenda, pois esse maquiavélico plano, foi urdido na surdina por ele mesmo (Collor) e sua equipe econômica, antes de ser eleito Presidente da República. Muitos acham que essa maldita fake New concorreu para a derrota de Luiz Inácio Lula da Silva.

Para afastar Marina Silva de seu caminho, Dilma Rousself, na campanha pela reeleição em 2014, disseminou a notícia falsa de que ela, eleita fosse, tiraria a comida da mesa do pobre. Na propaganda eleitoral contra Marina pela TV, a comida sumia das mesas para que o dinheiro a ser gasto com a compra de mantimentos fosse entregue aos banqueiros.

Em uma reunião recente (junho de 2018), o ministro Luiz Fux, presidente do STE, mostrou-se esperançoso, alertando os marqueteiros no sentido de coibir a prática de mentiras na campanha eleitoral. Na ocasião, fez questão de informar que se ficar comprovado que a eleição foi resultado de uma notícia falsa, ela seria anulada.(rsrs)

Pelo que escreveu em suas inúmeras obras, Noberto Bobbio, maior cientista político do mundo, talvez esteja estremecendo no túmulo, com tudo que se falou até agora no que diz respeito ao combate às Fake News.
Esse famoso cientista político (falecido em 2004), em sua fenomenal obra Elogio da Serenidade(Editora UNESP ‒ página 90) fez uma afirmação profundamente cortante e irretocável, que vem bem a calhar com a preocupação do eleitorado e da Justiça Eleitoral quanto a disseminação de notícias falsas aqui em nossas plagas. Disse ele: “Não há esfera política sem conflitos. Ninguém espera levar a melhor num conflito sem recorrer à arte do fingimento, do engano, do mascaramento das próprias intenções”.

Realmente, a coisa não é tão fácil de debelar como muitos pensam. Para avivar nossa memória: antes de existir o twitter e o Facebook, encabeçado pelos EUA, os jornais e canais de Televisão do mundo inteiro revelavamr que o Iraque estava escondendo armas de destruição em massa. Todos sabem como essa notícia falsa manipulou e pôs a nu a nossa percepção politicamente tendenciosa.

Em meio a uma crise sem precedentes em nossa história, a necessidade de examinarmos a nós mesmos nunca foi tão premente. Só mergulhando nas profundezas de nosso obscuro oceano psíquico poderemos perceber que grudado na falsa notícia emitida, fica um pouco de nossas próprias idiossincrasias.


Por Levi B Santos
Guarabira, 27 de julho de 2018




3 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite, Levi.

Muito bom o seu artigo que trouxe a memória exvelentes episódios da nossa História e mostra que, mesmo nesses dias de internet, com redes sociais e aplicativos de smartphones, o "fake news" nada mais é do que uma versão eletrônica dos velhos boatos de outrora. A citação de Bobbio resume tudo.

Ótima semana!

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigo

As Fake News, realmente, sempre existiram. Na época em que nem todos tinham rádios em suas casas(nos anos 50), lembro que existiam pessoas apelidadas de "Correio da Má Notícia". Elas saiam de lar em lar divulgando notícias com toques de exageros, de fundo risível, e muitos boatos recheados de más intenções. O núcleo de verdade, apesar de existente na história contada, muitas vezes era embotado ou obscurecido pelo descomedimento.(rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Isso é fato, Levi. Lembro que aqui mesmo em Mangaratiba, até o recente pleito de 2012, funcionava bem a chamada "central de boatos" que não dependia tanto da rede a fim de que as más notícias se espalhassem. Agora, porém, com alguns aplicativos de smartphones, as mentiras espalham-se ainda com mais facilidades. Só que, como nem toda a população eleitora está na internet, usa-se ainda o convencional.