[A
Semelhança entre a tela do Grito do Ipiranga (no alto)
- pintada por Pedro Américo em 1888 e a que vem logo abaixo - do
francês Ernest Meissonier - retratando em 1875 a Vitória de
Napoleão na Batalha de Friedland, para alguns experts, não foi mera
coincidência.]
Notícia falsa (mutreta ou boato
criado para retratar personalidades influentes e poderosas) foi coisa
que nunca faltou na antiga Terra de Santa Cruz. A treta de que Dom
João VI era, em público, um sôfrego comedor de coxas de
galinha é contada por vários historiadores. Teria sido verdade essa
afirmação, ou mentira dos invejosos do famoso e adulado rei?
“Carlota Joaquina -
A Rainha Devassa”, título do livro de João Felício dos
Santos ―
Editora José Olympio ―
traz uma narrativa em forma de romance, onde se evidenciam as
contradições, mazelas e vicissitudes que infestavam o coração da
poderosa mulher de um obtuso marido. O quanto tem aqui de fake
news(notícias falsas)
só Deus sabe. Já o historiador argentino Marsílio Cassoti
em seu livro, “Memórias de Carlota Joaquina, a Amante do Poder”
relata que a imagem infiel da rainha (esposa de D. João VI e mãe
de D. Pedro I) foi divulgada e explorada maldosamente por seus
adversários políticos.
Segundo alguns escritores dos dramas
e comédias de nossa Colônia, D. Pedro I, filho de D. João
VI não teve nem forças para gritar o “Independência ou
Morte”, descrito com áurea patriótica pelos autores dos
livros que, ávidos decorávamos nos grupos escolares. Segundo a
versão sem arroubos extravagantes do ufanismo explorado pelo lado vitorioso, o coitado do imperador, padecendo de uma tremenda
disenteria às margens do riacho Ipiranga, jamais teria condição de
dar esse brado que tanto empolgou a meninada que fazia o curso
primário na minha época. Hoje, como muito bem se sabe, a
desidratação causada por perda de muito líquido nas fezes, deixa o
sujeito lívido e sem forças para caminhar. Ao que tudo indica, esse
fato, foi uma das primeiras fake news a nos ludibriar, ante o
que se sabe, hoje, através das inúmeras obras contendo minuciosos achados históricos esquecidos ou escondidos intencionalmente nos
porões ou arquivos mofados das grandes bibliotecas.
De Pedro Américo, dizem que
foi contratado a peso de ouro para, 66 anos depois do suposto “Grito
do Ipiranga”, pintar um quadro memorável de D. Pedro I
e sua trupe. Em vez de mulas levando o grupo imperial serra acima, o
famoso pintor, natural de Areia – PB (cidade serrana distante cerca
de 15 quilômetros de minha cidade natal), para grandeza da pátria
idolatrada, pincelou em sua grande tela, belos cavalos de corrida,
guiados por gente ricamente fardada empunhando espadas reluzentes,
num colorido impressionante. Cecília Helena de Salles,
historiadora e professora da USP e coautora de “Brado do
Ipiranga”, não me deixa mentir, sobre a farsa do quadro da
Independência: “...não era comum usar cavalos, mas sim mulas,
para fazer o trajeto da Serra do Mar. Os uniformes também eram
galantes demais para o tipo de viagem que D. Pedro I estava fazendo.
Sua comitiva não era numerosa, no máximo levava 14 pessoas”.
Na época, a obra de Pedro
Américo causou muita polêmica, em virtude de ter plagiado, em muitos detalhes, o
quadro que retratava a “Vitória de Napoleão na
Batalha de Friedland” ─
obra do pintor francês Ernest Meissonier, em 1875.
Nas eleições para presidente, em
1945, espalharam a notícia de que o candidato Eduardo Gomes
teria dito em pleno Teatro Municipal do Rio de Janeiro que Getúlio
Vargas (seu adversário) andava com um bando de desocupados. O
revide veio rápido: os getulistas divulgaram que o brigadeiro,
Eduardo Gomes, era contra os marmiteiros, negros e espíritas.
Na atualidade, historiadores,
professores e jornalistas, numa espécie de releitura, descrevem os fakes ou
news, como frutos de
patriotadas republicanas,
em contraste com narrativas verdadeiras onde a extravagância e
ganância de personagens importantes de Nossa Risível História se
sobressaem.
Pulando para um passado recente,
precisamente em 1989, o candidato a Presidente, Fernando Collor,
em uma trama farsesca, chegou a declarar pela TV que, Lula,
seu opositor, iria mexer na poupança do povo, depositada nos
Bancos Estatais. Foi uma audácia tremenda, pois esse maquiavélico
plano, foi urdido na surdina por ele mesmo (Collor) e sua equipe
econômica, antes de ser eleito Presidente da República. Muitos
acham que essa maldita fake New concorreu para a derrota de
Luiz Inácio Lula da Silva.
Para afastar Marina Silva de
seu caminho, Dilma Rousself, na campanha pela reeleição em
2014, disseminou a notícia falsa de que ela, eleita fosse,
tiraria a comida da mesa do pobre. Na propaganda eleitoral contra
Marina pela TV, a comida sumia das mesas para que o dinheiro a
ser gasto com a compra de mantimentos fosse entregue aos banqueiros.
Em uma reunião recente (junho de
2018), o ministro Luiz Fux, presidente do STE, mostrou-se
esperançoso, alertando os marqueteiros no sentido de coibir a
prática de mentiras na campanha eleitoral. Na ocasião, fez questão
de informar que se ficar comprovado que a eleição foi resultado de
uma notícia falsa, ela seria anulada.(rsrs)
Pelo que escreveu em suas inúmeras
obras, Noberto Bobbio, maior cientista político do mundo,
talvez esteja estremecendo no túmulo, com tudo que se falou até
agora no que diz respeito ao combate às Fake News.
Esse famoso cientista político
(falecido em 2004), em sua fenomenal obra ―
“Elogio da Serenidade” (Editora
UNESP ‒ página 90) fez
uma afirmação profundamente
cortante e irretocável, que
vem bem
a calhar com
a preocupação do eleitorado e da Justiça Eleitoral quanto a
disseminação de notícias falsas aqui
em nossas plagas. Disse
ele: “Não há esfera
política sem conflitos. Ninguém espera levar a melhor num conflito
sem recorrer à arte do fingimento, do engano, do mascaramento das
próprias intenções”.
Realmente,
a coisa não é tão fácil de debelar como muitos pensam. Para
avivar nossa memória: antes de existir o twitter e o Facebook,
encabeçado pelos EUA, os jornais e canais de Televisão do mundo
inteiro revelavamr
que o Iraque estava
escondendo armas de destruição em massa. Todos sabem como essa
notícia falsa manipulou e
pôs a nu a nossa percepção politicamente tendenciosa.
Em meio a uma crise sem precedentes em nossa história,
a necessidade de examinarmos
a nós
mesmos nunca foi tão premente. Só
mergulhando nas profundezas
de
nosso obscuro oceano psíquico poderemos
perceber
que grudado na
falsa notícia emitida, fica
um pouco de
nossas próprias idiossincrasias.
Por
Levi B Santos
Guarabira,
27 de julho de 2018
3 comentários:
Boa noite, Levi.
Muito bom o seu artigo que trouxe a memória exvelentes episódios da nossa História e mostra que, mesmo nesses dias de internet, com redes sociais e aplicativos de smartphones, o "fake news" nada mais é do que uma versão eletrônica dos velhos boatos de outrora. A citação de Bobbio resume tudo.
Ótima semana!
Caro Rodrigo
As Fake News, realmente, sempre existiram. Na época em que nem todos tinham rádios em suas casas(nos anos 50), lembro que existiam pessoas apelidadas de "Correio da Má Notícia". Elas saiam de lar em lar divulgando notícias com toques de exageros, de fundo risível, e muitos boatos recheados de más intenções. O núcleo de verdade, apesar de existente na história contada, muitas vezes era embotado ou obscurecido pelo descomedimento.(rsrs)
Isso é fato, Levi. Lembro que aqui mesmo em Mangaratiba, até o recente pleito de 2012, funcionava bem a chamada "central de boatos" que não dependia tanto da rede a fim de que as más notícias se espalhassem. Agora, porém, com alguns aplicativos de smartphones, as mentiras espalham-se ainda com mais facilidades. Só que, como nem toda a população eleitora está na internet, usa-se ainda o convencional.
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