03 novembro 2018

QUANDO O ATO DE PERDOAR É UM “TAPA NA CARA DO OUTRO”







Quando se fala em perdoar o outro, há que se deter no fato de que há perdões para todos os gostos. Existe até aquele tipo de pedido de perdão que faz cessar a raiva de quem planeja a tal ação não tão virtuosa assim. Digo não virtuosa por ser de fundo egoístico. No ato do “generoso” está escondido o desejo inconsciente (ou consciente) de constranger àquele que o injustiçou.


Há quem afirme que o ato de perdoar uma pessoa inimiga pode, por incrível que pareça, ser uma espécie de vingança recolhida. Nesse caso, a pessoa que pede perdão ao faltoso, sente-se como se tivesse dado um soco no estômago ou tapa na cara de quem lhe fez mal. Na realidade, a solicitação de perdão da pessoa atingida em sua sensibilidade àquele que provocou o dano, tem mais a função de aliviar o ressentimento interior do magoado ― uma forma sutil e até certo ponto covarde ―, que pode muito bem ser considerada um revide a suposta ofensa recebida. Refletindo bem, esse ato de pedir perdão confere a quem o pede, uma sensação de superioridade sobre o outro que, nessas ocasiões, se mostra desconcertado ou constrangido. Uma versão bíblica mais versátil sobre essa modalidade de perdão se encontra no Livro de Provérbios de Salomão (25: 21, 22): “Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer, e se ele tiver sede, dá-lhe água para beber. Porque juntarás brasas ardentes sobre sua cabeça”.

Em resumo, é mais ou menos assim, o que se passa na mente de quem resolve pedir perdão ao inimigo:


...esperei demais que ele viesse me pedir perdão, até que encontrei uma fórmula de me vingar dele: ao invés dele vir a mim, quem vai a ele sou eu, quando deveria ocorrer o contrário”.


Por outro lado, lá no fundo do coração ou do inconsciente de quem pede essa modalidade de perdão, flui uma nesga de prazer ao ver o outro humilhado ou lívido de vergonha. Reza a psicanálise que isso faz parte das nossas relações narcisistas de cada dia.


Na verdade, o simbolismo da expressão ― “tapa na cara ou soco no estômago” ―, pode corresponder a mistura de duas dores: a de um que, fomentado pela mágoa, não conseguiu esquecer uma ferida antiga e a do outro que não teve como guardar remorso por algo acontecido em sua vida pregressa.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de novembro de 2018

6 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa tarde, Levi. Concordo contigo, dizendo, com outras palavras, que existem falsos pedidos de perdão, o qual se prova é pelas atitudes posteriores do indivíduo. Mas é certo que o pedido de perdão sempre se prestará inicialmente a promover um alívio psíquico e/ou consciencial a quem o pede. Mas, se não for uma conduta autêntica, dificilmente aquela sera pacificada. Abraço

Levi B. Santos disse...

Já que você fez menção a "falso tipo de perdão" Rodrigo, o meu comentário vai ser mais ou menos igual ao que fiz para a confrade Guiomar, lá no meu FACE, ocasião em que ela falou naquela modalidade de perdão "cujo motivo principal é o de sentir-se aliviado da mágoa que o outro lhe causou".

Refletindo de forma mais profunda, não deixa de haver uma parcela de prazer por parte daquele que direciona sua ajuda a uma pessoa que o prejudicou. Na maioria dos casos, o "generoso" exibe-se como pessoa justa e boa diante do outro que se encontra esmagado pela necessidade. O que fez a doação, como diz o provérbio de Salomão, amontoa brasas para arder sobre a cabeça de quem praticou o erro. E a BRASA que queima, de certa forma é o mesmo que plantar um tapa na cara do outro. Concorda?

Voltando ao sábio Rei Salomão: a expressão tão enfatizada por ele - "Tudo é Vaidade" -, no caso aqui ventilado, a meu ver, seria melhor compreendido traduzindo-o dessa forma: A vaidade está até na nossa boa ação dirigida aquele que é tido como nosso inimigo. Pense bem nisso. (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite, Levi.

Mas esse tapa na cada do outro tanto pode ser motivado pelo sentimento de revanche como também ser uma maneira de proporcionar aprendizado ao outro. Neste caso, pode não haver vaidade.Não concorda?

De qualquer modo, sempre é muito difícil lidarmos com a ofensa que recebemos de alguém. A tendência imediata é a da reação em que nem a proporção do "olho por olho" e "dente por dente" chega a ser respeitada quando então reagimos pela força dos instintos e a liberação dos maus sentimentos. Ou seja, somos capazes de ferir os dois olhos por um olho.

Dentro da lógica do perdão, entendo que ele se opera como um neutralizador do mal. Pelo menos dentro de um relacionamento. E quem o souber usar de maneira verdadeira evitará novas reações da parte receptora da vingança. Aí, seja como for, o perdão será menos que um olho por olho.

Abraço.

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigo

Em um segundo momento pode haver um aprendizado por parte de quem fez a ofensa. Mas não devemos esquecer do que estava reprimido na psique do ofendido que o transformou em um ressentido (de forma inconsciente o que mais desejava o injustiçado era, primeiramente, aliviar seu próprio fardo). Esse tipo de generosidade, na linguagem popular é: Estou bem comigo mesmo, afinal consegui dar-lhe o troco

A confrade Guiomar, lá no meu Face, resumiu tudo em duas palavras: Sadismo espiritual" (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Pois é, Levi. Se considerarmos o quanto muitas das vezes as pessoas fazem isso inconscientemente, eis que não seria errado afirmar que somos reféns da nossa natureza ambígua e errante. Difícil nos libertarmos disso post que até no ato de perdoar pode haver grandes imperfeições. Que encontremos compreensão! Um abraço.

Levi B. Santos disse...

Se cada um olhar para dentro de si, a fim de analisar seus “deuses e demônios” (afetos ambíguos), verá que o sentimento de vingança encontra-se recalcado. As vezes, Indiretamente, o ofendido, num lance poético ou mesmo em uma prece, desnuda-se, fazendo ver como sangra sem parar sua ferida não cicatrizada.

Reflita bem. Rodrigão, sobre o êxtase psíquico (visão) que João, um dos discípulos de Jesus, teve em exílio na ilha de Patmos:

“Eles exclamavam com grande voz: “Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, esperarás para julgar os que habitam em toda a terra e VINGAR o nosso sangue?” (Apocalipse 6: 10)

O queixoso, acima, acusa e deseja imaginariamente uma vingança. Além do mais, na vingança, encontra-se embutida uma espécie de GOZO, como expressa maravilhosamente esse trecho da antológica canção -“VINGANÇA” - de Lupicínio Rodrigues:

“Mas enquanto houver força no meu peito/Eu não quero mais nada/E pra todos os santos Vingança, vingança Clamar”.

Para ouvir a música toda, acesse o link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=ZXFginzWtFc