14 abril 2007

A AGONIA DO HOMEM GLOBALIZADO






Nestes últimos dias, o tecnicismo global tem nos afetado de maneira assombrosa, acarretando uma surdez progressiva, que não nos dá mais trégua para ouvir os sussurros que saem do coração. Este mundo globalizado, fabricante de intocáveis paradigmas, cada vez mais atravanca a nossa capacidade de pensar, de auto-refletir, de exercer o nosso espírito critico. Mais do que nunca, se faz necessário reler os conceitos e pensamentos daquele que foi o maior psicólogo da história: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Marcos 2, 27). Esta frase (fruto de uma auto-reflexão), citada por Cristo há mais de dois mil anos parece ter caído no vazio. Em suma, o grande mestre estava ali conclamando o homem, a fim de que ele pudesse despertar para exercer o espírito crítico, numa tentativa de resgatá-lo desta grande condenação que é a ignorância. Ali, Ele estava levantando a bandeira da liberdade para um povo escravo de fórmulas pragmáticas. Cristo, em outras palavras estava dizendo: Olha homem de “pensar” preguiçoso, eu não quero fazer de ti “atividade meio”, e sim “atividade fim”. “Não és escravo do sábado, pois ele existe para te servir como quem serve a um Senhor”. “Não estás a reboque de uma norma. Se esta norma anda a te escravizar, não há mais razão para a sua existência”.

No mundo contemporâneo o homem se tornou escravo de uma máquina pensante e criadora de necessidades supérfluas, que o obriga a valorizar os seus ditames, sob pena de ter que ficar à margem do processo “civilizatório”. O homem voltou ao seu lugar preferido ─ a função de “atividade meio” a serviço de um fim ─ o pensamento globalizado. O homem não é mais dono de sua história. A globalização já traçou o seu caminho, interferindo no seu destino, dirigindo-o para um rumo desprovido e sem sentido do “ter por ter”.

Estamos sendo arrastados por este espírito globalizante de um modo quase imperceptível. Não é a toa, que de dois em dois anos somos pressionados a trocar nosso computador e celular que a mídia condena como obsoletos. As telas se multiplicam, se colorem de uma maneira fascinante. Adquirimos estes aparelhos digitais, sem que tenha sido uma questão de gosto. Não é uma questão de escolha, mas sim de um imperativo absoluto, uma necessidade indiscutível para poder ser visto como um ser moderno. É o filho que diz para o pai: “No próximo ano serei mais livre e feliz, pois irei ganhar o meu aparelho de MP3, com uma memória triplicada”. Só que ele se esquece, que enquanto o tecnicismo científico aumenta a memória do seu aparelho, a sua capacidade mental vai atrofiando por falta de exercitar a “auto-reflexão”. Ele não "pensa", por isso, não contesta, não duvida daquilo que lhe diz a mídia. E vai vivendo, digo, vegetando, por esse mundo afora como o escravo do SÁBADO, de que Jesus falou há dois mil anos.

Esse monstro, denominado de “mundo da técnica”, tem até o seu lado positivo, mas os seus efeitos são devastadores sobre o pensamento e a vida do homem. Ora, se a vida é um incessante avaliar crítico daquilo que temos nos tornado, podemos deduzir que somos mortos ambulantes, por não termos mais tempo para nos dedicar a observação reflexiva de coisas mais simples que estão a nossa volta.

É oportuno que façamos um pequeno exercício de reflexão, através de uma simples pergunta feita a nós mesmos.

Hipoteticamente falando: “Digamos que Cristo viesse conviver conosco hoje, e fosse submetido ao totalitarismo do pensamento global. Será que Ele teria tempo para criar tantas parábolas como o fez no seu tempo?”.

A resposta seria obvia: “Não”. Parábolas são frutos de uma minuciosa e intensa reflexão sobre a natureza humana, e o seu mundo ao redor. O Cristo globalizado não teria tempo para se dedicar ao exercício da subjetividade do livre-pensar, que deixa o homem liberto para criar algo em prol do seu semelhante, sem depender de qualquer pressão, ou de conceitos globais pré-fabricados.

Aliás, a “reflexão” é inimiga do pensamento global, pela simples razão de que ela, para se efetuar, demanda tempo, tranqüilidade, ambiente de silêncio e paz, ao contrário do seu opositor, que estimula o individuo a ficar refém de um número maior de informações a ser absorvidas em uma menor quantidade de tempo. O homem então se rende aos pressupostos técnicos-científicos e segue numa vida fútil e mecanicista, onde o que mais se vê é balbúrdia, angústia e correria. As necessidades criadas pela globalização são crescentes, e ele não se dá conta que já não tem mais um minuto sequer para "pensar", e consequentemente entender que a sua singularidade e individualidade estão sendo solapadas. Esquece que o seu tempo de vigília permanece o mesmo desde os primórdios, não lhe dando chance para tantos afazeres. Quando algum “pensador” pára, a fim de conversar com o outro (ser globalizado) sobre o sentido da vida, este, de imediato, fala sem pensar: “Tempo é ouro, não se pode perder com besteiras”. Consultando sua agenda eletrônica diz: “Ainda hoje tenho de realizar muitos compromissos”. “Tchau. Passe bem!”. E sai desabaladamente transpirando de suor em seu automóvel, percorrendo vias barulhentas deste caos infernal que é o trânsito, rumo aos templos do consumismo chamados "shoppings". Enfrenta aparentemente satisfeito, engarrafamentos monumentais provocados por outros, que como ele, se deixam levar pelos atrativos irresistíveis do mundo escravocrata do pensamento único.

O homem desta forma, se veste com uma roupa que não é dele, e segue um roteiro traçado pelo ideal globalizante. Ensaia diariamente o seu papel de ser falante, sem acordar para perceber que não passa de um fantasma no grande teatro da pós modernidade.

Ensaio por Levi. B. Santos

Guarabira, 14 de Abril de 2007