27 novembro 2007

O IRRESISTÍVEL "DESEJO" DE TRANSGREDIR

.............................A Ciência desvendando mistérios


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O desejo de transgredir uma norma ou uma ordem pré-estabelecida advinda de uma autoridade, persegue o homem desde os seus primórdios. Foi assim que aconteceu com nossos primeiros pais (Adão e Eva), que no jardim do Éden foram invadidos por este irresistível anseio de experimentar algo que não deveria ser tocado. A vontade de conhecer foi mais forte que o argumento da proibição legalizada. O primeiro casal da história bíblica não resistiu e cometeu o que seria a primeira transgressão.

A sede de investigar, de procurar a razão de tudo, passou a reger o homem, agora mortal e nu. O paraíso do deleite absoluto contrasta agora com a maldição do sofrimento, conseqüência de sua própria escolha. O viver agora passou a ser sinônimo de sofrer. Para amenizar a crueza de ser livre, restou-lhe uma lembrança daquele lugar de gozo, que como uma sombra o leva agora à utopia, à saudade e a esperança de que um dia seja restaurado aquilo que se perdeu. Daí por diante o desejo de transgressão, da ruptura dos contratos sociais, estimula esse homem a desafiar as tradições. Abraão na concepção de sua família e cultura, deve ter sido considerado um “transgressor”, por ter rompido laços de amizade, partindo para uma terra estranha a sua.

A transgressão no sentido de “transcender” foi se multiplicando dentro da História. Jacó transgrediu contra Esaú, Raquel transgrediu contra Lia e José transgrediu contra Judá. Jesus na concepção Judaica foi um transgressor, por ter traído a tradição religiosa. Já do ponto de vista do cristianismo, foram os seguidores do Judaísmo que traíram o Mestre. A questão: “traidor-traído” depende de onde se olha e de que lado se está. Deste modo, Cristo foi o Grande Herói do Cristianismo e ao mesmo tempo ─, transgressor dos valores culturais e religiosos do seu tempo. Aqui, o desejo transgressivo de romper com o “status quo” foi benéfico, pois ocasionou uma ruptura da tradição dos conceitos farisaicos da época, tido como imutáveis. As “boas novas” trazidas por Cristo, permitem no presente que nos transformemos constantemente pela renovação do nosso entendimento, de maneira que o “ser” de hoje não é mais o “ser” de ontem. Nessa renovação para entender o nosso próprio ser (evolutivo que é), transgredimos aquilo que considerávamos correto no passado.

O irresistível desejo de transgredir, em função de um bem maior, aconteceu com as filhas de Ló, que acreditavam que o mundo todo havia sido destruído com a hecatombe que ocorrera em Sodoma e Gomorra. Criam que não havia homens para dar continuidade à sua linhagem (Gênesis19:31); tiveram então a lucidez de embriagar o pai e manter com ele relações sexuais. Assim, as duas filhas de Ló engravidaram e deram a luz aos pais dos Moabitas e Amonitas. A transgressão aqui, não se configura como algo “imoral”, pois as suas filhas agiram daquela forma por se sentirem responsáveis pela continuidade da espécie. A semente da imortalidade, de certa forma, estava ali sendo transferida para os filhos vindouros, numa espécie de compensação para a maior das angústias, que é a “finitude humana”.

Estas duas mulheres da Bíblia (Tamar e Rute), conseguiram através de atos transgressivos restaurar a semente de Israel. Trajando-se de prostituta, Tamar, nora de Judá, o seduziu, gerando a Perez. Boaz que veio da descendência de Perez, foi por sua vez atraído pela moabita Rute (descendente da relação incestuosa de Ló com a filha). Dessa descendência, mais tarde, veio Davi. E assim, de transgressão em transgressão, a mulher tomou sobre si a responsabilidade pela preservação da linhagem da qual viria o Messias.

Passemos a tratar de outro tipo de transgressão, que tem como essência, o desejo de PODER conhecer o que era expressamente proibido ou intocável, numa reedição do que acontecera no Éden. O homem não mais atribui o que acontece em seu próprio ser, a uma força ou entidade vinda de fora, e assume os riscos e as conseqüências de extrair de si mesmo, a verdade científica. Agora, com o “status” de homem-científico, passa a investigar as suas próprias entranhas, ao penetrar no âmbito do sagrado templo feito pelas mãos de Deus. O que era sagrado e intangível passa doravante a ser esmiuçado em seus mínimos detalhes. O homem transgride aquilo que se tinha como “certezas prontas” e “verdades permanentes”, e, em seu lugar abre um novo campo de visão para substituir os dogmatismos ultrapassados.

Não se pode negar, que hoje, a humanidade não consegue sobreviver sem usufruir o néctar desse fruto proibido. A medicina desvendou mistérios e postulados considerados antes imutáveis. O “leproso” que estava amaldiçoado e sentenciado a morrer de forma lenta, perdendo aos poucos partes de suas carnes, numa mutilação macabra, hoje tem a sua cura efetuada em um ou dois anos de tratamento. Nos tempos de Abraão e Davi, quem em sã consciência poderia imaginar que um dia, os olhos, os rins, o fígado, o coração seriam trocados como simples peças de reposição? Aonde chegará esse insuperável desejo de conhecimento daquilo que está encoberto?

Há alguns meses admirei-me ao assistir um “vídeo”, que mostrava um homem com o seu crânio revestido por uma parafernália de fios e “sensores”, ligados a um monitor. Uma voz dizia para este homem que se encontrava deitado em uma espécie de túnel: “PENSE AGORA EM UMA LETRA DO ALFABETO”! Imediatamente aparecia no visor do monitor a letra pensada pelo paciente. Fiquei pasmo, perguntando a mim mesmo: será que a ciência está levando este insano “desejo transgressor” aos extremos de um dia poder ler os pensamentos?

Vemos tudo isso com um misto de temor e sobressalto. Será que à medida que a ciência evolui, os milagres tendem a ficar em segundo plano?

A verdade, é que todos nós, homens religiosos ou não, desfrutamos dos resultados colhidos pelo desejo transgressivo da ciência. Hoje estamos funcionando como uma balança: em um dos pratos colocamos o livro sagrado como regra de fé e no outro prato, colocamos nossas mezinhas e comprimidos, que nos vão aliviando o sofrimento pela vida afora.

Dizem: “a clonagem humana, hoje, é questão de tempo”; e os postulados éticos e morais vão sendo bombardeados pelo invencível desejo transgressivo de um dia criar o homem-robô, um ser sem o sopro de Deus ─, insensível e sem alma. Bancos de órgãos estão sendo montados. Já se pode escolher o filho que se quer ter: a cor dos olhos, a cor da pele, o tipo de cabelo. Doenças que iriam aparecer em idade avançada, hoje, são evidenciadas no feto, sendo convenientemente tratadas no interior do útero, através da manipulação dos genes afetados. As “células-tronco” –, que podem evoluir e dar origem a partes do nosso organismo, já são uma realidade. O mapeamento genético humano através do Projeto Genoma já foi seqüenciado. A próxima transgressão, talvez, seja o mapeamento da alma. A sobrevivência da nossa espécie está, como nunca, ao sabor das impensáveis e presunçosas descobertas científicas, que tanto podem beneficiar a preservação da raça humana, como podem acarretar perigos para o futuro da humanidade.

Lá de cima e em silêncio, o Grande Oleiro contempla este embate entre a razão e a fé, sabendo de antemão que a Ciência jamais vai restaurar a IMORTALIDADE PERDIDA.

O homem seduzido pelo poder do conhecimento ilimitado, luta e sofre, na tentativa de prolongar ao máximo sua vida de pobre mortal aqui na terra. Uma coisa ele não pode negar: lá no fundo do seu coração geme um desejo profundo de retornar ao PARAÍSO PERDIDO. A rebeldia do espírito da Ciência, mesmo rompendo as normas, padrões e paradigmas tidos por nós como sagrados, não consegue apagar a SAUDADE do Éden ─, sentimento este, que tem um efeito moderador no desenfreado ímpeto humano em desvendar mistérios acumulados por milhares de anos.

Ao levantar o véu que encobre o que se encontra oculto, o “homem científico” acaba nos deixando mais céticos. Sentimos, que ao transgredir determinadas tradições arraigadas em nosso ser, uma parte de nós se evapora, deixando-nos menos utópicos, nus e mais transparentes, é quando nos assoma o temor de que um dia a ciência revele com clareza as vilezas do nosso inconsciente.

Não devemos esquecer, que enquanto os mistérios alimentadores de nossa fé vão sendo paulatinamente desnudados, a vida vai perdendo o seu sentido e a sua graça, transformando-se em uma “novela”, cujo final previamente se conhece.

Ao ver os valores tradicionais postos em dúvida e sob investigação de modo irreversível, não posso esquecer de uma tia, que ainda hoje não acredita que o homem foi à lua. Demonstrando felicidade e fé inabalável, ela diz que é tudo “enrolada” ou propaganda enganosa, pois, Deus jamais iria permitir que o homem realizasse tamanha TRANSGRESSÃO. Sobre este tal “desejo transgressor” nem de longe ela quer ouvir falar.

Ensaio: por Levi B. Santos

Guarabira, 26 de Novembro de 2007

07 novembro 2007

A PRELEÇÃO DE ALMEIDA FOI REAL DEMAIS

................................................Pastor Almeida (de terno)


A Segunda Conferência Missionária das Ass. de Deus em Guarabira-Pb, em sua última noite, transcorria como sempre acontece em ocasiões festivas: muitas exclamações de alegrias, muitas aleluias e glórias a Deus. Eu ouvia pelo rádio, os cânticos e os testemunhos emocionados que agitavam a multidão que superlotava a nave do grande templo. Dava-se perfeitamente para ouvir pela emissora, o intenso vozerio.

Porém, algo inédito aconteceu naquela noite. Eram mais ou menos nove e quarenta, quando o preletor Almeida (Mineiro de Belo Horizonte – braço forte de apoio nas missões trans-culturais) foi convidado para dar a sua mensagem. Fez-se um silêncio sepulcral no interior do templo, quando o pregador dissecava com a sua espada afiada, fazendo ver cruamente o que era levar o evangelho às camadas excluídas da sociedade. O silêncio era tão intenso, que daria para se ouvir pelo rádio, um simples rasgar de um papel. Aquele silêncio era uma resposta mais do que clara, de que a palavra falada estava provocando uma profunda reflexão (inclusive de minha parte). Pude escutar a mudança altamente significativa que ocorreu naquele ambiente: o ribombar de vozes em alegria e êxtase, transformara-se repentinamente em um grandioso silêncio. O Pastor Almeida foi feliz e sábio em sua exposição, em consonância com o que diz o autor do livro de Eclesiastes (9, 17): “As palavras dos sábios devem ser ouvidas em silêncio [...]”.

Almeida tocara no ponto nevrálgico da interioridade humana, fazendo aflorar o paradoxo que norteia a nossa existência. Dentre os casos que ele expôs, um, foi de uma contundência cruciante e real. Em um dos seus arrebatamentos, expressou-se mais ou menos assim:

─ Irmãos! ─ Eu vou contar o que se passou comigo, lá em minha cidade: “eu era como um desses jovens bem vestidos, que estão aqui à frente, bem alegres e satisfeitos. Foi no caminho em direção à igreja, que avistei uma mulher em andrajos, parecia ser uma prostituta ou uma drogada, e estava sentada no chão de uma calçada. Algo, como uma voz dentro de mim, dizia naquela ocasião que eu parasse e falasse para aquela mulher. Eu tratei de fazer ouvidos moucos, racionalizando: ora, já estou atrasado para o meu compromisso na igreja. Ademais, com o meu terno todo bonitinho e impecavelmente passado, eu vou me amarrotar todo, vou chegar ao templo no meio do culto e todo desarrumado. Não! Prossegui no meu caminho. A voz mais uma vez ao meu ouvido: fala com aquela mulher! Eu dizia para mim: isso é uma tentação, não posso me demorar aqui e perder tempo, possivelmente, com uma bêbada. Além do mais, o que poderiam pensar os meus conhecidos que me vissem conversando com uma prostituta a uma hora daquelas, em um local suspeito e escuro. Continuei caminhando para minha igreja. A voz pela terceira vez soa: aborda aquela mulher! Não dei ouvido, e pensei: ora, é engraçado eu vou para casa de Deus onde lá todos estão me esperando, e esta voz aqui me atrapalhando”.

“Entrei no templo, alegrei-me bastante junto com os meus irmãos, e esqueci logo aquele fato ocorrido”.

Almeida, nesse momento, dá mais ênfase ao desfecho de sua história, falando desta forma:

“Terminado o culto, feliz da vida, dirigi-me a pé até o ponto do ônibus. Passando de volta pelo local onde estava a mulher, vi um aglomerado de gente. Resolvi espiar por entre a multidão espremida, o que estava acontecendo naquele momento. Esticando bem o pescoço e de pontas de pés, o que vi chocou-me profundamente. Em toda minha vida, jamais esquecerei aquela trágica cena. A mulher estava ensangüentada e morta. Constrangi-me até a morte, ao ouvir aquilo dentro de mim: “Tu foste o culpado”. “Se tivesses parado para ouvir aquela pobre mulher, ela não teria morrido”.

Almeida já emocionado, faz uma pausa e pergunta a platéia:

─ Quem aqui, tem a coragem de colocar bem juntinho de si uma prostituta daquelas bem fedorentas? Quem tem coragem de sentar junto ao um aidético aqui nos bancos? Aqui na igreja é muito bom. Está todo mundo engordando, engordando, e ainda mais cantando hinos como: “Estou pronto, estou pronto. Senhor eis-me aqui...” ─ diz, solfejando a estrofe de um corinho. Sabe quando é que o crente mais mente? ─ fala Almeida. ─ É quando está cantando na igreja. Ninguém que está cantando hinos como esses, atenta para o que está a dizer, e se treme de medo só em ouvir falar que alguém vai a uma missão na África ─ conclui veementemente Almeida.

Um silêncio profundo ─ foi a resposta de todos. Não se ouvia um sussurro sequer.

Não tenho dúvidas, que o inspirado Almeida sacudiu as profundezas do ser humano, de uma maneira, instigante, dura e real. Fustigou o meu coração como os de muito que o escutavam naquele momento. Pena, que a rádio encerrou o programa, pelo adiantado da hora, impedindo que eu e os ouvintes das redondezas pudessem escutar o restante de sua mensagem. Fiquei imaginando: se os organizadores do evento não tivessem demorado tanto, fazendo as costumeiras apresentações dos visitantes, teria dado tempo para que os rádio-ouvintes assistissem até o fim, o tão expressivo sermão do missionário visitante.

Depois de tudo, desliguei o meu rádio, para fazer uma auto-reflexão.

A mensagem de Almeida permitiu-me um olhar mais profundo sobre a verdade ancestral que reside na natureza humana: o “paradoxo” entre o “desejar fazer e o que realmente deve ser feito”. Almeida deve ter refletido e tirado uma grandiosa lição sobre o que aconteceu com ele naquela fatídica noite em Minas Gerais: “O zelo pela tradição do culto, o levara a perder uma alma”. Melhor que tivesse perdido o culto, aproveitando a oportunidade para socorrer aquela alma. O Pastor Almeida deu a entender que na igreja nos abrigamos do mundo, porém, é no trabalho missionário que se enfrenta o desafio de “sair para o mundo”. O que se passou com ele constituía-se em mais uma das muitas contradições do impensado evangelho de resultados, pregado nos tempos modernos: ele se encontrava na igreja onde estavam os sãos, enquanto uma alma se perdia lá fora, sem ter alguém para dar a mão. Esse acontecimento emblemático veio ratificar de forma insofismável o “porquê” do ministério de Cristo ter tido um caráter itinerante, indo ao encontro das gentes sofridas.

Em meio à violência e à maldade campeando de forma nunca vista por todos os recantos, não é coisa fácil abordar aqueles que vivem à margem da sociedade. Ficamos temerosos e sobressaltados ao abordar qualquer estranho que atravesse à nossa frente. Não é assim que aconselhamos os nossos filhos?: “Olhem, tenham cuidado, quando se depararem com alguém estranho e com cara de gente má, não se aproximem! Passem de longe, pedindo a proteção de Deus.”

O caso verídico de Almeida realça o grande paradoxo que nos mete MEDO, e por conseqüência, nos afasta do “IDE” imperativo do evangelho, destinado aos que estão caídos nas sarjetas da periferia das cidades. Preferimos que o desvalido VENHA ao templo, se bem quiser; é mais cômodo e não nos constrange. O MEDO de ser violentado, assaltado ou seqüestrado, nos impede de levar as “boas novas” a esses desamparados da sociedade, principalmente, naquelas horas mais arriscadas (após os cultos de domingo), em que voltamos para as nossas casas, tomados de MEDO e pedindo a Deus não encontrar ninguém pelo caminho. É nessas horas, que nos vem o tão sonhado anseio de poder andar sem sobressaltos. Nos vem também a vontade de confinar todos os marginalizados em um ambiente longe dos nossos, para que não possam nos incomodar.

A preleção de Almeida deve ter levado alguns, naquela noite, a uma reflexão, no sentido de tentar entender a mentalidade do homem rotulado de "moderno", que tem se sensibilizado apenas em seguir a sua própria agenda de realização pessoal, na crença de que com uma boa pitada de fé, receberá uma “sorte grande”, que o possa levar rumo ao poder, à riqueza e à fama.

Reconhecendo a nossa fragilidade (a carne é fraca) e, em meio ao silêncio do fim de festa desta Segunda Conferência Missionária, só nos resta um pedido a fazer: “Senhor, tende misericórdia de nós. Dai-nos mais coragem e ousadia para sair da apatia dos dias atuais”.