Costuma-se dizer que existem tantas instituições religiosas, quantas forem as definições que se tem de Deus. Realmente, há uma grande verdade nesta afirmação, pois não existe nada mais frustrante que conceituar o que é transcendente. Como o humano que mal se compreende pode fazer de Deus um objeto de sua definição? Ora, sabemos que conceituar é colocar algo em determinados limites, e o que é Divino é por si só, incomensurável e ilimitado, não podendo ser reduzido a uma simples medida do pensamento humano. O que podemos nesta vida terrena é apenas experenciar um toque de Sua presença. A Sua essência vai muito além do nosso pensamento e do nosso discurso. O nosso ser egoísta que se delicia experimentando um pouco da presença de Deus, quer logo se tornar exclusivista dessa relação. Não sabe ele que, Deus não é um objeto para se submeter à medida da limitação humana. Debalde tentamos abarcar o sagrado. É bem verdade que podemos viver momentos de abundante riqueza celestial nesse pobre mundo terrestre, todavia, devemos ter o cuidado de não colocarmos o nosso vivenciar momentâneo como padrão ou fórmula mágica a ser imitada.
“EU E TU”, uma das maiores obras do século XX, do mestre Judeu Martin Buber, tem uma citação muito interessante sobre o que é Divino. Diz assim: “Deve se respeitar o sublime poder de ignorar e reconhecê-Lo como aquilo que, no máximo se pode vivenciar, mas que não se pode viver”. Com isso, o mestre Judeu quis explicitar que o homem pode experimentar uma ínfima parcela da presença Deus, sem nunca aspirar possuí-Lo em toda Sua plenitude. Sobre o homem religioso em relação com o mundo ou com os seres, Buber falou: “aquele que só conhece o mundo como algo que se utiliza, vai conhecer Deus do mesmo modo”. Eis aqui o utilitarismo religioso, que faz de Deus um meio para fins terrenos. Aquele que tenta se arvorar de sábio, conceituando Deus dentro de uma rígida redoma doutrinária, não deve esquecer do que escreveu o Profeta Isaías (Cap. 55; 9): “Assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos, diz o Senhor.
Devemos ter sempre em mente que, conceituar Deus é colocá-Lo dentro de uma norma, de uma regra, que em suma é uma coisa fixa. Quem é o homem para por limites no agir de Deus? A religião, costumo assemelhar a uma gaiola, cujo dono pensa cuidar muito bem do passarinho retirado do seu “habitat”. Cercada por grades, a infeliz ave tem ao seu dispor, o melhor e mais variado alimento para sua sobrevivência, mas perdeu o que de melhor tinha: “a liberdade”. Enquanto isso, o seu dono satisfaz o seu desejo carnal, deleitando-se com o canto e a beleza exterior do infeliz passarinho. Quando solto no espaço, após muito tempo preso na “gaiola”, esse claudicante pássaro perde a capacidade de voar e de se relacionar com as outras aves. A clausura, sutilmente, tira o significado especial de sua existência.
Deus pertence ao subjetivo, Ele é Espírito, e não pode se submeter à fixidez de uma definição, pois, a conceituação, como uma gaiola, tolheria os seus movimentos tornando-O rígido e estático como uma estátua ou um ídolo. Quando se tenta definir o Divino, cria-se uma imagem que não é verdadeira, instituindo-se aí o primeiro passo para a idolatria.
Os evangelhos estão recheados de paradigmas doutrinário-religiosos quebrados por Cristo; muito embora, ele tenha frequentado as sinagogas e o Templo maior da religião Judaica, foi enquadrado como traidor do Judaísmo, justamente por não caber dentro das normas e parâmetros dessa instituição. Seus discípulos, ele foi buscar lá no meio da plebe considerada imunda. O conceito de um Deus-objeto da religião daquela época, realmente não podia acolher uma gente desregrada em seu meio. Os líderes religiosos não viam com bons olhos o surgimento dessa casta heterodoxa: os discípulos eram rudes, andavam armados, não oravam, não guardavam o Sábado, além do mais, seu mestre maior misturava-se com beberrões e gente da pior espécie, como os samaritanos. O procedimento dessa "gentalha" feria profundamente a "santa doutrina Judaica". Os sacerdotes (elite religiosa) que estavam no lugar de Moisés, enxergavam nisso tudo, uma grande blasfêmia, um dos maiores escândalos. A religião judaica achava que já tinha tudo, como regra de fé. Tinha o Pentateuco. Tinha os livros dos seus profetas, reis e juizes. Como poderia então aceitar um revolucionário em sua seara, pregando uma mensagem com um novo mandamento, se a história de seu Deus iniciava em Gênesis e terminava em Malaquias.
Passado dois mil anos, tudo continua como dantes. A religião vestiu apenas uma nova roupagem, porém seu corpo continua o mesmo. Quem quiser comprovar que tente desnudá-la.
Harold Bloom, uma das maiores autoridades em Humanidades dos EUA, que também se dedicou ao estudo da religião e da Bíblia, publicou um brilhante e provocativo livro – “Os Nomes Divinos”. Ele explica minuciosamente o significado das quatro letras YHWH, que formam o nome próprio de Deus. Na Bíblia hebraica, tal nome aparece cerca de seis mil vezes. Como esse nome era pronunciado, jamais se sabe. YHWH (Javé) é apenas uma conjectura, porque a tradição oral guardou o nome sagrado. Em Êxodo 3; 13-14 há um diálogo que confirma que Javé é indefinível. Moisés argumenta sobre o que dirá, quando os filhos de Israel perguntarem qual o Seu nome. Ao que Deus responde: “EU SOU O QUE SOU”.
Para a maioria dos ocidentais, ou Deus é algo pessoal ou então é algo que não faz a menor diferença. O risco que se corre ao particularizar esse Deus, é cair no crasso erro de não admitir que Ele não possui outras formas de se apresentar como quer, e quando quer, sem ter que se submeter aos desígnios mesquinhos da razão humana. Vejam bem o que aconteceu com Bush, após o atentado contra as torres gêmeas nos EUA ─ valeu-se da religião para fazer uma cruzada contra o Iraque, assumindo uma postura de anjo de Deus, ao dizer que, quem estivesse ao seu lado estava com Deus, quem fosse contra, estava do lado de Satã.
Infelizmente o nome de Deus nos últimos dois mil anos foi usado para desmandos de toda a natureza. Durante esse trajeto de tempo, Deus se tornou objeto para fins escusos. Muitos foram caçados como bruxos e hereges em nome de um Deus institucionalizado pelos poderosos. No falso nome de Deus instituíram a Inquisição, a Escravidão, o Colonialismo e as Ditaduras. Quando se particulariza o nome de Deus, o horror aparece em proporções alarmantes. Os seguidores desse Deus têm se transformado em exércitos para destruição física e psicológica dos denominados por eles de infiéis. Enfim, Deus tem se tornado um grande “negócio” no reino que Ele tanto combateu através do seu filho, ao bradar de forma categórica: “Meu Reino não é deste mundo”.
EVOLUÇÃO ─ esta é a palavra que a religião mais teme, pois ela implica em revisão de conceitos, em desconstrução de paradigmas, inaceitáveis para grande parte das lideranças religiosas que teimam em uniformizar, unificar Deus, e instituir uma verdade única a Seu respeito. O "religioso" está sempre colhendo contradições em seu caminhar, pois Deus age onde, como e quando Ele quer, contrariando o pequeno mundo de visão humana. O conservadorismo religioso lhe infunde o medo de perder o que adquiriu no passado, então ele se recolhe, tornando-se resistente a qualquer concepção que implique na renovação do seu entendimento. Para ele a história de Deus se encerrou com o último livro da Bíblia (O Apocalipse). Esquece que Deus continua agindo na história, e, como um saudosista, se apraz apenas, em rememorar exaustivamente as feitos dos grandes homens do passado, como se os personagens bíblicos da antiguidade, jamais pudessem ser comparados aos arautos da modernidade. Através dessa forma de pensamento, o extremista religioso, inconscientemente, pode estar colocando os históricos personagens da Bíblia, acima do bem e do mal, transformando-os em ídolos para si mesmo. Não é assim que a mídia trata àqueles que se tornam insuperáveis em suas façanhas? Quer nas artes, quer na política, quer na ciência ou nos esportes, aqueles que se superam, se tornam ídolos ou figuras míticas para os seus admiradores. Na história das religiões não tem sido diferente.
Tempos difíceis vivemos, em que o homem ao vivenciar a sua experiência espiritual particular, procura apoderar-se da consciência do outro ao máximo do que lhe é possível, de um modo simplesmente utilitarista. A história nesse sentido tem exibido a passagem de um Deus-coisa, um Deus-objeto através das religiões. No dizer de Buber, “o homem aspira por uma continuidade da posse de Deus no espaço e no tempo[...]. Deus se tornou um objeto de fé”.
O Teólogo Joseph Woingt, discorrendo sobre o Deus do mundo ocidental, fez esta emblemática constatação: “Quando o Deus único é concebido como o deus de um só povo, que faz uma aliança com esse povo para estender a sua dominação sobre os demais, então, de fato, há risco de intolerância e violência”.
Ensaio por: Levi B. Santos
Guarabira, 05 de Julho de 2008