26 maio 2014

Maravilhosos Caleidoscópios



Bons tempos aqueles em que não havia televisão, telefone, e nos comunicávamos apenas por cartas postadas via correio. Tempo em que para saber o que ia pelo mundo só tínhamos o rádio à válvula, o qual era quase sempre ligado a uma bateria de automóvel, por não existir luz elétrica na cidade.

Lembro de uma invenção que provocou um grande alvoroço naquela época, principalmente entre as crianças: o tal do Caleidoscópio.

O Caleidoscópio era um pequeno monóculo em cujo interior existiam duas ou três lâminas de espelho; na extremidade oposta às lentes, continham diversos pedaços de plásticos e vidros de diversas cores. Cada vez que fazíamos movimentos rotatórios no monóculo, os minúsculos fragmentos de seu interior produziam imagens geométricas de uma beleza incomum. De forma que passávamos horas e horas com o olho colado ao monóculo apreciando as imagens multicoloridas, que mudavam de forma à medida que movimentávamos o aparelho junto ao olho.

 Era no Sábado – dia em que ocorria a grande feira que vendia de tudo em minha cidade −, que o vendedor de caleidoscópios aparecia. Os adultos, rapazes, moças e crianças com moedas em suas mãos faziam fila para adquirir os fenomenais monóculos. E ficava aquela algazarra; todo mundo falando ao mesmo tempo:

― Olha que coisa linda, aqui no meu monóculo!”.
― Cadê?
― Ahhh, é porque você não viu o meu!
― Minha Nossa Senhora, olha que coisa arretada?
― Putzgrila, no monóculo de vocês não se consegue uma imagem dessa!

Danado é que a formação multicolorida que se apreciava à cada olhadela, nunca se repetia. Naquele tempo não existia a palavra “fantástico”. Para expressar a nossa admiração falávamos os termos que ainda hoje se usam largamente no nordeste, como:  arretado, porreta, putzgrila, caramba, ai dento, da peste.

Dando um pulo de sessenta anos, poderíamos constatar que o caleidoscópio que está hoje em evidência a encantar gentes de todas as idades, é a internet.

Os maravilhosos caleidoscópios das redes virtuais enchem os nossos olhos com imagens e informações de variadas e infinitas tonalidades. Podemos viajar, fazer faculdade sem sair do canto, ganhar medalhas e curar depressão. Como o velho caleidoscópio da história, num desenfreado dinamismo o que é visto e imaginado se modifica em questões de minutos diante dos nossos olhos. Por mais das vezes, lá no fundo, chegamos a nos identificar com o atraente objeto exposto na tela.

Mas esse objeto nunca deixa de refletir a nossa ambivalência: podemos por ele ter ódio e amor. Como acontece com os canibais que devoram as suas vítimas para adquirir algo desejável que existe nela. Ódio e amor também presentes no caçador que apesar de furiosamente matar o leão, para se tornar valente, adora degustar o coração da fera ferida e inerte.

Ao vendedor de monóculos do meu tempo de menino, interessava mais as moedas ganhas no final do dia, que ele guardava com o maior cuidado dentro de uma pequena mala com cadeado. Mas de uma coisa o vendedor sabia: quanto maior a alegria e a fuzarca das crianças e adultos maior a sua venda.

Sem dúvida, há semelhanças entre as extasiantes declarações que fazíamos das imagens do caleidoscópio de ontem e a esfuziante festança que fazemos hoje diante das visualizações dos nossos caleidoscópios virtuais. O que acontecia antigamente com as pessoas diante dos monóculos na feira, ocorre atualmente em nossa algazarra virtual, onde estamos sempre fazendo ver ao outro que a beleza do que estamos a apreciar em nosso caleidoscópio é mais arretada que a que o outro está vendo no dele.

Putzgrila, olha isso aqui!!!” (rsrs)


Por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de maio de 2014

23 maio 2014

Excrementos e Lixos que Falam de Nós



Desde o primeiro ano de vida o ser humano que nasceu entre fezes e urina, é instado e ensinado a conter e ocultar aquilo que os pais consideram feio e repugnante. É por esse tempo que o arquétipo separador do que é “sujo” e do que é “limpo” inicia a tônica de como funcionará o aparelho psíquico da criança e do adulto, mediado pelo processo civilizatório cultural.
Diz a psicanálise que a primeira criação, a primeira “obra” de arte do bebê – é o seu cocô.

O Psicanalista e escritor, Sérgio Telles, narra o drama de uma mãe em um banheiro com o seu pequeno filho. A pequena exposição de fundo psicanalítico tem por título: “Cocô Volte Aqui!”, e começa dessa forma:

“Um menino de dois anos e meio faz cocô e sempre ao dar descarga fica inconsolável com o desaparecimento do mesmo. Chora muito, abraça o vaso sanitário, e diz: Cocô volte aqui!.

A mãe do menino, por achar a cena repetitiva muito engraçada resolveu filmá-la e colocar nas redes sociais.

O psicanalista Sergio Telles explica que essas cenas repetitivas com relação aos excrementos significam que a  criança está passando pela fase anal, de que Freud identificou como o período das primeiras criações infantis. “Fase em que as fezes são muito valorizadas pelos infantes”. Não à toa que os antigos davam o nome OBRAR (transformar em obra) ao ato que hoje denominamos – defecar.

Com o tempo se aprendeu que o sujo, o nauseabundo e o que fedorento deve-se esconder, como acontece com o nosso próprio lixo cotidiano, restos rotos daquilo que um dia nos causaram prazer
e, agora, se esvaem através da descarga ou se coloca em um saco hermeticamente fechado para ser deposto bem longe de nós e dos outros.
.
A criancinha agarrada ao vaso sanitário implorando que seu cocô levado pela correnteza da descarga, volte, serve de metáfora para que nós venhamos a entender que o outro que  observa o nosso lixo, sabe muito a nosso respeito. Lixo que jamais chegamos a imaginar que estivesse em nós tão enraizado.  

Como naquilo que se fala e se afirma, nem sempre o descartável se torna indescartável por toda a vida, trago à baila um maravilhoso diálogo do humorista e escritor Luis Fernando Veríssimo. Ele nos reserva uma grata surpresa, ao mostrar em forma de prosa, o quanto o “lixo” (metáfora da impureza, do nauseabundo, do que excluímos) detém o poder de destruir nossas máscaras e revelar aspectos de nossa intimidade que gostaríamos de mantê-los secretos.


“O LIXO”
(Escrito em 2008 pelo genial L. F. Veríssimo)


Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam


― Bom dia...
― Bom dia.
― A senhora é do 610
― E o senhor do 612
― É.
― Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente.
― Pois é...
― Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto seu lixo.
― O meu quê?
― O seu lixo.
― Ah!
― Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena.
― Na verdade sou só eu.
― Mmmm. Notei que o senhor usa muita comida em lata.
― É que eu tenho de fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
― Entendo.
― A senhora também
― Me chame de você.
― Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comidas em seu lixo. Champignons, coisas assim.
― É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra...
― A senhora... Você não tem família?
― Tenho mais não aqui.
― No Espírito Santo
― Como é que você sabe?
― Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
― É mamãe escreve todas as semanas.
― Ela é professora?
― Isso é incrível. Como é que você advinhou?
― Pela letra no envelope. Achei que era de professora.
― O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo
― Pois é...
― Más notícias?
― Meu Pai. Morreu.
― Sinto muito.
― Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Hã tempos não nos víamos.
― Foi por isso que você recomeçou a fumar?
― Como é que você sabe?
― De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
― É verdade, mas consegui parar outra vez.
― Eu graças a Deus nunca fumei.
― Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo.
― Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.
― Você brigou com o namorado. Certo?
― Isso você também descobriu no lixo?
― Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho. Depois muito lenço de papel.
― É, chorei bastante. Mas já passou.
― Mas hoje ainda tem uns lencinhos.
― É que eu estou com um pouco de coriza.
― Ah
― Vejo muita revista de palavra cruzada no seu lixo.
― É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é?
― Namorada?
― Não.
― Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
― Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
― Você não rasgou a fotografia. No fundo quer que ela volte.
― Você está analisando meu lixo?
― Não posso negar que seu lixo me interessou.
― Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
― Não você viu meus poemas?
― Vi e gostei muito.
― Mas são muito ruins!
― Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
― Se eu soubesse que você ia ler...
― Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
― Acho que não. Lixo é domínio público.
― Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra de nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
― Bom! Aí você esta indo fundo demais no lixo. Acho que...
― Ontem no seu lixo.
― O quê?
― Me enganei. Ou eram cascas de camarões?
― Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
― Eu adoro camarões.
― Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
― Jantar juntos?
― É
― Não quero dar trabalho
― Vai sujar sua cozinha?
― Nada. Num instante se limpa tudo e se põe os restos fora. No seu lixo ou no meu?



“...O mundo dos que procuram a pureza é simplesmente pequeno demais para acomodá-las “  [Zygmunt Baumann – O Mal Estar na Pós Modernidade]



Por Levi B. Santos

18 maio 2014

“Guerra Santa” Vai ao Judiciário




Quinze vídeos veiculados recentemente no Youtube denegrindo as práticas afro-brasileiras foram considerados pelos babalorixás do Candomblé como demonstração de racismo, preconceito e intolerância religiosa.

Uma decisão tomada esta semana pelo juiz Eugênio Rosa de Araújo da 17ª vara Federal do Rio de Janeiro concluiu que o Candomblé não é uma religião, esquentando uma antiga polêmica histórica entre afro-brasileiros, católicos e protestantes.

O site “Brasil Escola” sobre o Candomblé, diz: “... é uma religião africana trazida para o Brasil no período em que os negros desembarcaram para serem escravos”.

O Dicionário de Caldas Aulete também define o Candomblé como religião afro-brasileira que cultua orixás por meio, de cantos danças e oferendas. O renomado autor baiano, Jorge Amado, em suas obras, faz inúmeras referências ao candomblé como a religião dos deuses de origem africana.

Segundo o professor de filosofia, Fábio Medeiros, os primeiros africanos que desembarcaram no Brasil tiveram seu culto religioso proibido pelos portugueses. Para continuarem com a prática ritual trazida da África, tiveram que adaptar suas entidades espirituais aos santos católicos, naquilo que ficou denominado de sincretismo religioso.

A sentença do juiz da 17ª vara Federal do Rio de Janeiro, decidindo que o Candomblé não tem elementos que caracterizem uma religião, foi entendida pelos estudiosos como um ato de discriminação.

Uma reportagem da jornalista Juliana Prado ao Jornal “O Globo” ― edição de ontem (dia 17) ― dá conta desse imbróglio, que fez com que a Associação de Mídia Afro (ANMA) entrasse com uma ação na Justiça contra os vídeos postados na internet por pastores neo-pentecostais  mostrando pais de santos manifestando um demônio na hora de reconciliação a uma igreja pentecostal. A decisão do magistrado foi totalmente desfavorável aos afro-brasileiros, ao sustentar que “ ‘tais crenças não constituem religião’, abrindo uma verdadeira guerra santa no judiciário”. (Vide Link)

O Ministério Público Federal, na pessoa do Procurador da República, tem opinião contrária, considerando o candomblé como uma religião sujeita aos mesmos estatutos constitucionais que regem as demais, razão pela qual, recorreu da decisão judicial.

Segundo a matéria da jornalista, o juiz alegou que “uma religião deve ser baseada num livro central, como o Corão ou a Bíblia, e que deve ter um deus único a ser venerado”.

Ao tomar conhecimento da decisão judiciária, a antropóloga e professora da UFRJ, Yvonne Maggie, especializada em religião africana, chamou a atenção para o fenômeno, dizendo que “...o Estado deveria, de alguma maneira, manter-se mais ou menos isento; classifica a argumentação da sentença como absurda e que mostra o desconhecimento da antropologia da religião”. Diz ela ainda: “muitas religiões não se apóiam em livros”.

A jornalista, autora da matéria, mostra também um levantamento realizado no ano passado pela PUC – Rio. “Segundo o estudo de 847 casos pesquisados desde 2008, 430 disseram que sofreram algum tipo de intolerância religiosa. Os alvos eram os prédios dos centros das manifestações religiosas ou os próprios seguidores”.

Há quem considere essa briga como coisa entre irmãos pelo fato de alguns dizerem ter presenciado no meio evangélico, procedimentos em tudo parecidos com os da umbanda e do candomblé, como reuniões repletas de rituais, danças, retetés e êxtases espasmódicos.

O certo é que dentro do protestantismo, ramos do neo-pentecostalismo  e da IURD estão numa guerra ferina, onde cada um, para defender a “pureza” do seu curral, acusa o outro de praticar rituais demoníacos.

Para exemplificar, veja leitor(a) o que diz o administrador da “Vitória em Cristo” sobre o bispo Edir Macedo, a quem acusa de praticar “macumbaria”:

“Qual a diferença da arruda de sua igreja e a do centro de macumba? Qual a diferença do sal grosso de sua igreja e a do centro de macumba? Qual a diferença da rosa ungida  da do centro de macumba?. (Vide Link)

O bispo da IURD, por sua vez, se defende, nos mesmos moldes:

“não vejo diferença entre rituais de religiões afros e alguns cultos pentecostais”. (Vide Link)

Não é necessária uma análise profunda para constatar que alguns segmentos neo-pentecostais, com prevalência da IURD, em suas sessões espirituais, usam termos similares aos da umbanda, como descarrego, encosto, além do fato de vestirem roupas brancas nos rituais de exorcismo.

O placar na Justiça, em primeira instância, não reconheceu o Candomblé como religião. Por enquanto, o placar está 1X0 para os “evangélicos”. Com certeza, esse longo e polêmico jogo espiritual promete uma grande audiência quando chegar ao palco do STF. (rsrs)



Por Levi B. Santos
Guarabira, 18 de maio de 2014

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13 maio 2014

A Sociedade e a Prometida Copa das Copas

Carnaval na Alemanha ironiza a Copa 2014



Parece que gastos e desvios de dinheiro nas realizações das Copas sempre foram uma realidade mundial, talvez desconhecida de nós. 

As autoridades patrocinadoras da Copa 2014 adiantaram seu diagnóstico dizendo que as manifestações que pipocam  por todo o país são de natureza política. Mas elas esquecem de que tudo o que está acontecendo pode ter outra explicação: como o fato de o brasileiro, só agora, tomar consciência  de que sediar uma Copa é torrar vultosas somas para um “Circo Efêmero” em detrimento do “Pão”.

As estatísticas estão aí para serem analisadas a fundo.

Um dado, por si só,  é extremamente alarmante: 73% da população brasileira não está satisfeita com o fato de o Brasil sediar a Copa do Mundo. 85% disseram NÃO ao uso do dinheiro público para construção dos estádios. Para 72% essa será a Copa da Corrupção.

A sociedade está bem lembrada dos discursos da CBF e do Governo que alardeavam que as obras para a Copa seriam tocadas pelas empresas privadas. O que hoje todo mundo sabe, foi tudo conversa para boi dormir.

No meio editorial, livros denunciando os desmandos nessa Copa já estão nas principais prateleiras das livrarias, como  A Copa da Corrupção de  Duciran Van Marsen, onde o autor detalha o sonho brasileiro que será vivido apenas pelos ricos e impunes cartolas. A Copa Como Ela é” de Jamil Chade (editora Companhia das letras) é outra obra que denuncia os abusos e a gastança desenfreada do dinheiro público. Diz esse autor que “o único legado está ligado ao fato de que a população brasileira se conscientizou disso, de que não haverá legado”.

 A Fifa, por ora , está com uma grande  dor de cabeça e já entrou na justiça para impedir a publicação de um livro que revela a fraude na venda dos ingressos: trata-se da obra  ―“Um Jogo Cada Vez Mais Sujo”  – de Andrews  Jennings (livro que começa a ser vendido nesta semana).  Esse autor, para quem não sabe, investiga os bastidores da FIFA há 20 anos, e foi um dos responsáveis pelo banimento de João Havelange e Ricardo Teixeira do mundo do Futebol.

Ontem (dia 12) o jornalista, Juca Kfouri  em seu blog, fez importantes revelações sobre o livro “Copa Para Quem e Para Quê, mostrando como as empresas mercantilizam cada vez mais os espaços públicos, com a justificativa de benefícios futuros para o povo.

Parece que a presidenta Dilma, para não ser constrangida, vai evitar  comparecer à abertura da Copa, ou ficar às escondidas de boca calada nas arquibanadas a fim de evitar vaias estrondosas como aquelas que aconteceram  no jogo inaugural da recente Copa das Confederações.

 Mesmo com a CPI da Petrobrás nas costas,  correndo no mês de junho, a presidenta exala firmeza , e diz que essa será a “Copa das Copas ― uma Copa para ninguém esquecer”.

Deus (que dizem ser brasileiro) te ouça e nos socorra, Dilma!  (rsrs)

Por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de maio de 2014


Site da Imagem: Blog do Paulinho