Bons tempos aqueles em que não havia televisão, telefone, e
nos comunicávamos apenas por cartas postadas via correio. Tempo em que para saber
o que ia pelo mundo só tínhamos o rádio à válvula, o qual era quase sempre
ligado a uma bateria de automóvel, por não existir luz elétrica na cidade.
Lembro de uma invenção que provocou um grande alvoroço
naquela época, principalmente entre as crianças: o tal do Caleidoscópio.
O Caleidoscópio era um pequeno monóculo em cujo interior
existiam duas ou três lâminas de espelho; na extremidade oposta às lentes,
continham diversos pedaços de plásticos e vidros de diversas cores. Cada vez
que fazíamos movimentos rotatórios no monóculo, os minúsculos fragmentos de seu
interior produziam imagens geométricas de uma beleza incomum. De forma que
passávamos horas e horas com o olho colado ao monóculo apreciando as imagens
multicoloridas, que mudavam de forma à medida que movimentávamos o aparelho junto
ao olho.
Era no Sábado – dia
em que ocorria a grande feira que vendia de tudo em minha cidade −, que o vendedor
de caleidoscópios aparecia. Os adultos, rapazes, moças e crianças com moedas em
suas mãos faziam fila para adquirir os fenomenais monóculos. E ficava aquela
algazarra; todo mundo falando ao mesmo tempo:
― Olha que coisa linda,
aqui no meu monóculo!”.
― Cadê?
― Ahhh, é porque você não
viu o meu!
― Minha Nossa Senhora,
olha que coisa arretada?
― Putzgrila, no monóculo
de vocês não se consegue uma imagem dessa!
Dando um pulo de sessenta anos, poderíamos constatar que o
caleidoscópio que está hoje em evidência a encantar gentes de todas as idades,
é a internet.
Os maravilhosos caleidoscópios das redes virtuais enchem os
nossos olhos com imagens e informações de variadas e infinitas tonalidades.
Podemos viajar, fazer faculdade sem sair do canto, ganhar medalhas e curar
depressão. Como o velho caleidoscópio da história, num desenfreado dinamismo o
que é visto e imaginado se modifica em questões de minutos diante dos nossos
olhos. Por mais das vezes, lá no fundo, chegamos a nos identificar com o
atraente objeto exposto na tela.
Mas esse objeto nunca deixa de refletir a nossa ambivalência:
podemos por ele ter ódio e amor. Como acontece com os canibais que devoram as
suas vítimas para adquirir algo desejável que existe nela. Ódio e amor também
presentes no caçador que apesar de furiosamente matar o leão, para se tornar
valente, adora degustar o coração da fera ferida e inerte.
Ao vendedor de monóculos do meu tempo de menino, interessava
mais as moedas ganhas no final do dia, que ele guardava com o maior cuidado
dentro de uma pequena mala com cadeado. Mas de uma coisa o vendedor sabia:
quanto maior a alegria e a fuzarca das crianças e adultos maior a sua venda.
Sem dúvida, há semelhanças entre as extasiantes declarações
que fazíamos das imagens do caleidoscópio de ontem e a esfuziante festança que
fazemos hoje diante das visualizações dos nossos caleidoscópios virtuais. O que
acontecia antigamente com as pessoas diante dos monóculos na feira, ocorre
atualmente em nossa algazarra virtual, onde estamos sempre fazendo ver ao outro
que a beleza do que estamos a apreciar em nosso caleidoscópio é mais arretada que a que o outro está vendo no
dele.
“Putzgrila, olha isso
aqui!!!” (rsrs)
Por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de maio de 2014
Site da Imagem: canstockphoto.com.br/caleidoscopio-criança