“Eu sou eu e minhas circunstâncias” disse, apropriadamente, José Ortega y Gasset (1883 – 1995). “O eu só existe em função
de um Tu”
enunciado básico nas obras de Martin
Buber.
“O Eu não pode ser pensado de forma unitária, nem tampouco pode
ser identificado ao sujeito, ele é um termo verbal cujo uso é aprendido numa
certa referência ao outro.” (Lacan)
Apesar de saber que necessitamos do
OUTRO para definir o que somos, estamos sempre o desafiando para um duelo. A
autora de “Escritas
do Desejo”
sobre os extremos desse tête-à-tête −, diz algo irrefutável: “O outro é aquele que eu quero matar com a arma da linguagem.”
Frank-Lestringant (1982), por sua vez, faz uma
magnífica análise do diálogo-duelo entre selvagens, recorrendo ao que Montaigne
exprimiu como “momento dialógico do rito Tupinambá”:
“A carne do prisioneiro que se vai devorar não é, de modo algum,
um alimento: ela é um signo... [...] o ato do canibal representa uma vingança
extremada... [...] Esse esforço para apreender nas práticas do canibal a
permanência de um discurso... [...] Sem se demorar sobre as seqüelas do
massacre, Montaigne retorna sempre ao desafio da honra, à troca de injúrias,
àquela ‘canção guerreira’ composta pelo prisioneiro antes de sua morte.
Acabamos, assim, por esquecer que a boca do canibal é provida de dentes. Em vez
de devorar ele se limita a proferir. Eram os próprios Tupinambás que separavam
a boca que devora daquela que profere: o matador era o único a não comer a
carne do inimigo. O ‘cozinheiro dialógico’ não provava dela”.
No duelo dialógico o outro se torna
objeto do meu gozo. Mas refletindo bem, eu gozo de mim mesmo, na medida em que
procuro ver aquilo que recalquei exposto em um lugar bem visível no outro, a me
incomodar.
Lacan diz: “No
outro (espelho) vejo a minha imagem invertida”. Não suporto ver-me invertido no
espelho do outro. Ver aquilo que vive no outro, que imagino ter morrido em mim,
querendo se fazer de meu, é insuportável.
Os versos de Marco Lacerda em −“Um
Estranho em Mim” , denuncia
com fortes tons a angústia que o outro provoca incitando-me a assumir o que
tanto combato:
“Em minha alma só nostalgia. A solidão inimiga silenciosa e
indestrutível. A angústia se intensifica e percebo que meu rosto revela, em
pele sem viço, a história de minha infância. O rancor de minha avó, os sorrisos
maldosos na boca de minha tia estão diante de mim, dentro de mim”.
O risco que corro ao duelar com o
outro no vai-e-vem de um emaranhado de conceitos e palavras é quedar-me preso
em minhas próprias teias.
Na linguagem ou na fala estão
implícitos signos que servem para confrontar-me com o outro. Em suma, dialogo para
me ancorar no outro, para repelir nele o que não suporto mais, ou para me
impedir de entendê-lo.
Foi para isso que nasci: Nascer é ser
jogado no campo do OUTRO. Não me autonomeei. Pelo contrário, fui objeto de
desejo de outros (pai e mãe). Foram eles que me deram um nome para me chamarem
de seu. Daí para frente permaneceu só o desejo ou a ilusão de fazer um nome por
mim mesmo.
Ora, se foi por um ato de palavra que
advimos ao mundo e adquirimos o estatuto de sujeito, a conclusão lógica que se
há de chegar, é que não podemos nos autonomear porque fomos atravessado por uma
PALAVRA que já estava inscrita no princípio, lá na nossa gênese.
Segundo Lacan, no nosso inconsciente reside a linguagem de outros que foram
formadores do nosso eu. “Cada um de nós é um EU em face da linguagem e conceito do outro”.
“Sem o OUTRO seríamos então incapazes de conceituar o conceito
de si. O sentido de si é talhado por nossa consciência do OUTRO, do mundo
exterior a nós”.
Por Levi B. Santos
Guarabira, 28 de julho de 2014
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