21 março 2017

O Criador da Psicanálise e Sua Criatura Em Face de Hitler


O Criador (Freud) e sua criatura (Jung)


Freud, o criador da psicanálise, tinha a alma dividida entre as correntes sionista e antissemita. Talvez, por isso, tenha se detido muito sobre o termo “ambivalência”. Por ser um judeu da diáspora, foi considerado um infiel pelos seus. Queria fazer de Carl Gustav Jung seu sucessor, mas a criatura era filho de um pastor protestante. Portanto, como cristão, acima de tudo, Jung não poderia deixar de corroborar com o ideal bíblico de uma Terra Prometida só para os judeus no caldeirão fervente da Palestina.

O grande embate entre o Criador e sua criatura se deu com o florescimento do hitlerismo. A historiadora da psicanálise de origem francesa, Elisabeth Roudinesco, no livro “Sigmund Freud Na Sua Época e Em Nosso Tempo”, editado na França em 2014 e aqui pela Zahar em 2016 obra muito aplaudida pela crítica mundial , relata que em fevereiro de 1930, bem antes do início da segunda grande guerra, o velho barbudo argumentava perante o físico, Albert Einstein, sobre o fanatismo irrealista de seus irmãos em criar um Estado Judeu na Palestina. Portanto não partilhava da ideia sionista de recuperar os lugares sagrados para si. Dizia ele: “Não posso sentir qualquer simpatia por uma fé mal interpretada que faz de um pedaço do muro de Herodes uma relíqua nacional e, por causa dela desafiar os sentimentos dos habitantes do país. […]Teria sido mais sensato fundar uma pátria judaica num solo não historicamente carregado”.
Lógico que, como todo judeu da Diáspora, Freud jamais poderia ser adepto do sionismo. Sionismo, que depois mostrou a sua verdadeira cara: “um movimento político cujo objetivo era um governo de influência mundial controlado pelos banqueiros internacionais de orientação sionista”.

Por outro lado, Jung, criatura freudiana, na época da ascensão de Hitler principal personagem da 2ª guerra mundial , mantinha a concepção dúbia de que havia um arquétipo judaico no inconsciente coletivo do povo judeu; ao mesmo tempo, percebia o fulgor das massas em torno do Führer como uma resposta natural do inconsciente cristão na psique da raça ariana. Em uma correspondência de 1934 diz jung: “Freud já me acusou de antissemitismo só porque me recusei a aprovar seu materialismo sem alma. Com essa propensão a farejar antissemitismo em toda parte, os judeus terminam efetivamente por gerar antissemitismo”. (Elisabeth Roudinesco… página 421). Na ótica de Freud e da elite judaica anti-semitismo não era o mesmo que anti-sionismo.

A Alemã de origem judaica, Hannah Arendt (filósofa política e ex-aluna de Heidegger), ainda nos dias atuais é considerada “persona non grata” por, em seu polêmico livro “Eichmann em Jerusalém”, entender, assim como Freud, que o sionismo, no fundo, era uma ideologia racista e nacionalista.

Elisabeth Roudinesco, sobre ambivalência refletida na dualidade “sionismo-antissemitismo”, coloca Jung em um conflito idêntico ao de Freud: “Ao mesmo tempo que recriminava os judeus por forjar as condições de sua perseguição, Jung pretendia ajudá-los a se tornarem melhores judeus. O que equivalia a dizer que, em conformidade com sua teoria, Jung recusava o modelo freudiano de judeu sem religião, do judeu do iluminismo. Condenava a figura moderna do judeu desjudaizado e culpado, segundo ele, por haver negado sua 'natureza' judaica. […] No intuito de conduzir os judeus ao terreno da psicologia da diferença, Jung passou a acompanhar a evolução de seus discípulos judeus exilados na Palestina”. Contudo, em uma de suas correspondências, deixou uma emblemática pergunta no ar: “Seria por estarem tão habituados a não serem judeus que os judeus precisam concretamente do solo palestino para reconduzi-los à sua judeidade?”

Olhando bem, não se constitui um paradoxo o que Elisabeth Roudinesco aqui afirma em seu memorável livro: Jung era sionista por antissemitismo, ao passo que Freud recusava o sionismo porque não acreditava um só instante na ideia de que os judeus encontrariam uma solução para o antissemitismo conquistando a Terra Prometida”.

Quando a coisa nazista se acentuou, o Criador (Freud) fugiu para Paris, e de lá para a Inglaterra, que o recebeu de braços abertos. Quanto a criatura Jung, foi por Göring alçado a presidência do Instituto Alemão de Pesquisa Psicológica e Psicoterapia. Nesse balaio de gatos se agruparam dissidentes freudianos, junguianos e supostos “independentes”.

Apesar de sua biografia manchada pelo fato de ter ficado durante grande parte do período bélico ao lado de Hitler, há controvérsia se Jung foi realmente um colaborador nazista. Como a ambiguidade é a marca essencial da psicanálise, a história registra que a criatura no final da segunda guerra foi recrutada pelo serviço secreto americano para servir como agente em prol dos aliados. Em 1946, terminada a segunda grande guerra, um proeminente professor judeu em visita a Suíça recusou-se a dialogar com Jung. Depois de uma violenta discussão com o rabino, Jung rendeu-se: “Está certo, eu vacilei.” (Jung Uma Biografia Frank McLynn Record Editora)

Enquanto isso, o Criador (Freud), agora bem instalado no paraíso londrino que lhe serviu de asilo, longe do inferno nazista, voltava-se para um tema polêmico e ambíguo, como é tudo que se refere aos elementos míticos do campo religioso judaico-cristão, pondo, aos 82 anos de idade, os retoques finais em seu “Moisés e o Monoteísmo”, publicado no ano de sua morte (1939). Ficou lúcido até a partida, no dia do Perdão (Yom Kipur), em setembro de 1939, quando o espectro da guerra caía por toda a cidade de Londres, em meio a máscaras contra gases que eram distribuídas para fazer face aos intensos bombardeios que a Alemanha do demoníaco Hitler despejaria naquele fatídico mês sobre seu último refúgio a Inglaterra.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 21 de março de 2017