21 julho 2017

O Terrível e Venerado Jararaca do Cangaço





Nas palavras do historiador potiguar, Luís da Câmara Cascudo, “José Leite de Santana, era um homem forte, resistente, ágil, moreno escuro, atirador exímio, grande lutador de faca”. Talvez por seu instinto predominantemente cruel, tenha recebido o apelido Jararaca.

Jararaca era um dos mais temíveis do bando de Lampião. A jornalista e ensaísta, Adriana Negreiros, em um artigo sobre os “Anais do Cangaço” publicado na Revista Piauí nº 130(de julho de 2017), conta que Jararaca, homem acostumado a beber mais cachaça que o recomendado, liderava um dos grupos mais ferrenhos dos bandoleiros de Lampião, por ocasião da invasão sem sucesso da cidade de Mossoró – RN, em 1927.

O certo é que após muitas escaramuças o bando de Lampião foi derrotado pela milícia estadual de Rodolfo Fernandes. “Jararaca foi atingido por um tiro no peito. Mesmo machucado e ainda embriagado, conseguiu levantar-se e correr, ocasião em que levou outro balaço na coxa”.

A cela em que Jararaca ficou trancado tinha grades que davam para a rua. Centenas de Mossoroenses amontoavam-se em frente ao local para ver um cangaceiro de perto, como um leão feroz preso a uma jaula de zoológico. Enchiam-lhe de perguntas. Queriam saber quantos homens já havia matado. Se amealhara fortuna no cangaço. Quais eram seus arrependimentos. Até hoje, corre a lenda que, nesse momento, Jararaca teria confessado sentir um único remorso: de aparar crianças com a ponta do punhal. […] O preso revelaria detalhes operacionais da tentativa de invasão de Mossoró. O jornal Correio do Povo traria uma entrevista bombástica com Jararaca: ao repórter, o bandido citara nomes de políticos e coronéis nordestinos que davam proteção e recebiam dinheiro de cangaceiros”. Segundo a autora, Kydelnir Dantas, membro da Sociedade de Estudos do Cangaço, lembra que um dos comandantes da resistência, sustentou que Jararaca havia sido morto com uma coronhada do fuzil de um policial, sem que seu corpo sofresse qualquer decepação. Esse depoimento consta do livro “Lampião em Mossoró”.

Adriana Negreiros que, em 2018 lançará uma biografia da cangaceira Maria Bonita pela editora Objetiva, sobre o herói/vilão Jararaca, faz uma narrativa digna de nota em seu artigo à revista Piauí: Mossoró (RN) tem, de fato, uma relação dúbia com os cangaceiros. 'Chuva de Bala no País do Mossoró', espetáculo teatral em que cerca de oitenta atores encenam a expulsão de Lampião, tratando o intendente Rodolfo Fernandes como herói, é um dos pontos altos da programação cultural da cidade, atraindo multidões de espectadores de toda a região”.

Na Mitologia, a Serpente representa ao mesmo tempo "a vontade de avançar e a vontade de recuar", coisa que devia estar bem presente na psique do temível bandoleiro, Jararaca. Reza a psicologia que essa ambivalência(sentimentos paradoxais) é uma característica indelével do ser humano. 

Diz então, Adriana Negreiros em seus anais do cangaço: o personagem Jararaca depois de ter sido preso, julgado, condenado sem que tivesse defesa, noventa anos depois de enterrado foi inocentado através de um julgamento simulado ocorrido em junho de 2017 na demasiadamente humana Mossoró. Um conselho de sentença, formado por um advogado, um padre, um jornalista, um médico e outros representantes da sociedade mossoroense, pelo placar de 6X1 absolveu o cangaceiro Jararaca.

A temperatura da inusitada e risível descrição da ensaísta chega a um ponto efervescente: “Encerrada a audiência, o juiz, alguns jurados, advogados e jornalistas reuniram-se para almoçar num restaurante especializado em costela da javali. 'Fiquei surpreso com o resultado' disse o juiz Breno Fausto, enquanto esvaziava uma concha de feijão-verde no prato. 'Mossoró é um cidade peculiar. Ao mesmo tempo que se orgulha da resistência absolve um cangaceiro', comentou o juiz'”.

No cemitério de São Sebastião, a uma distância de 10 metros um do outro estão, hoje, o túmulo de Jararaca (o herói do Cangaço) e o túmulo de Rodolfo(o herói da resistência), ambos ostentando em suas superfícies de lousa fria e lisa, flores de variadas cores. A professora Ludmilla Oliveira que participou do juri simulado do famoso Jararaca saiu-se brilhantemente com essa: “Trata-se de um simbolismo. Os resistentes não venceram qualquer um. Venceram Lampião, O rei do Cangaço”. Não ficou para trás a prefeita da cidade, quando agradando a gregos e troianos, assim terminou seu discurso: “O maior resultado do julgamento é o resgate da história da Resistência, independente da absolvição ou condenação”.

Site da Imagem do Topo: https://www.folhetoteca.com.br/marca/costa-senna.html


P.S.:

[Resenha - com citações de trechos do insuperável artigo de Adriana Negreiros, sob o título ― “O Julgamento de Jararaca”. O texto integral, composto de 14 colunas, encontra-se a disposição dos leitores na Revista Piauí nº 130]

Quis o destino que o Juri simulado de Jararaca ocorresse no mesmo dia em que, em Brasília, encerrava-se o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral” (Adriana Negreiros).

O vídeo abaixo replicado mostra a repercussão do Juri de Jararaca (o cangaceiro que virou santo) em rede televisiva no Rio Grande do Norte