Em nossa republiqueta, dentre as tragédias que ocorreram nesse infausto mês, a mais citada é a de Getúlio Vargas. Foi bem no início de agosto de 1954 que o calvário de Getúlio Vargas ─ o “Pai dos Pobres” ─ teve seu início.
Foi na madrugada do dia 05 de agosto que tudo começou a degringolar em nossa república das bananas. No atentado planejado meticulosamente para matar Lacerda (o maior rival de Gegê), o tiro saiu torto, ferindo de morte o Major Vaz, que nada tinha a ver com o caso. Dezenove dias depois, sob pressão, Getúlio, no Palácio do Catete ─ Rio de Janeiro, daria um tiro no coração, entrando na História (sagrada e mundana) como mártir nacional.
Na verdade, o Getúlio de São Borja – (RS) de 90 anos atrás, já era um Mito. A idolatria que varria o país de ponta a ponta, atingiu o ápice em janeiro de 1930, quando uma multidão composta de 100 mil pessoas na esplanada do Castelo aplaudia de forma fanática, um Gegê vistoso e eufórico por ocasião do lançamento da plataforma de sua facção ─, a Aliança Liberal.
O Jornal Correio da Manhã do dia seguinte trazia ecos dessa grandiosa manifestação pública, onde o nome de Deus, para fins claramente eleitoreiros, era exibido em largas faixas. A manchete de primeira página, em letras garrafais, era essa: “DEUS É LIBERAL”. Deus poderia a até ser liberal, mas foi Gegê que, num arroubo de antifeminismo, de última hora, impediu que o “belo sexo” sufragasse seu voto nas urnas. Para afagar às mulheres, os getulistas de 1930 lançaram essa pérola de bordão: “Mãe, esposa, irmã, noiva! Fazei com que aqueles que gozam das delícias de vossos afetos e carinhos votem em Getúlio Vargas, para que haja paz na Pátria amada”.
Mas voltemos a agosto de 1954.
Diante de um povo desamparado, frustrado e sedento de um Salvador da Pátria, Orígenes Lessa (um dos cancioneiros de Gegê), tomou para si a obrigação de imortalizá-lo na literatura de Cordel, elevando-o à categoria de Jesus Cristo. Não era assim que funcionava o modelo medieval, tempo em que o universo terrivelmente sacro se aliava ao universo profano-político, sem ter ninguém a reclamar? Na verdade, esse “modus vivendi” vem desde o cristianismo de resultados do Imperador Constantino (300 d.C). Foi através de farta distribuição de altos cargos que o soberano do vasto Império Romano conseguiu corromper a Igreja Primitiva.
Essa ligação tão intima do Sacro com o Profano, me leva a pensar que o desenvolto Getúlio já sabia que o Messias da religião cristã podia se fundir(ou confundir) com o messias político/terreno, para gáudio das massas ensandecidas ─, como bem evidencia, abaixo, o cordel de Orígenes Lessa:
“Jesus Cristo pelo povo
Padeceu morte e paixão,
Getúlio foi outro Cristo,
Varou o seu coração
Com uma bala sublime
Para salvar a Nação!
Morreu mas ressuscitou
E subiu ao céu com glória,
Assim há de ser Getúlio
Que vai ficar na memória.
Viverá eternamente
Alumbrando a nossa História.”
P.S.:
Faltavam 17 dias para completar oito anos de idade, quando, pelas ondas do rádio, ouvi a voz embargada do locutor Heron Domingues, do “Repórter Esso”: “Getúlio Vargas acaba de cometer suicídio!!!!”.
As ruas de Alagoa Grande (PB), repentinamente, se encheram de gente a chorar e a se lamentar. Tive o mesmo terror e tremor que experimentava no final das tardes da sexta pascoal, quando o Senhor Morto, nos ombros dos padres e sacristães, percorria as principais ruas da cidade, passando bem de frente a minha residência.
FONTES CONSULTADAS:
1. Nossa História nº 10 – Agosto de 2004
2. 90 Anos da Revolução de 1930 – Editora “A UNIÃO”
Por Levi B. Santos
Guarabira, 05 de agosto de 2020