...........De quando em vez me surpreendo assoviando uma estrofe de uma cantiga dos meus tempos de estudante ginasial. A melodia dessa canção faz a minha mente viajar para trás suscitando-me uma regressão aos tempos do meu paraíso edênico.
Lá se vai a minha velha embarcação caminhando em sentido contrário à corrente do rio que é a vida, corrente essa que teima em se nutrir mais do olhar para frente, do que o andar para trás. Sinto lá nos recônditos da alma, o rumor das águas do rio de minha vida pueril. Vejo dentro de mim, cenas do turbilhonar dessas águas. Elas estão represadas não sei onde, e de vez em quando, extravasam através das comportas estanques da memória, sob a forma de reminiscências. É especialmente na época do Natal, que as águas do meu passado distante transmitem-me um sentimento de nostalgia de algo prazeroso que vivenciei nos tempos em que o meu “eu” não conhecia a Lei que mais tarde poria dentro do meu ser a inimizade entre o profano e o sagrado.
No convés de minha embarcação, navegando para trás, encontrei o menino de 13 anos de idade, cantando alegremente num grupo orfeônico, em uma festa natalina após as provas do final de ano letivo. Os olhos da alma insistiam em querer ver o que a embarcação já deteriorada pela ação do tempo não permitia enxergar. A velha embarcação construída há sessenta e três anos, demorou demais no trajeto inverso, e eu só pude reter, ou rever a segunda parte daquela canção que tanto marcou os meus Natais pela vida afora. Essa parte da melodia foi a que o barco de memórias conseguiu resgatar, e correspondia a uma dolente sinfonia em tom menor, que eu, por toda a vida de adulto assoviara. Sem a letra, hoje considerada profana, só restou o assovio da metade da bela modinha reverberando nas cordas do meu violão.
O cérebro, esse antiquado computador, deletou a primeira estrofe da canção que cantei jubilosamente com os meus coleguinhas de classe, num salão imenso ornamentado de luzes multicores, e árvores carregadas de nacos de algodão, que mais tarde eu viria saber que eram para imitar a neve que naturalmente decoravam as árvores no natal dos países frios. Que bons tempos aqueles do coral orfeônico de minha saudosa escola. Era sob a batuta do experiente e paciente maestro que a música transformava-me em um corpo coletivo. As notas musicais transportavam-me a outro mundo, e eu me identificava com os outros, meus colegas, meus irmãos, numa efusão prazerosa de felicidade e êxtase. O que mais me interessava não era a letra da canção e sim a beleza extra-subjetiva dos acordes que mergulhava o meu coração na atmosfera harmônica indescritível carregada de uma inefável serenidade.
Essa máquina maravilhosa ─ o computador ligado a rede mundial de informação, como um poderoso cérebro, foi buscar, nos seus antigos e raros arquivos, essa obra musical monumental de autoria do nosso grande compositor Heitor Villa Lobos, intitulada "Canto do Pajé”
Através do vídeo abaixo, pude adentrar de novo a Catedral do mundo estrutural e espiritual dos meus verdes anos, quando o maniqueísmo do bem e do mal, do sagrado e do profano não tinha ainda se entranhado em meu ser.
A emoção que como adulto sinto no momento, nada mais é que a REPETIÇÃO de minha primeira experiência no mundo sublime da música, refletida no meu imaginário.
Crônica por Levi B. Santos
Guarabira, 14 de dezembro de 2009
7 comentários:
Mestre e amigo Levi
Sua belíssima e nostálgica crônica, me fez voltar ao passado, mergulhando no mais profundo ser da minha interioridade, fui e voltei com velhas e antigas lembranças do meu passado não tão passado mais já passado, pois passou e já não é mais, e nunca voltará a ser, restando-me, lembrar e viajar pela minha alma a aquele lugar, momento e tempo inesquecível que o tempo não vai apagar, pois esta impregnada no mais profundo do abismal do meu ser.
Estou neste momento, com meus sentimentos oscilando entre a melancolia e alegria, saudades dos tempos que não voltam mais.
A sua poderosa crônica me faz sentir saudades até do que ainda não passou, mas passará.
Os novos amigos, momentos, vidas, experiências, sentimentos, sonhos, prazeres e vontades, tudo vai passar.
Neste momento, não quero a consolação da esperança do amanhã em Cristo, salvação e continuação da vida em um paraíso.
Quero me deleitar nesta inexplicável e implacável tristeza, e não ser consolado.
Quero lembrar dos que já foram e não voltarão.
Dos momentos inesquecíveis, belos e profundos.
Das tristezas, sofrimentos e dificuldades.
Pois minha vida é assim.....passado que não volta, presente que esta passando e futuro que passará.
Inclusive no momento em que escrevo estas palavras, elas vão passando, como assim também vai passando minha vida, pois a vida é feita de tempo.
A vida não poderia ser feita de outro jeito, que não fosse o tempo?
Pois o tempo passa, e com ela a nossa vida.
Queria uma vida sem tempo, pois desta maneira não haveria tempo para a vida.
Vida, vida, vida.......mas que vida!
Vida passada, vida presente e vida futura.
Viver a vida é viver passado e presente, pois o futuro não existe, pois quando ele chegar já é presente que será passado.
Termino este humilde comentário com uma musica que vem a minha cabeça neste momento, e expressa melhor meus sentimentos:
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como o mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo
Agora
Há tanta vida lá fora, aqui dentro
Sempre como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como o mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo
Agora
Há tanta vida lá fora, aqui dentro
Sempre como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Porque temos que morrer?
Eu não quero ir para o céu, eu quero ficar com minha família e amigos.
Não quero morrer.
Odeio a morte!
Amo a vida, e quero viver!
Abraços
Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.
Prezado ensaísta e amigo Marcio
O seu comentário revestiu–se de maior significado que o texto que postei.
Gostei do seu belo passeio poético sobre o presente, passado e o futuro. Parecia estar ouvindo o velho Tillich dissertando sobre 'espaço e tempo' em seu livro “Teologia da Cultura”.
Dizia Paul Tillich:
“O poder do espaço é muito grande, e fundamenta o desejo dos seres humanos de possuir o próprio lugar, capaz de lhe dar realidade, o presente, e o poder de viver, alimentando-os no corpo e na alma. Por isso, os povos antigos atribuíam poderes divinos conectados aos lugares em que se vivia”.
A nostalgia, que é o gozo de trazer o passado para o presente, é a única forma de romper a barreira imposta pelo tempo para, enfim, navegar em sentido inverso, trazendo dos subterrâneos da mente, fatos marcantes na forma de fragmentos de memórias de nossa infância e adolescência.
A vida é assim mesmo, como diz a canção de Lulu Santos:
"vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito".
A nostalgia, através do ensaio que postei, teve o condão de trazer para "o hoje" um pouco do prazer de minha primeira incursão na esfera espiritual da música.
“Quem não se fizer criança não pode entrar no reino dos céus” – disse Cristo.
Um abraço fraternal,
Levi B. Santos
Melancolia na noite de Natal
Em meio às canções inebriantes daquelas noites felizes.
Lá estava eu acabrunhado sem motivo aparente.
Perguntava no meu íntimo e não obtinha respostas e ainda hoje permanecem.
Bem que tentava contagiar-me pela alegria daqueles momentos, mais era inútil.
Não sei explicar, queria mesmo ficar sozinho e chorar.
Houve momentos que pensei se tratar de depressão sentia medo, aflição.
Naquelas fatídicas noites procurava o meu Pai que perdi sem nunca o ter conhecido.
Não sei onde ele está, não sei se ainda vive, talvez o perdi numa noite de Natal.
Querido Mestre Levi, perdoe-me pelo desabafo.
Um dia pedi a Deus que não queria mais ficar triste no natal, apesar de ter lá minhas muitas razões, mas achei descabido de que quando se festejava o nascimento do nosso libertador eu teria que entrar em tristeza profunda.
Hoje alguns dizem que natal é pecado, mais uma "novidade," para mim natal é festa é celebração, e amei saber que você guarda boas recordações e ainda mais musicada. É um privilégio! Feliz Natal!
Amigo e Mestre Levi
Já mais compararei o meu comentário com o vosso texto.
Você esta “anos luz” a nossa frente – digo de nós todos.
Além de ter o poder de resgatar o nosso passado, vivendo-o através das memórias, ainda nos resta um poder maior, a saber:
De re-significar o nosso passado.
Acredito que esse conceito também se encontra em Paul Tillich – apesar de não ter um profundo conhecimento como o vosso. (Vê se não vai “pegar pesado” comigo, fazendo-me, muitas perguntas, como você fez com o Eduardo. Rsrsrs)
O nosso passado, ao contrario do que muitas pessoas pensam, não está totalmente petrificado, fechado para mudanças.
Ele não é imexível!
Podemos mudar o nosso passado, dando através dele e para ele, um novo significado para o nosso presente.
Redirecionando e redimensionado o nosso presente a parti das experiências do passado.
Ou seja, aprendendo com a experiência que tivemos no nosso passado, podemos tomar novos rumos.
Circunstancias que hoje vivemos, talvez não criássemos, se antes, não tivéssemos vivido-as no passado.
A vida realmente é uma escola, e isto não é um chavão!
Vivemos o presente, olhando e mirando no futuro, lutando para se alcançar o nosso alvo, mas sem esquecer também de olhar para o nosso passado, de onde tiramos aprendizados que dará significado ao nosso presente.
Exemplificando – como ex-professor de escola dominical, gosto de usar exemplos para explicar conceitos – é mais ou menos assim:
O rapaz por nome “A” foi no passado um viciado em drogas, no presente ele pode re-significar o seu passado, digamos “negro”, usando sua experiência dramática de drogado, para ajudar pessoas nas mesmas situações dele de outrora.
Ou seja, ele voltou ao passado e conseguiu através dele redirecionar o seu presente, dando vida a sua experiência ruim.
Ajudando pessoas a saírem do mundo das drogas, pela sua experiência, acabou de transformar o seu passado outrora maldito, em benção.
O que o rapaz fez com o seu passado?
Ele não mudou as circunstancias, mas mudou o significado, dando sentido a uma situação passada e morta.
Portanto, como seres humanos de carne e sentimentos, frágeis e vulneráveis, temos necessidades subjetivas na nossa interioridade de vez ou outra, voltarmos ao passado, como um exercício nostálgico de deleite e ao mesmo tempo de profunda melancolia, de resgatarmos através das lembranças do nosso subconsciente, momentos, lugares e pessoas que nos foram especiais.
Porém, o mais poderoso significado e relevância é o de dar sentindo, razão e significado ao nosso presente, nos espelhando – seja para repetir algumas atitudes ou de não fazer algumas atitudes – no nosso passado já passado, mas vivenciado nas nossas mentes e atitudes.
Portanto passado é passado, e não volta mais!
Mas as experiências vividas nos darão o chão do presente, e nos empurrará para enfrentar o futuro.
Obrigado amigo e mestre Levi, pelo seu texto que me proporcionou inspiração ao meu comentário anterior, e agora, pelo seu comentário, que novamente deu-me “asas” a minha reflexão.
Obs: Todos os meus comentários feitos no seu blog estão sendo salvos em World, e depois de algum tempo, estarei postando-os em nosso blog – do Edson e meu.
Abraços
Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.
Levi, belo texto e belas recordações. Alguém disse que recordar é viver de novo, então, vivamos de novo, de novo e de novo. Vivamos o que nos trouxe alegria e prazer, e vivamos também o que nos deixou marcas de sofrimento, pois como disse o poeta-filósofo-existencial Márcio, podemos sim mudar o passado!!! Sorri de orelha a orelha com mais essa possibilidade que o Márcio nos abriu.
abraços a todos
Eu me lembro da minha terceira série primária, com a Professora Enedina, quando ela trouxa uma pequena vitrola e um compacto simples e colocou uma música que marcou a minha vida e me ensinou através da interpretação da letra e sobre o autor:
Rosa-dos-Ventos
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque
E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão
Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar
Esta música marcou toda a minha história como militante da esquerda política.
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